Mais uma prova de que o aquecimento global atual, causado pelo ser humano, é bem mais nocivo à natureza que as variações climáticas naturais: um estudo do Museu Natural da Flórida, em parceria com diversas entidades de conservação da Europa, descobriu que comunidades inteiras de moluscos e outros indivíduos de ecossistemas adriáticos passaram com relativa tranquilidade por mudanças naturais, mas estão morrendo aos montes nas mãos da variação climática induzida pelo homem.

Os cientistas analisaram cerca de 70 mil fósseis de moluscos que correspondem a dois grandes períodos de variação de temperatura da Terra: a última Era do Gelo (entre 100 mil e 25 mil anos atrás) e o momento climático atual. Os resultados: as atividades humanas da região adriática afetam muito mais os ecossistemas do que mudanças de salinidade, temperatura e nível do mar quando estes ocorrem naturalmente.

Mudanças climáticas ocorridas em eras do gelo, de forma natural, não afetaram tanto espécies marinhas assim como fez o aquecimento global causado pelo ser humano
Mudanças climáticas ocorridas em eras do gelo, de forma natural, não afetaram tanto espécies marinhas assim como fez o aquecimento global causado pelo ser humano (Imagem: Netta Arobas/Shutterstock)

“É sombrio considerarmos o fato de que 120 mil anos de grandes alterações climáticas não afetaram esses ecossistemas tanto quanto o aquecimento global induzido pelo ser humano nos últimos séculos”, disse o autor primário do grupo, Michał Kowalewski, que também dirige a área de Paleontologia de Invertebrados no museu norte-americano.

Rafal Nawrot, estudante de pós-doutorado na Universidade de Viena, na Áustria, explica que os ecossistemas adriáticos possuem uma série de fatores condicionados por humanos que levaram a alterações bem grandes deles, como alterações de terreno que geraram maior taxa de sedimentação. “Coisas assim vêm ocorrendo desde o Império Romano: o aumento da agricultura nos levou a taxas maiores de erosão”.

O especialista diz que, embora alterações humanas em ambientes do tipo já venham ocorrendo há tempos, são as conveniências mais modernas as responsáveis por um avanço mais e mais problemático do detrimento de terrenos.

“O influxo de fertilizantes em rios e estuários criaram reações descontroladas de esgotamento de oxigênio em ambiente de água salgada e doce. A poluição de cidades cria uma mistura tóxica para a vida marinha, e embarcações cargueiras são preenchidas por espécies invasivas que se mostram disruptivas a ecossistemas nativos. Talvez o mais problemático para os moluscos adriáticos, no entanto, sejam as empresas de pesca que arrastam redes pelo chão do mar, removendo espécies fundas de peixes e outros organismos”, ele comenta.

O que faltava para os estudiosos, até então, eram dados que mostravam as perturbações naturais recentes para comparar com informações coletadas sobre os danos causados pela mão humana e as variações climáticas de períodos mais distantes no tempo.

“Ao olharmos para os registros de fósseis, pudemos reconstruir uma taxa de variação natural. Se a comunidade adriática atual cair para fora dessa média, então provavelmente isso se deu por nossa culpa”, disse Daniele Scarponi, co-autora e professora associada da Universidade de Bolonha.

Em termos de metodologia, o time recuperou informações referentes às alterações climáticas naturais trazidas pelas Eras de Gelo que a Terra viveu. Durante essas épocas, o nível do mar subiu e desceu em um ciclo de água presa dentro das e liberada pelas imensas geleiras.

Na última era do gelo, o mar acabou se retraindo cerca de 120 metros (m), efetivamente “matando” o mar adriático do norte, expondo uma linha de terra tão firme que, na prática, seria possível caminhar da Itália à Croácia, segundo Scarponi. Os moluscos mais atrelados à região norte, porém, foram pouco afetados por isso.

Em um mundo “artificialmente” aquecido, porém, traz uma série de problemas que a mudança natural vinda da era do gelo não tem. Alterações de salinidade, oxigênio e outros componentes essenciais que, dados em falta, podem trazer um fim abrupto à maior parte da vida marinha.

Mais do que exibir os problemas – e a culpa – do aquecimento global, o estudo mostra que o ser humano deverá pensar não apenas em soluções de escala mundial para o problema, mas também conceitos locais e regionais.

O material completo está disponível no jornal científico Global Change Biology.

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