Sexta-feira, Novembro 22, 2024
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De onde veio a expressão “Batman é só um rico que bate em pobre”?

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De onde veio a expressão “Batman é só um rico que bate em pobre”?

Nas últimas semanas, uma frase que já há algum tempo costuma ser usada para provocar os fãs do Batman ganhou ainda mais força. Não dá para saber direito a razão disso, pois é do tipo de coisa que começa a se espalhar por redes sociais sem muito nexo. Mas suspeito que seja por conta de o personagem estar em evidência novamente, devido ao seu mais novo filme nos cinemas. “Batman é só um rico que bate em pobre.” Mas de onde saiu essa expressão?

Antes de explicar o que entendo de onde veio essa onda recente, vale destacar por que essa “frase de efeito” foi ou vem sendo utilizada. Normalmente, quem escreve isso não conhece bem o personagem; ou apenas quer provocar os fãs.

Eu mesmo já usei-a em alguns textos por razões específicas: a primeira foi para não nos levarmos tão a sério; a segunda, foi justamente para provocar fanboys que não aceitam opiniões diferentes e se sentem profundamente ofendidos se alguém diz o que eles mesmo gostam de dizer para as paixões alheias; e, o mais importante, é porque também sou fã de longa data, e acredito que os fãs são os que mais têm o direito de criticar o personagem que tanto amam.

Contudo, em tempos de redes sociais, em que as pessoas usam contextos diferentes para escalar frases como essa de forma violenta, compreendo que, ao ser usada somente para agredir gratuitamente, essa expressão perde toda sua função de provocação ou o senso de humor que pode vir junto.

Portanto, nada mais justo do que entender de onde saiu essa expressão e, claro, mostrar que, NÃO, O BATMAN NÃO É UM RICO QUE BATE UM POBRE.

Acredito que hajam quatro principais “fontes” dessa “frase de efeito”, das quais a terceira e a quarta, as mais recentes, talvez sejam o que mais tenham impulsionado essa ideia.

Quem conhece há tempos as histórias do Batman, sabe que, no começo, as tramas eram muito mais simplórias, e o mundo era muito diferente. Veja bem, quando as primeiras histórias de Detective Comics chegaram às bancas, no final dos anos 1930, o personagem se parecia mesmo com um playboy que, apenas para ocupar seu tempo ocioso, deixava seu robe e seu cachimbo de lado para atuar como um vigilante em Gotham City.

A coisa era tão diferente que o Batman saia de sua cadeira luxuosa e largava o cachimbo para se vestir de morcego e se intrometer no trabalho das autoridades sem muita explicação sobre isso. Ele, inclusive, trocava ideias casualmente com a própria polícia sobre os possíveis culpados; entrava em cenas de crimes como se estivesse passeando e ficava fuçando em tudo com a maior liberdade e cara-de-pau. Ou seja, não havia a mínima verossimilhança, eram apenas tramas de mistério, que faziam sucesso na época, e que não se preocupavam em detalhar o lado pessoal de Bruce Wayne a fundo — muito menos suas motivações.

O Bruce Wayne dessa época era muito mais próximo do Sherlock Holmes, que foi uma das grandes inspirações para a criação do Batman. Só que, assim como toda mídia de massa, os quadrinhos do Homem-Morcego desse período carregavam fortes preconceitos, estereótipos e outros elementos que, com o tempo, desapareceram para mostrar que o personagem é muito mais complexo.

Se você analisar as várias fases de Batman desde sua primeira aparição, vai notar que o personagem acompanhou as mudanças da própria sociedade. E, assim como o mundo, ele foi ficando cada vez mais complexo. Isso aconteceu devido aos diversos roteiristas que, cada um em seu período, acrescentaram mais e mais camadas ao “rico que bate em pobre”.

Com o tempo, vimos como o menino órfão cresceu sozinho, dominando o medo, tentando superar o trauma da morte dos pais; de que forma isso afetou seu desenvolvimento, sua vida social, sua mente, suas emoções. Acompanhamos quando ele deixou de ser um vigilante em busca de vingança e se tornou um herói que transforma o lado mais sombrio do ser humano em justiça.

E a cada vez que o Batman era — e é — confrontado por seus inimigos, há sempre algum deles que sabe sua identidade secreta e o define como algo parecido com um “rico que bate em pobre”. “Afinal, se ele é bilionário, a maioria de seus inimigos é pobre, não?”, diria algum vilão que tente definir Wayne e desmerecer o herói em poucas palavras.

Ou seja, essa ideia simplista já foi usada várias vezes pelos próprios roteiristas, como uma perspectiva que era colocada na mesa justamente para que essa visão subestimada do herói fosse quebrada pela narrativa e pelas ações do personagem.

Aqui acredito que seja a principal razão de a frase “Batman é um rico que bate em pobre” ter se popularizado tanto. Grant Morrison é um aclamado escritor britânico que conhece como poucos toda a mitologia do personagem. Ele já escreveu vários clássicos do Homem-Morcego, incluindo a graphic novel Asilo Arkham e a lisérgica fase R.I.P.; e muitas vezes usou o ícone da DC Comics como referência de estudo em seus livros teóricos sobre super-heróis.

Depois de passar por alguns anos como escritor do título mensal Batman e de outros títulos derivados do Homem-Morcego, Morrison deu uma entrevista me 2012 para a revista Playboy, em que ele projetava seus pensamentos mais profundos sobre as motivações e a mente dos super-heróis. Quem conhece o autor escocês, sabe que ele é muitas vezes polêmico e, em suas perspectivas, por mais que você discorde, há nexo na construção da ideia que constrói sobre seus conceitos.

O link da edição não existe mais, mas encontrei essa reprodução em outro site, que também cita a entrevista da Playboy. A citação de Morrison sobre Batman na matéria “The Super Psyche”, que é a que eu tinha lido na época, é esta, e não somente fala sobre essa questão de classe, mas também de gênero:

Como dá para notar, Morrison disse palavras polêmicas, mas foi justamente para provocar os leitores e fãs, resumindo o personagem ao fetiche que as pessoas têm pelo poder e pela liberdade que ele evoca por ser bilionário e, aparentemente, fazer o que quiser para tratar seus próprios problemas pessoais. Se não me engano, o escritor também faz algumas “brincadeiras” semelhantes em seu livro Superdeuses.

Nós, fãs, sabemos que não é bem isso, mas, o humor sarcástico com que o autor construiu essa ideia, justamente para entender outros fatores que possam atrair tanto os leitores por esse “super-herói humano”, não deixa de ser algo interessante e curioso — ainda mais vindo de um escritor do calibre de Morrison.

Em uma entrevista cedida para o CBR, o irlandês e falastrão Garth Ennis, criador de The Boys, falou sobre as motivações de Batman em uma minissérie adulta que produziu ao lado do artista Liam Sharp, chamada de Batman: Reptilian.

A publicação saiu pelo selo Black Label da DC Comics e gira em torno de um “código de honra próprio” que o Batman tem. E olha o que ele disse ao site de quadrinhos em maio do ano passado:

Claro que, vindo de outro autor popular que já produziu histórias sobre Batman para a DC, essa expressão ganhou ainda mais força, especialmente entre os haters.

Pois bem, eu conheço essa frase a partir de Morrison. E acredito que muita gente já deve ter lido outras pessoas reproduzindo essa parte dessa entrevista por aí ao longo dos anos. Como eu disse anteriormente, no começo, não se levar tão a sério e rir de si mesmo — neste caso, rir de um personagem tão querido —, é até divertido.

Mas quando isso se torna “arma” para haters apenas desmerecerem um personagem tão importante da cultura pop, aí perde a graça — principalmente quando essa frase vem de fontes ignorantes, que só querem ofender os fãs e nada têm a acrescentar à eterna discussão sobre a evolução da mitologia moderna.

Batman é maior detetive do mundo. Ele transforma vingança em justiça. É um herói que consegue transitar no lado mais sombrio do ser humano — e de outras criaturas — e voltar vivo para salvar o dia. É um mortal que consegue vencer deuses, seja fisicamente e psicologicamente. É a inspiração para muita gente acreditar que você só sabe exatamente como encontrar a luz quando conseguir enfrentar e compreender melhor suas trevas.

Batman não precisa de seus recursos para ser o herói que é. Em várias histórias da Liga da Justiça, ele, mesmo sendo “apenas um humano”, é primordial para as vitórias da equipe, porque sua inteligência e capacidade de dedução são tratados como “superpoderes” à altura dos mais potentes socos do Superman.

Batman tem a melhor galeria de vilões, porque cada inimigo dele tem um pouco do pior de nós. E o Homem-Morcego consegue pensar como assassinos crueis e visitar o lado sombrio, sem se contaminar o suficiente para se tornar um deles. Você não lê suas histórias para saber se ele vai vencer ou não; apenas para saber como ele vai conseguir: o Cavaleiro das Trevas está sempre cinco ou seis passos adiante.

Isso é apenas um pouco do que é o Batman. Portanto, dizer que é ele é apenas um “rico que bate em pobre” se tornou uma frase que envelheceu mal, perdeu a graça, e, convenhamos, já merece ser esquecida.

Fonte: Canaltech

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