Uma recente análise científica da composição do denário (moeda que fazia parte do sistema monetário do Império Romano) trouxe um novo entendimento sobre uma crise financeira brevemente mencionada pelo político e filósofo Marcus Tullius Cicero em seu famoso ensaio sobre a sociedade da época, documento conhecido como De Officiis.

Pesquisadores da Universidade de Warwick e da Universidade de Liverpool, duas das principais instituições de ensino e pesquisa do Reino Unido, analisaram moedas do período e revelaram uma degradação muito maior do que os historiadores pensavam, com moedas que haviam sido de prata pura até o ano de 90 AEC* compostas por até 10% de cobre cinco anos depois.

Moeda romana com a cabeça do deus Baco, que foi usada como amostra no projeto de pesquisa. Crédito: Universidade de Warwick

“Os romanos usavam uma moeda de prata extremamente fina e podem muito bem ter perdido a confiança no denário quando ele deixou de ser puro”, disse Matthew Ponting, arqueólogo com doutorado em arqueometalurgia pela Universidade de Londres e pesquisador da Universidade de Liverpool, um dos autores do estudo. “O nível preciso de degradação poderia ter sido menos importante para os contemporâneos do que a mera percepção de que a moeda era adulterada e não era mais feita puramente de prata”.

Para o coautor Kevin Butcher, a descoberta dessa diminuição significativa no valor do denário lançou uma nova luz sobre os indícios de Cícero de uma crise cambial em 86 AEC. “Historiadores há muito debatem o que o estadista e estudioso quis dizer quando escreveu ‘a moeda estava sendo espalhada ao redor, de modo que ninguém foi capaz de saber o que ela tinha’ (De Oficiis, 3:80) e acreditamos que agora resolvemos este quebra-cabeça”, disse Butcher, que também fez seu doutorado em arqueologia Universidade de Londres e hoje é pesquisador da Universidade de Warwick.

Por meio de seu projeto de pesquisa, os autores pretendem aumentar a compreensão a respeito das economias da Roma clássica e de outros estados do Mediterrâneo, analisando a composição de suas moedas e cruzando os resultados com o registro histórico.

A equipe de pesquisa também inclui Adrian Hillier, Ph.D. em supercondutividade não convencional pela Universidade de St Andrews, na Escócia, e cientista da Fonte de Nêutrons e Múon, laboratório de pesquisa que faz parte do Conselho de Instalações de Ciência e Tecnologia  (STFC, na sigla em inglês) do Reino Unido.

Estudo sobre a crise financeira romana é financiado pela União Europeia

“Nossa técnica de amostragem minimamente invasiva usada para colher amostras dessas moedas importantes revelou um declínio significativo no valor do denário — de moeda de prata pura, primeiro caiu para menos de 95% de prata e depois para 90%, com algumas moedas com composição tão baixas quanto 86%, sugerindo uma grave crise cambial”.

Butcher explica o contexto da crise. “Nos anos após 91 AEC, o estado romano corria o risco de falir. Os romanos estavam em guerra com seus próprios aliados na Itália, e ao final da guerra, em 89 AEC, houve uma crise de dívida. Três anos depois, parece ter havido uma crise de confiança na moeda também”.

Nas décadas que se seguiram, os romanos fizeram o máximo para evitar rebaixar o denário novamente, até que o Estado enfrentou novamente enormes despesas durante a guerra civil entre Pompeu e Júlio César. 

Esses achados fazem parte de um estudo maior financiado pela União Europeia, que visa examinar as estratégias financeiras e monetárias dos Estados mediterrâneos de 150 AEC a uma grande reforma da cunhagem 64 AEC, fornecendo um conjunto detalhado e confiável de análises da composição química de todas as principais moedas de prata desse período.

*Era Comum (EC) e Antes da Era Comum (AEC) são as nomenclaturas atualizadas para os termos Depois de Cristo (D.C.) e Antes de Cristo (A.C.)