Uma pequena equipe de astrônomos amadores liderados Marcel Drechsler da Alemanha e Xavier Strottner da França, foi capaz de dar uma importante contribuição ao estudo da evolução de sistemas estelares binários: em imagens antigas de pesquisas astronômicas, o grupo encontrou em 2019 o “Objeto Strottner-Drechsler 20”, uma nebulosa galáctica anteriormente desconhecida. A descoberta contou com a participação de Maicon Germiniani, um astrônomo amador brasileiro, que de sua casa no interior de Santa Catarina, registrou uma foto com 22 horas de exposição que confirmou a existência da nebulosa.
No da nebulosa, foi encontrado um par de estrelas cercadas por um envelope comum. Sua formação pode inclusive ter uma conexão com uma observação histórica de uma explosão estelar.
E nesta sexta-feira (08), a equipe divulgou uma nova e espetacular fotografia dessa região do céu. A imagem foi obtida a partir de insanas 360 horas de exposição e revela detalhes incríveis e nunca antes vistos da nebulosa descoberta com a ajuda do brasileiro.
Modelo de uma nova classe de nebulas galáticas
Pela primeira vez, amadores e cientistas conseguiram fornecer evidências de um envelope nebular totalmente desenvolvido do chamado “sistema de envelope comum”, que é uma fase de um sistema estelar binário em que a atmosfera de uma das estrelas envolve completamente sua estrela companheira.
A estrela dupla YY Hya é o foco desta descoberta. YY Hya é uma estrela periodicamente variável que consiste em uma estrela anã laranja (K) e uma anã branca quente (WD). As estrelas estão em um envelope de gás comum emitido pela estrela que acabou se tornando uma anã branca. Antes disso, passou por uma fase de gigante vermelha na qual dispersou suas camadas externas de gás no espaço. Dentro desse envelope compartilhado, ambas as estrelas continuam a evoluir como se estivessem sozinhas, com a radiação estelar estimulando o gás espalhado a brilhar.
Já há muito tempo conhecemos muitos sistemas estelares que devem ser remanescentes de tais evoluções devido a várias propriedades químicas e físicas. Também sistemas estelares, que apenas desenvolvem um envelope comum, já foram descobertos por seu brilho especial. No entanto, o envelope totalmente desenvolvido de um sistema de envelope comum e sua ejeção no espaço interestelar foram observados desta forma pela primeira vez.
O estudo que apresenta esta descoberta é intitulado “YY Hya e seu ambiente interestelar” e foi publicado na revista Astrophysics and Astronomy.
Perto do fim de suas vidas, as estrelas normais se inflaram em estrelas gigantes vermelhas. Como uma fração muito grande de estrelas está em estrelas binárias, isso afeta a evolução no final de suas vidas. Em sistemas binários próximos, a parte externa inflada de uma estrela se funde em um envelope comum ao redor de ambas as estrelas. Dentro desse envelope de gás, no entanto, os núcleos das duas estrelas em YY Hya praticamente não sofrem perturbações e seguem sua evolução como estrelas individuais independentes.
Descoberta graças a astrônomos amadores
É aqui que entram em jogo a astronomia amadora e a equipe de Strottner e Drechsler. Eles procuraram meticulosamente por objetos desconhecidos nos arquivos agora digitalizados de imagens históricas do céu e finalmente encontraram um fragmento da nebulosa em placas fotográficas da década de 1980 que não haviam sido listadas em nenhum catálogo até agora.
No meio dessa estrutura, que anteriormente imaginavam ser uma nebulosa planetária desconhecida, estava a pequena estrela variável YY Hya, que parecia absolutamente nada espetacular à luz pesquisável. Na luz ultravioleta, no entanto, a estrela brilhou mais do que qualquer outra estrela na região, dando-nos pistas valiosas. Uma estrela branca amarelada que parece tão brilhante no espectro ultravioleta é quase sempre acompanhada por uma estrela muito quente. Levando em conta a variabilidade de YY Hya, ficou claro que as duas estrelas orbitavam muito próximas entre si, e em apenas algumas horas.
Depois de estudar a vizinhança imediata de YY Hya no espectro ultravioleta, nossa equipe também conseguiu identificar as duas explosões, que eram axialmente simétricas ao nordeste e sudoeste de YY Hya, bem fora da nebulosa central.
Para um estudo mais aprofundado da descoberta, os astrônomos contataram o astrofotógrafo brasileiro Maicon Germiniani que teria maior facilidade em registrar o objeto mais acessível no Hemisfério Sul do planeta.
Do Serra Alta, no interior de Santa Catarina, Maicon registrou 22 horas de imagens H-alfa (um filtro específico que destaca as estrelas e as nebulosas de emissão) que mostravam toda a extensão da estrutura.
Com a descoberta confirmada pelo brasileiro e os dados coletados, a equipe entrou em contato com especialistas científicos, incluindo Stefan Kimeswenger, do Instituto de Astrofísica e Física de Partículas da Universidade de Innsbruck, que é muito experiente neste campo.
Ao coletar e combinar observações dos últimos 20 anos de arquivos públicos de vários telescópios e com dados de quatro satélites espaciais diferentes, os pesquisadores conseguiram descartar a primeira suposição, ou seja, a descoberta de uma nebulosa planetária causada pelos restos de estrelas moribundas . A enorme extensão da nebulosa finalmente se tornou aparente com a ajuda das imagens feitas em um observatório no Chile. Cientistas nos Estados Unidos, por fim, completaram essas observações por meio de espectrógrafos.
O diâmetro da nuvem principal é de 15,6 anos-luz, quase 1 milhão de vezes maior que a distância da Terra ao Sol e muito maior que a distância do nosso Sol à estrela vizinha mais próxima. Também foram encontrados fragmentos com até 40 anos-luz de distância. Como o objeto está ligeiramente acima da Via Láctea, a nebulosa foi capaz de se desenvolver em grande parte sem ser perturbada por outras nuvens no gás circundante.
A colaboração internacional resolve o mistério
A equipe internacional usou todos esses dados para criar um modelo mostrando um par binário de estrelas próximas. Eles descobriram que a anã branca tem uma temperatura de cerca de 66.000 graus Celsius (120.000 F) – que é muito quente para uma anã branca – e a anã laranja tem uma temperatura de cerca de 4.400 graus Celsius (8.000 F). A anã laranja tem uma massa aproximadamente igual à do Sol. As estrelas orbitam entre si rapidamente em cerca de 8 horas e estão separadas por apenas 1,5 milhões de quilômetros (cerca de 2 raios solares).
Por estarem tão próximas, a anã branca aquece o lado da anã laranja voltado para ela. O aquecimento provoca fenômenos extremos no espectro da estrela e variações muito regulares de brilho.
A concha de gás inteira em si é gigantesca, com cerca de uma massa solar. Isso a torna mais massiva do que a anã branca e a anã laranja da sequência principal. De acordo com o estudo, o envelope comum compacto em torno das duas estrelas pode ter sido ejetado pela anã branca há cerca de 500.000 anos. E isso leva a outra possibilidade interessante…
Explosão de estrelas há quase 1000 anos
A equipe astronômica especula que essa estrela dupla pode ser responsável pela nova ou “estrela convidada” que os astrônomos chineses e coreanos observaram já em 1065. De qualquer forma, as posições das observações históricas combinam muito bem com as do nosso objeto aqui descrito.
Uma imagem de superlativos
Como tarefa final, Marcel Drechsler e Xavier Strottner enfrentaram o grande desafio de criar uma nova e espetacular fotografia desta enorme nebulosa. Para realizar este projeto muito caro, demorado e trabalhoso, os amadores contaram com várias doadores e a equipe Chilescope (o observatório no Chile) apoiaram generosamente o trabalho.
Com esse dinheiro e fundos privados adicionais, os astrônomos alugaram 3 grandes telescópios no deserto chileno por um ano e os apontamos para a constelação de Hydra todas as noites claras.
Em mais de 100 noites, a equipe coletou mais de 360 horas de exposição daquela área do céu. O resultado mostra uma explosão estelar vermelho-sangue em meio a dezenas de milhares de estrelas, que a equipe batizou de “O Coração da Hidra”. A foto e a descoberta já causaram bastante agitação internacionalmente, e não apenas entre os cientistas. O resultado é um enorme mosaico de alta resolução de 9 painéis e 5 canais (vermelho, verde, azul, H-alfa e OIII).
A propósito, a explosão de gás hidrogênio brilhante vermelho ainda está se expandindo a uma velocidade rápida de várias centenas de quilômetros por segundo. Se for feita outra foto da mesma região, daqui há 50 anos, a nebulosa já terá crescido significativamente.
O tempo total de trabalho da equipe na pesquisa chega a vários milhares de horas, o que, segundo eles, é um pequeno preço a se pagar por uma descoberta tão grandiosa como essa.
Fonte: Olhar Digital
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