Os últimos dias de Viviane de Paula Pereira, de 19 anos, foram de medo. Desde fevereiro entrou em embate judicial com o ex, William Rodrigues da Silva, de 26 anos, ao denunciá-lo à polícia e ganhar medida protetiva em mais um caso de violência doméstica no país, este, em Bataguassu. Há uma semana, voltou a ser ameaçada.
Pelos registros na Polícia Civil e no sistema do Judiciário de Mato Grosso do Sul, é possível seguir o fio da tragédia anunciada, que teve o final previsível e fatídico ontem, às 13h20, na rua Ribas do Rio Pardo, centro da cidade. Armado com revólver, William invadiu a casa onde estava Viviane, atirou na cabeça da mulher e, em seguida, se matou, na frente dos filhos do casal, de 4 e 1 ano de idade. A informação é que ele não se conformava com o fim do relacionamento.
O casal estava separado há pelo menos um mês, pelo que é possível rastrear nos registros da Polícia Civil e da 2ª Vara da Comarca de Bataguassu. Em fevereiro, William aparece como autor de vias de fato, contra Viviane, e tentativa de suicídio. Antes, há registro de ameaça em 2014 e difamação em 2019, mas não há informação se a ex-mulher era a vítima desses casos mais antigos.
No dia 18 de fevereiro, com base no relatado em boletim de ocorrência por violência doméstica, o juiz Cezar Fidel Volpi estipulou medida protetiva, determinando que William mantivesse distância mínima de 100 metros e não fizesse qualquer contato com Viviane.
Viviane teve direito ao afastamento do lar, sem prejuízo da guarda das crianças, menino de 4 anos e a menina de 1 ano. No despacho, o magistrado determinou escolta policial para que a jovem pudesse retirar seus pertences do local.
No dia 23 de março, terça-feira passada, Viviane procurou a Polícia Civil relatando, assustada, que o ex havia passado várias vezes em frente da casa onde ela estava. Soube que o ex-marido havia comprado uma arma e que William teria dito à mãe dela que “de hoje não passa” e, para prima de Viviane, que “mataria todo mundo”.
Os policiais foram ao encalço dele, por quebra de medida protetiva, o que poderia resultar em prisão em flagrante, mas o rapaz não foi encontrado em casa ou no trabalho.
Dois dias depois, 25, o delegado Daniel Wollz Marques pediu a prisão preventiva dele, pelo que foi relatado por Viviane. “Crimes dessa natureza, normalmente ocorrido às escuras, a palavra da vítima ganha especial relevo”.
O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) opinou pela prisão preventiva em despacho dado no dia 26.
William Rodrigues se manifestou no dia 29, por meio do advogado Alan Sampaio. Na defesa, relatou que havia saído para almoçar quando foi informado por colegas sobre a presença de policiais civis no trabalho, em busca dele. Diz que ficou assustado e não voltou ao trabalho, com medo da prisão e de possível infecção por covid-19 na cadeia.
Wiliam se defendeu, dizendo que era constantemente procurado pela ex e chegaram a ficar juntos depois da separação. A defesa se antecipou, pedindo a eventual revogação da prisão preventiva, com a promessa de que ele “não tem intenção violenta contra a vítima”. O advogado protocolou contas de água, luz, documentos de trabalho para atestar que o rapaz tinha moradia fixa, função conhecida e não teria antecedentes.
No dia 30, às 16h43, o juiz Cezar Volpi encaminhou ao MPMS o pedido, com urgência, de manifestação sobre as alegações da defesa. Àquela altura, a discussão já era inócua: Cerca de três horas antes, Viviane havia sido assassinada com tiro na cabeça.
No fim da tarde, o MPMS respondeu, já com a informação da morte de William e com solicitação do arquivamento do requerimento de prisão preventiva. O juiz deferiu, comentando que o pedido tramitava regularmente e só não foi apreciado por conta do recurso da defesa, à obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e direito ao contraditório. Às 18h52, o documento foi arquivado pela Justiça.
Os dois filhos do casal estão com parentes de Viviane. O Conselho Tutelar foi acionado pela polícia para prestar apoio psicológico a eles.
Nas redes sociais, Viviane ostentava apenas duas fotos: dela, em frente ao espelho e dos filhos, abraçados e sorrindo. Na de William, ainda há fotos mais antigas, do casal, de 2014. Em 2015, postou trechos da música “Quando eu me chamar saudade”, cantada por Nelson Rodrigues. “(…) Mas depois que o tempo passar, sei que ninguém vai se lembrar que eu fui embora. Por isso é que eu penso assim, se alguém quiser fazer por mim que faça agora.
Nos registros mais atualizados, 18 e 23 de março, William postou duas vezes a mesma foto, de revólver apoiado em munições. Em uma delas, escreveu: “Brinquedo assassino não sai da minha mente”.
Viviane é a 7ª vítima de feminicídio este ano em Mato Grosso do Sul.
Fonte: Jornal da Nova.
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