Considerada uma das piores catástrofes da história mundial, a erupção do Monte Vesúvio, que aconteceu no ano de 79, na Itália, foi responsável pela morte de mais de 2 mil pessoas ao destruir a antiga cidade de Pompeia, no sul do país, hoje um parque arqueológico.
Há muitos anos, pesquisadores do mundo todo procuram recuperar objetos da época, numa tentativa de reconstruir o patrimônio material local. No entanto, pela primeira vez desde o grande desastre, é possível conhecer, também, um pouco do patrimônio humano, por meio da herança genética de uma das vítimas.
E essa incrível revelação faz parte de um estudo inédito conduzido por pesquisadores de instituições italianas, que conta com a participação do geneticista brasileiro Thomaz Pinotti, doutorando cotutela pelo Centro de Geogenética da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e pelo Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular (LBEM), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Altas temperaturas aceleram degradação do DNA
A equipe foi capaz de sequenciar o genoma de um homem que morreu na meia-idade, revelando seu perfil genético e, até mesmo, que ele tinha sido acometido pela tuberculose durante a vida. Ele estava entre as pessoas que foram mortas pelo calor intenso das ondas piroclásticas que o vulcão expeliu devastando seus arredores, ou sufocadas pelo gás, cinzas e rochas que choveram do céu.
A princípio, acreditava-se que essas formas de morte deixariam as informações genéticas das vítimas inviáveis para análise, uma vez que tais altas temperaturas efetivamente destroem a matriz óssea em que o DNA reside.
“A gente brinca que o DNA é como um sorvete, dura mais tempo quando está frio. Isso porque o DNA tem que sobreviver por muito tempo, e esse processo de degradação química que ele sofre com o tempo é acelerado em temperatura alta. Por isso que é tão difícil extrair DNA antigo de amostras de climas tropicais, por exemplo”, explicou Pinotti, em entrevista ao Olhar Digital. “Como esse indivíduo foi envolto por cinzas do vulcão a 300ºC, estávamos imaginando que ele não teria uma preservação de DNA muito boa”.
Segundo os cientistas, as cinzas que cobriram as vítimas e preservaram seu destino por quase dois milênios podem ter agido como um escudo contra fatores ambientais que induzem mais degradação.
Tentativas anteriores de analisar o material genético dos antigos pompeianos usaram técnicas de reação em cadeia de polimerase, devolvendo pequenos segmentos de DNA de vítimas humanas e animais, e sugerindo que pelo menos algumas informações genômicas sobreviveram à devastação do vulcão e do tempo.
No entanto, os recentes avanços no sequenciamento do genoma aumentaram significativamente a quantidade de informações que podem ser recuperadas de fragmentos de DNA que teriam sido muito danificados.
Gabriele Scorrano, arqueólogo da Universidade de Roma que agora também trabalha na Universidade de Copenhague, liderou a equipe de pesquisadores que aplicaram essas técnicas nos restos mortais de duas vítimas humanas do Vesúvio. Os resultados desse estudo foram publicados nesta quinta-feira (26) na revista Scientific Reports.
Os corpos das duas vítimas analisadas foram encontrados em um quarto de um prédio agora conhecido como Casa do Artesão. O primeiro indivíduo era um homem, com idade entre 35 e 40 anos na época da morte, que tinha cerca de 1,64 metros de altura. O segundo era uma mulher, com mais de 50 anos quando morreu, que tinha cerca de 1,53 metros de altura. Ambas as estaturas são consistentes com as médias romanas na época.
Foi extraído material genético desses indivíduos a partir do osso petroso do crânio, um dos ossos mais densos do corpo, e, portanto, entre os mais propensos a reter DNA viável. Utilizando métodos idênticos, o material foi coletado e sequenciado de ambos os ossos. Apenas o do homem, no entanto, continha DNA suficiente para uma análise razoável.
Geneticista brasileiro foi convidado para analisar marcadores uniparentais de vítima do Vesúvio
Pinotti conta que foi convidado por Scorrano para trabalhar na parte da análise dos dados, especialmente do cromossomo Y da mitocôndria (que são marcadores uniparentais). “Minha área de estudo, na verdade, é mais voltada para as populações indígenas da América do Sul”, explica o cientista brasileiro. “Não trabalho especificamente com história europeia, mas como as análises do cromossomo Y são muito similares, independentemente de qual parte do mundo, fui convidado para ajudar nessa análise”.
A equipe comparou a amostra com genomas de 1.030 indivíduos antigos e 471 modernos da Eurásia Ocidental. Os resultados sugerem que o homem era italiano, com a maior parte de seu DNA coerente com pessoas do centro da Itália, tanto nos tempos antigos quanto modernos.
No entanto, também havia alguns genes que não são vistos em pessoas do continente italiano, mas são encontrados na ilha da Sardenha. Isso, de acordo com os pesquisadores, sugere que havia um alto nível de diversidade genética em toda a Península Itálica durante o tempo em que o homem viveu.
“Identificamos que ele tem muitas semelhanças com indivíduos da era do ferro do Império Romano, mas também características diferentes nesse cromossomo Y, o que significa que, com o Império Romano dominando toda a Península Itálica, houve uma espécie de homogeneização”, disse Pinotti.
Curiosamente, o material genético obtido de seu osso petroso mostrou evidências da presença de DNA de Mycobacterium tuberculosis – a bactéria que causa a tuberculose. Um estudo cuidadoso de suas vértebras sugere que ele foi acometido pela tuberculose espinhal, uma forma particularmente destrutiva da doença.
Pesquisa abre portas para novos estudos dos habitantes Pompeia Antiga
Para os pesquisadores, ter conseguido sequenciar esse DNA tão antigo e que enfrentou situações tão adversas é algo incrível, e o avanço significa que podemos ter uma nova janela para a vida dos pompeianos, cujas mortes foram tão tão impressionantes.
“Nosso estudo – ainda que limitado a um indivíduo – confirma e demonstra a possibilidade de aplicar métodos paleogenômicos para estudar restos humanos a partir deste local único”, diz o artigo.
Segundo os pesquisadores, essas descobertas iniciais fornecem uma base para promover uma análise intensiva de indivíduos pompeianos bem preservados. Apoiadas pela enorme quantidade de informações arqueológicas coletadas no século passado para a cidade de Pompeia, suas análises paleogenéticas ajudarão a reconstruir o estilo de vida dessa população do período romano imperial.
“A nossa ideia agora é partir para o estudo de outras populações pré-romanas da Itália. Sabemos bem pouco sobre essas populações, como os etruscos, os oscos e os messápios, como elas se pareciam e suas relações com os italianos modernos”, revelou Pinotti. “Será que os indivíduos de uma região específica da Itália se parecem mais com as populações pré-romanas de lá ou será que a homogeneização foi tão bem feita que não se consegue ver mais nenhum tipo de característica típica de uma socialidade local? Essa é uma direção futura”.
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Fonte: Olhar Digital
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