Dados oficiais divulgados em abril apontam que o desmatamento na Amazônia brasileira bateu novo recorde nos três primeiros meses de 2022 em relação ao ano passado. Segundo o Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas), o governo federal respondeu a menos de 3% dos alertas desde 2019. Esse cenário vem gerando consequências críticas para a fauna e flora local.
Pesquisador do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, nos EUA, o brasileiro Murilo Pastana e sua equipe descobriram e descreveram duas novas espécies de peixes amazônicos — uma com barbatanas vermelhas-laranjas e outra tão pequena que é tecnicamente considerada uma espécie de peixe em miniatura — em um artigo publicado na segunda-feira (16), no Zoological Journal of the Linnean Society.
Ambas as espécies habitam águas localizadas na borda sangrenta da invasão humana na floresta amazônica, a cerca de 30 km ao norte do município amazonense de Apuí. Segundo Pastana e seus colegas, Willian Ohara, da Universidade Federal de Rondônia, e Priscila Camelier, da Universidade Federal da Bahia, o desmatamento contínuo na região coloca esses peixes em perigo iminente de extinção.
“Foi emocionante encontrar novas espécies”, disse Pastana. “Mas, em campo, vimos a floresta pegando fogo, caminhões madeireiros carregando árvores enormes e manchas desmatadas transformadas em pastagens de gado. Isso nos fez sentir muita urgência em documentar essas espécies e publicar este artigo o mais rápido possível”.
Pastana se diz um apaixonado pela preservação do patrimônio biológico do país, e sua esperança é que nomear e descrever essas espécies possam motivar o governo federal a proteger e conservar esses peixes recém-descobertos e ameaçados de extinção.
Aquarismo representa forte ameaça às duas novas espécies de peixes
De acordo com o site Phys, o pequeno subgrupo ao qual essas espécies até então desconhecidas de peixes pertencem também é altamente desejável no mercado de aquarismo.
Segundo Pastana, o comércio exótico de peixes de aquário pode representar mais uma ameaça para essas duas novas espécies, mesmo quando os cientistas ainda estão na fase de identificá-los formalmente e aprender sobre sua existência.
As expedições que descobriram essas novas espécies de água doce ocorreram entre 2015 e 2016, tendo por objetivo buscar os tesouros biológicos ainda desconhecidos das muitas vias navegáveis da Bacia do Rio Madeira, a bacia hidrográfica mais rica do mundo em termos de biodiversidade de peixes, segundo estimativa de 2019.
“Fomos a locais de amostragem que nunca foram visitados por cientistas”, disse Pastana. “Essa área é realmente importante porque esta é uma das fronteiras onde o desmatamento está se movendo para o norte — a fronteira entre novas cidades e floresta nativa”.
A região de Apuí, onde esses levantamentos científicos ocorreram, ocupa a segunda posição em uma lista recente de municípios brasileiros com as maiores taxas de desmatamento.
Ironicamente, as mesmas estradas que favorecem a perda acelerada de habitat da região também facilitaram o acesso a córregos, lagoas e afluentes antes inalcançáveis para Pastana e sua equipe.
Extinção provocada pelo desmatamento acabaria com milhões de anos de evolução das espécies
Durante os dois anos de expedição, os pesquisadores acamparam ao longo da estrada AM-174 e coletaram peixes usando redes, armadilhas e outros métodos. Todos os espécimes foram fotografados, catalogados e preservados para posterior estudo no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).
Um desses espécimes tem barbatanas vermelhas-laranja vivas e um ponto escuro próximo à cauda. O peixe, que agora foi chamado de Poecilocharax callipterus, habita as margens da chamada corrente de água negra, no rio Juma, afluente do Amazonas.
Os machos da espécie têm coloração ainda mais intensa e barbatanas dorsais que podem exceder metade do comprimento do corpo, o que dá uma média de pouco mais de 2,5cm.
Batizada de Poecilocharax rizophilus, a segunda nova espécie documentada nessas expedições de campo foi descoberta entre emaranhados de raízes de árvores salientes das margens de riachos enlameados — distintos dos fluxos de água negra relativamente translúcidos.
Os peixes dessa espécie são amarelo âmbar, sendo que os machos têm listras escuras em suas barbatanas dorsais e anais. Talvez a qualidade mais distinta desta espécie seja que ela é tão pequena que os cientistas a consideram uma miniatura, designação dada a qualquer peixe que tenha menos de uma 2cm de comprimento quando adulto, segundo Pastana. Ele acrescentou que o estudo de laboratório revelou que nestes peixes, partes do esqueleto que são tipicamente ósseas são feitas de cartilagem.
Investigações genéticas confirmaram a relação evolutiva dessas duas novas espécies intimamente relacionadas e seus parentes, elevando o número total de espécies em sua pequena família (Crenuchinae) para cinco. Esta é a primeira adição de novas espécies ao grupo em 57 anos.
“Esses peixes são como obras de arte, e perder qualquer uma dessas espécies seria como perder obras-primas inestimáveis”, disse Pastana. Cada uma delas está cheia de detalhes insubstituíveis que podem ter alguma semelhança com outras criaturas na Terra, mas em conjunto são totalmente únicos.
Caso entrem em extinção, isso faria com que todos esses detalhes, formados ao longo de milhões de anos de evolução, fossem destruídos. “Você perderia tudo sobre essas espécies”, disse o pesquisador.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Fonte: Olhar Digital
Comentários