Com a pandemia, muitas medidas de isolamento foram adotadas para conter o avanço da Covid-19. Um dos impactos que isso gerou na sociedade foi uma dependência ainda mais expressiva da tecnologia no dia a dia.
Em especial, quem experimentou muitas horas de exposição às telas nos últimos dois anos – seja no celular, tablet ou computador – foram as crianças, que também tiveram de se adaptar ao formato de ensino à distância. Talvez o grande desafio dos pais e responsáveis seja justamente encontrar uma forma de equilibrar esse cenário.
Enquanto alguns preferem definir um período do dia para permitir o acesso ao celular, outros preferem pular etapas, oferecendo cada vez mais cedo um aparelho próprio aos pequenos, o que, segundo especialistas, pode prejudicar especialmente o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia e relacionamento social, por exemplo.
O fato é: sem supervisão adequada, muitas crianças acabam passando horas conectadas. Em entrevista ao Olhar Digital, a doutora Ana Bárbara Jannuzzi Lagoeiro, mãe e médica que trabalha com outras mães no auxílio do sono e rotina de bebês, respondeu algumas questões sobre o tema.
Existe uma idade adequada para dar o primeiro celular a uma criança? Há algum modelo que veja como ideal?
“Atualmente, o uso de eletrônicos e tecnologia em geral está de fato muito mais precoce do que as crianças precisam. A orientação é que elas tenham zero acesso à tecnologia ao menos nos primeiros dois anos de vida, ou seja, zero uso de telas. Com exceção de casos eventuais, como videochamadas com familiares, por exemplo.”
Já entre os dois e cinco anos de vida, a exposição recomendada é de no máximo uma hora por dia. “O que não significa que isso seja necessário para o desenvolvimento infantil. O ideal mesmo é não usar telas”, explica Jannuzzi.
A falta de maturidade da criança também é apontada como um fator para não ter o seu próprio celular tão cedo.
“Nessa idade, além de não terem necessidade disso para o desenvolvimento cerebral, cognitivo, emocional e motor, as crianças precisam de outras coisas. O tempo de telas está tirando delas o tempo de correr, brincar, exercer a sua criatividade, ficar em ambientes abertos e se relacionar com o mundo físico. Portanto, não existe uma idade ideal, a ideia é postergar ao máximo e dar um celular para a criança apenas quando for necessário.”
Em que momento surge essa necessidade?
O principal exemplo é quando for preciso se comunicar com a família na escola, por exemplo, se não tiver outros meios para isso.
“Muitas crianças costumam ganhar o seu primeiro celular aos seis anos para entrar em contato com a família”, comentou a especialista.
“Entrando na segunda pergunta, é muito difícil encontrar modelos de celulares que não tenham acesso à internet atualmente, o que seria ideal. Mesmo os mais simples, já trazem muita informação, como jogos, etc. O ideal seria um aparelho capaz apenas de telefonar. Na prática, no ‘mundo real’, fica difícil definir o modelo recomendado.”
Qual a sua visão sobre expor as crianças cada vez mais cedo a internet?
“Ao acessar a internet sem supervisão, a criança terá a sua disposição milhões de possibilidades. Quando levo o meu filho ao parque e vejo quem são as pessoas que estão interagindo com ele, como é a conversa, consigo controlar de certa forma o ambiente, dentro de casa também há esse controle. Já no meio digital, isso não existe”, exemplifica Jannuzzi.
“Ainda que muitos usem estratégias como aplicativos que permitem acessar apenas alguns sites, há muitas informações em páginas aparentemente inofensivas que podem distorcer a percepção da criança.” Um exemplo do dia a dia citado pela doutora foram crianças que conseguem acessar conteúdo violento por notícias que são divulgadas diariamente na web.
E as redes sociais, onde entram?
“As redes sociais são um mundo à parte. Temos vários relatos de crianças com depressão, ansiedade e casos de suicídio por conta dos efeitos psicológicos de estar em uma rede de julgamentos. Algo que já é duro em ambientes pequenos como a sala de aula com práticas de bullying. Imagina estar exposto a pessoas que você nem conhece? As crianças não estão habituadas a nada disso.”
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O que fazer, então?
“Elas (as crianças) estão expostas cada vez mais cedo a uma produção de dopamina que depende do celular e da exposição a certos conteúdos. Daí, o círculo de um vício acaba se formando. Quantas crianças a gente não vê que não brincam mais em festas, por exemplo. A felicidade delas começa a ser muito mais relacionada à tela do que de fato a vida real. Se nós, que somos de outra geração, já criamos padrões de dependência de eletrônicos, imagina quem começou aos cinco ou dois anos agora”, conclui Jannuzzi. Vale destacar que a Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, já define o vício no celular como uma patologia clínica.
No fim, a questão é de que forma toda essa transição será feita e como será controlada desde a infância. Se a família souber gerir esse processo, talvez na adolescência a criança saiba tirar proveito da tecnologia de uma forma saudável, acrescenta a especialista.
Outras dicas que valem ser mencionadas: quando a criança já estiver usando apps e jogos, é fundamental que os pais monitorem os filhos. É importante ainda não se esquecer de promover outras atividades que também sejam interessantes e tirem a criança do foco na tela do celular.
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Fonte: Olhar Digital
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