Autoridades locais consideram essa uma tentativa russa de apagar a identidade nacional e demonstrar seu controle sobre a cidade de Kherson; já o corte de sinal visa limitar informações reais da guerra
As forças russas que controlam a cidade de Kherson, no sul da Ucrânia, começaram a impor neste domingo, 1, a transição da moeda ucraniana para o rublo russo, um movimento que autoridades locais descreveram como uma tentativa de ofuscar a identidade nacional do povo que vive nessa região e, assim, incorporá-la à esfera de influência da Rússia. Ao mesmo tempo, os ucranianos relataram que quase todos os serviços de celular e internet na área estavam inoperantes. O Ministério do Interior ucraniano acusou as forças russas de cortar o serviço, dizendo que era uma tentativa de impedir que os ucranianos de acessarem informações verdadeiras sobre a guerra. Segundo uma atualização de inteligência divulgada pelo Ministério da Defesa do Reino Unido, a Rússia estava tentando legitimar “seu controle da cidade e áreas vizinhas por meio da instalação de uma administração pró-russa”.
Tomados em conjunto, os movimentos “provavelmente são indicativos da intenção russa de exercer forte influência política e econômica em Kherson a longo prazo”, disse o Ministério da Defesa britânico. Acrescentando que o controle duradouro sobre o território forneceria segurança para o controle da Rússia sobre a Crimeia e permitiria que suas forças sustentassem avanços no norte e no oeste. Falando à televisão estatal russa, Kirill Stremousov, um político pró-Moscou instalado após a queda da cidade, disse que haverá uma transição de quatro a cinco meses da moeda ucraniana, a hryvnia, que está em uso desde 1996. Esperava-se que a moeda da Ucrânia circulasse ao lado do rublo durante esses meses. Stremousov disse que a medida era necessária porque “o fundo de pensão e o tesouro deixaram o território da região de Kherson” durante o conflito. “Planejamos introduzir a zona do rublo [para fornecer] assistência, em primeiro lugar, aos aposentados, segmentos socialmente desprotegidos da população e, claro, funcionários do Estado”, disse Stremousov em entrevista ao canal de TV Rossiya 24.
Enquanto isso, o governo ucraniano disse que as conexões de internet e as redes de telefonia móvel caíram na região de Kherson e em parte da região de Zaporizhzhia. O Serviço Estatal de Comunicações Especiais e Proteção de Informações da Ucrânia disse em comunicado que foi um ato deliberado, com o objetivo de “deixar os ucranianos sem acesso às informações verdadeiras sobre os desdobramentos da guerra travada pela Rússia contra a Ucrânia”. O NetBlocks, um grupo da sociedade civil que monitora o acesso à internet em todo o mundo, confirmou no sábado no Twitter que “o sul da Ucrânia ocupado está agora no meio de um apagão quase total da internet”. Stremousov disse na semana passada à agência de notícias russa RIA Novosti que “a questão da região de Kherson retornar à Ucrânia” era “impossível”. Autoridades locais estimam que quase metade da população da região fugiu, e relatos de testemunhas que partiram pintam uma imagem de um ambiente cada vez mais repressivo.
Antonio Guterres pediu que a Rússia coopere com investigação de possíveis crimes de guerra. A letra “Z” – o símbolo da força de invasão – pode ser vista em fotografias e vídeos rabiscados em prédios e a bandeira russa tremula sobre prédios do governo. Do lado de fora de um, de acordo com os meios de comunicação locais, uma estátua de Lenin foi recentemente colocada de volta. Os programas de televisão russos dominam as ondas de rádio, embora uma recente explosão em uma torre de televisão tenha interrompido brevemente as transmissões.
O prefeito de Kherson, Ihor Kolikhaiev – que foi expulso pelas autoridades russas – disse em uma entrevista publicada na quinta-feira, 28, no jornal ucraniano NV que não viu “nenhum sinal” de que a Rússia realizaria um referendo para declarar uma “República Popular de Kherson” separada, como Moscou fez nas regiões de Luhansk e Donetsk anteriormente. “O que vejo: não haverá um referendo”, disse Kolikhaiev. Em vez disso, disse ele, a Rússia “provavelmente” ligaria a região de Kherson à Crimeia, que a Rússia anexou em 2014. “Não há sentido [para a Rússia] em criar outra ‘quase-república’”, disse. Kolikhaiev não pôde ser contatado por telefone ou e-mail neste domingo. Ele disse à BBC no sábado, 30, que não acreditava que a introdução da moeda russa funcionaria porque o único sistema bancário na região era ucraniano, não russo.
A ocupação russa encontrou resistência, como protestos de rua furiosos e mais esforços militares clandestinos apenas sugeridos nas atualizações diárias dos comandantes ucranianos. Mas está cada vez mais difícil verificar informações vindas da região. Em 19 de abril, a Diretoria Principal de Inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia acusou os russos de prepararem referendos falsos para “legalizar” as administrações de ocupação nas áreas temporariamente ocupadas, incluindo Kherson. Mas as autoridades ucranianas acreditam que esses planos foram descartados após protestos generalizados, já que os russos planejam encontrar uma maneira de “absorver” a região na Crimeia.
Kherson foi a primeira grande cidade a cair para a Rússia, e foi amplamente poupada do tipo de destruição desencadeada pelas forças russas em muitas cidades e vilarejos. A província de Kherson, na foz do rio Dnieper, na fronteira com a Crimeia, é o eixo da ofensiva russa no sul. Os russos têm tentado fortalecer sua posição na região, mesmo quando as forças ucranianas têm feito contra-ataques repetidos. O alto comando militar ucraniano alertou no domingo que as forças russas estão “lutando para alcançar as fronteiras administrativas” de Kherson, a fim de “criar condições favoráveis” para atacar as cidades de Mikolayiv, a noroeste, e Krivi Rih, a nordeste.
*Com informações do Estadão Conteúdo.
Fonte: Jovem Pan News
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