Dois novos estudos bioarqueológicos afirmam que, ao contrário do que se imaginava, os antigos reis da Inglaterra eram, na maioria, vegetarianos, apostando em dietas mais voltadas ao consumo vegetal, como frutas e legumes. Ainda assim, camponeses lhes prestavam homenagens com imensos churrascos de tempos em tempos.
Mas então, o que mudou isso?
Vikings. Os povos nórdicos que nós nos acostumamos a chamar de vikings é quem mudaram essa rotina, mas em um grau bem menor do que se possa imaginar.
Segundo os dois estudos, a chegada de povos vindos do que hoje corresponde a países como Dinamarca e Noruega, entre outros, não alterou tanto os hábitos alimentares britânicos: reis da Inglaterra adotaram mais carne em sua dieta, é verdade, mas não se alimentavam mais ou menos dela do que seus próprios súditos.
Quando pensamos nos tempos medievais, um dos aspectos da cultura pop que imediatamente nos vêm à mente são os luxuosos banquetes oferecidos por monarcas e nobres. Ao mesmo tempo, registros históricos mencionam o Feorm, um regime de distribuição de bens onde súditos davam parte de suas comidas aos reis como gesto de servitude.
Embora isso fosse real, no entanto, dois estudos da Universidade de Cambridge e Edimburgo – já revisados por pares e publicados no jornal científico Anglo-Saxon England – sugerem que não havia uma vida de “fome proposital”, e a distribuição de alimentos era mais ou menos igualitária. Em outras palavras, a expressão “comer como um rei” era bem literal – camponeses e reis não tinham tanta discrepância alimentar quanto as séries de TV nos fazem crer.
O primeiro estudo foi conduzido pela Dra. Sam Leggett, Ph.D na Universidade de Edimburgo. Ela e sua equipe analisaram assinaturas químicas de 2023 ossos preservados de pessoas enterradas na Inglaterra entre os séculos V e XI. De posse desses dados, ela os cruzou com evidências de status sociais, como artefatos enterrados com pessoas, o local de seus enterros e até mesmo a posição de seus corpos.
A conclusão foi a de que não havia, na época, qualquer correlação entre status social elevado e alto consumo de proteínas.
Esse estudo acabou intrigando outro pesquisador – Tom Lambert, de Cambridge – que sempre teve a impressão de que reis e nobres tinham os luxuosos banquetes, enquanto camponeses viviam com comida racionada. Ele abordou Leggett e os dois começaram a pesquisar evidências alimentares antigas – começando por decifrar uma lista de ingredientes da época do Rei Ine da Saxônia Ocidental (Wessex).
Pelos itens da lista, foram distribuídos em um banquete cerca de 1,24 milhão de quilocalorias (kcal), separados em itens como 300 pães. Presumindo que cada pão servisse uma pessoa, os convidados dos reis da Inglaterra também tiveram 500 gramas (g) de carneiro, 500 g de carne bovina, mais 500 g de salmão, enguia e outros frutos do mar, além de grandes quantidades de queijo, mel e cerveja. Ao todo, um banquete desses serviria 4140 kcal por pessoa.
Em outras 10 listas de ingredientes e suprimentos antigas, espalhadas em várias épocas e diversos círculos sociais, números bem próximos disso foram encontrados, sugerindo que a diferença na oferta de comida não era assim tão grande. Claro, isso não diz muito sobre a qualidade da comida – era comum, por exemplo, camponeses matarem “seu melhor boi” em homenagem ao rei ou a algum nobre visitante, mas isso já não é contabilizável pelo estudo.
“A escala e proporções dessas listas sugerem que se tratavam de provisões para grandes banquetes, e não suprimentos gerais do dia a dia que residências reais consumiam diariamente”, disse Lambert. “Essas não eram diretrizes para as dietas diárias da elite, ao contrário do que historiadores presumem. Eu já estive em diversos ‘churrascos’ onde amigos cozinharam quantidades absurdas de carne então não deveríamos ficar surpresos. Os visitantes provavelmente comiam as melhores porções e deixavam sobras para cozinharem novamente depois”.
“Eu não encontrei nenhuma evidência de pessoas comendo tanta proteína animal assim de forma regular”, disse Leggett. “Se fosse esse o caso, encontraríamos provas isotópicas de proteína em excesso e sinais de doenças como a ‘gota’ ao analisarmos os ossos. Mas não foi isso que aconteceu. As evidências isotópicas sugerem que as dietas desse período eram muito mais aproximadas em vários grupos sociais do que nós pensávamos. Nós devemos reimaginar uma grande variedade de pessoas aprimorando o pão com pequenas quantidades de comida e queijo, ou comendo sopas de legumes e grãos com um pouquinho de carne dentro dela”.
A questão da distribuição também é vista em quem participava de banquetes. Lambert diz que uma lista que alimente 300 pessoas, por mais “nobre” que seja, teria que contar com a presença de uma boa parcela de pessoas camponesas – “isso significa que muitos fazendeiros locais deveriam estar presentes, e isso traz enormes revisões das implicações políticas”.
A questão de oferecer comida como uma espécie de tributo também deve ser revista. Os especialistas estudaram a etimologia da palavra “feorm” e sua aplicação em diferentes documentos, concluindo que essa atribuição à comida servia a um banquete específico. Não “um tipo de” banquete. “Um banquete”.
Em outras palavras, ninguém era “obrigado” a ceder parte de sua produção gastronômica aos reis da Inglaterra, ao contrário do que alguns historiadores sugerem. Isso ocorria? Sim: banquetes e festas dadas em homenagem aos reis eram comuns. Mas as ofertas eram levadas por quem quisesse, não “tivesse”. Na prática, é como nós ocasionalmente oferecemos pagar a conta de um restaurante ou happy hour para um amigo por qualquer motivo feliz.
Os estudos continuam, contudo. Leggett e Lambert já enviaram requisições de acesso aos restos mortais de reis como Egberto e Canuto II, a fim de expandir as conclusões tiradas de análises feitas nos restos de Redualdo e outros monarcas.
Enquanto isso, os estudos de Leggett e Lambert já foram publicados e estão disponíveis na plataforma online do Anglo-Saxon England.
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Fonte: Olhar Digital
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