Talvez um dos assuntos mais discutidos dos últimos dias no meio astronômico seja a tempestade de meteoros que pode ocorrer na madrugada de terça-feira (31). Não à toa, esse foi o tema do Programa Olhar Espacial da última sexta-feira (27), que contou com a participação do astrônomo Lauriston Trindade, especialista em chuvas de meteoros.
Em cerca de uma hora de programa, Lauriston explicou o que é o fenômeno e por que ele ocorre. Ainda falou um pouco do histórico de outras tempestades de meteoros que já ocorreram e deu dicas de como observar e o que esperar desta tempestade de meteoros que pode ocorrer nesta madrugada.
Chuvas e tempestades de meteoros
Na primeira parte do programa, Lauriston explicou que as chuvas de meteoros são geradas por cometas e asteroides, que são restos do processo de formação do Sistema Solar. Esses objetos podem perder material ao longo de sua existência, seja por impactos, por perturbações gravitacionais ou, principalmente no caso dos cometas, pela ejeção provocada pelos jatos de gases que sublimam quando o objeto se aproxima do Sol.
Esse material perdido por cometas e asteroides acaba formando uma trilha de partículas que seguem em órbita do Sol, assim como seus corpos parentais. Eventualmente, a Terra pode cruzar essa trilha de partículas, e quando isso acontece, cada pequeno fragmento que atinge a atmosfera do nosso planeta pode gerar um fenômeno luminoso que é chamado de meteoro. Então, quanto mais densa for a trilha de partículas, mais intensa será a chuva de meteoros.
Existem inúmeras chuvas de meteoros que ocorrem todos os anos (as chamadas chuvas anuais). Entretanto, a maioria delas é de chuvas menores, que produzem alguns poucos meteoros por hora no momento de sua maior intensidade. Algumas poucas chuvas são capazes de apresentar uma taxa horária acima de 10 meteoros, como por exemplo a Eta Aquáridas (de maio) e a Oriônidas (de outubro), que são geradas pelos detritos deixados pelo Cometa Halley e produzem até 80 meteoros por hora durante sua máxima atividade.
Mas existem algumas situações peculiares que podem fazer com que uma chuva de meteoros sofra um surto (um aumento de intensidade) e produza centenas ou milhares de meteoros por hora. Segundo Lauriston, quando um surto é capaz de produzir acima de mil meteoros a cada hora, essa chuva de meteoros também pode ser chamada de “tempestade de meteoros”.
O surto da Tau Herculídeas
Todo ano, entre os dias 19 de maio e 19 de junho, a Terra atravessa uma trilha de detritos deixadas em passagens anteriores do Cometa 73P/Schwassmann-Wachmann. Quando essas partículas atingem a Terra, formam a chuva de meteoros Tau Herculídeas, que tem máxima atividade em 9 de junho. O cometa 73P não era muito grande, tinha cerca de 1,5 km de extensão. Ele forma uma trilha muito escassa e, por isso, gera uma das chamadas “chuvas menores”, com atividade máxima que não passa de 3 meteoros por hora.
Entretanto, no ano de 1995, ocorreu um evento que chamou a atenção dos astrônomos: o cometa 73P se partiu em vários pedaços, lançando uma enorme quantidade de partículas no espaço. Essas partículas seguiram vagando em órbita do Sol, e agora, em 2022, pela primeira vez, a Terra irá passar por dentro dessa nuvem de detritos. Isso pode gerar um grande surto da Tau Herculídeas, que teria potencial para ser uma das maiores tempestades de meteoros dos últimos anos.
Como essa será nossa primeira passagem por essa trilha de detritos, é difícil prever a intensidade do surto. Tudo vai depender do tamanho e da velocidade com que as partículas do cometa atingirão a atmosfera da Terra. Alguns estudos falam em 10 mil ou até 100 mil meteoros por hora em condições ideais de observação. Mas muitos cientistas preferem nem estimar essa taxa já que não dá para ter certeza nem mesmo de que essa tempestade vai realmente ocorrer.
Agora, se há algo que podemos afirmar com certeza é que todos os que estudam ou simplesmente apreciam esses fenômenos celestes estarão de olho no céu na noite entre hoje e amanhã, porque se essa tempestade ocorrer da forma como esperam alguns cientistas será algo realmente marcante.
Há risco de um fragmento maior desse cometa atingir a Terra?
Não se sabe exatamente qual o tamanho das partículas dessa nuvem de detritos. Provavelmente, existem fragmentos de vários tamanhos, então, segundo Lauriston, existe sim a possibilidade de um pedaço maior do Cometa 73P atingir a Terra nos próximos dias, inclusive na noite da tempestade.
Entretanto, é importante ressaltar que isso não deve representar nenhum grande risco para o nosso planeta, já que todos os maiores pedaços do 73P estão sendo rastreados. E como um cometa é composto por material volátil e de baixa densidade, ele provavelmente seria completamente vaporizado durante a passagem atmosférica, mesmo se fosse um fragmento maior, com alguns metros de comprimento.
Essa tempestade de meteoros será visível do Brasil?
Sim. Por aqui, a atividade de meteoros não será tão intensa como deve ser na América Central, que será atingida “em cheio” pelos meteoros dessa tempestade. No Brasil, dependendo da região, poderá ser vista entre 10% e 50% da quantidade de meteoros que será visível na América Central.
Entretanto, se forem confirmados os melhores cenários para essa tempestade, mesmo dos locais menos favorecidos do país, poderão ser observados milhares de meteoros por hora no momento da máxima.
No mapa divulgado pela BRAMON, a região Norte do país é a mais favorecida. Por lá, caso seja confirmado o melhor cenário (de 100 mil meteoros por hora), poderão ser observados acima de 40 mil meteoros por hora. Cidades como Boa Vista (Roraima) e Rio Branco (Acre), podem contemplar uma taxa horária acima de 50 meteoros nessas condições.
Mesmo na costa leste do país, a região menos favorecida do território nacional, poderão ser vistos mais de 5 mil meteoros por hora. Mas, é importante lembrar que essa é apenas uma estimativa considerando o melhor cenário, e considerando que o observador tenha as condições ideais de observação, ou seja, uma noite sem nuvens e em um local afastado das luzes dos grandes centros urbanos.
Como observar?
Uma chuva de meteoros é um dos fenômenos astronômicos mais democráticos que existem. Não é preciso nenhum tipo de instrumento óptico ou equipamento para se observar. Aliás, quanto menos tecnologia, melhor.
A melhor forma de se observar uma chuva de meteoros é procurar por locais bem escuros, longe dos grandes centros urbanos. Procure um quintal, jardim, varanda, ou qualquer área que lhe forneça uma boa visão do céu e, de preferência, longe de qualquer iluminação. Uma cadeira de praia é excelente para se deitar e observar o céu de forma mais confortável.
O horário é sempre uma questão importante, mas neste caso do surto da Tau Herculídeas, será fundamental. Isso porque, apesar dos meteoros desta chuva poderem ser observados durante boa parte da noite, o surto principal dela só deve ocorrer em uma janela estreita de horário, algo entre 30 e 40 minutos.
Na verdade, estão previstos para a mesma noite dois surtos da Tau Herculídeas. Por volta da 00h11 (horário de Brasília), deve ocorrer o primeiro surto, quando a Terra atravessará as trilhas de detritos deixadas pelo Cometa 73P em 1892 e 1941. Para esse surto, são esperados até 50 meteoros por hora.
O segundo surto deve ocorrer no momento em que a Terra atingir a densa trilha lançada pela ruptura de 1995. Como esta será a primeira vez que atravessaremos tal trilha, não há muito consenso quanto ao horário exato em que isso ocorrerá, mas provavelmente será próximo às 2:05 (horário de Brasília).
Dessa forma, a recomendação é que se observe a atividade de meteoros no céu a partir das 23h desta segunda-feira, até às 03h da madrugada.
O radiante desse surto, que é a direção no céu de onde os meteoros parecem surgir, estará localizado na direção da constelação do Boieiro, próximo à estrela Arcturus, a mais brilhante da região noroeste do céu. Mas não é preciso estar olhando na mesma direção para ver os meteoros, pois eles aparecerão em todas as partes do céu, apenas parecendo vir dessa direção, conforme mostrado na imagem abaixo.
Uma curiosidade é que o radiante desse surto está bastante deslocado em relação ao radiante da chuva Tau Herculídeas que fica na Constelação de Hércules. Lauriston explica que isso é normal e que geralmente os radiantes das chuvas de meteoros se deslocam a cada dia, porque a direção pela qual a trilha de partículas atinge nosso planeta muda em função do movimento de translação da Terra. Além disso, algumas trilhas, como é o caso dessa do cometa 73P, podem sofrer influência gravitacional de Júpiter, o que acaba gerando diferentes ramificações da mesma trilha.
Transmissões ao vivo
Se você não estiver em uma região favorável para observação ou se o tempo não estiver colaborando em sua cidade, será possível acompanhar a tempestade de meteoros Tau Herculídeas pela internet. Diversas transmissões ao vivo foram programadas em vários canais do Youtube. Segue, abaixo, duas delas: a da BRAMON e a do canal Mistérios do Espaço.
Ambas as transmissões vão contar com a participação de especialistas da BRAMON, a Rede Brasileira de Observação de Meteoros, e também com imagens ao vivo das câmeras da rede, que são adaptadas para registrar os meteoros mais sensíveis. Se essa tempestade ocorrer de acordo com as previsões mais otimistas, certamente as câmeras da BRAMON registrarão um verdadeiro espetáculo.
Essa não será a primeira nem a última tempestade de meteoros
Lauriston também comentou sobre outras tempestades de meteoros registradas na história, e sobre alguns surtos, incluindo o inesperado surto da Perseidas que ocorreu no ano passado e que surpreendeu os astrônomos em todo o mundo.
A mais famosa tempestade de meteoros da história ocorreu em 1833, quando um surto da Leônidas gerou um espetáculo no céu dos Estados Unidos, produzindo cerca de 100 mil meteoros por hora. Aquele surto da Leônidas foi completamente inesperado, e por isso, causou comoção e histeria na população. Muitos acreditavam que aquilo era o início do julgamento final. Tanto que em alguns locais, os sinos das igrejas soaram de madrugada, chamando a população para se reunir, preparando-se para o apocalipse.
Felizmente, o mundo não acabou, e graças à tempestade de meteoros de 1833, essa área da ciência evoluiu consideravelmente. Foi a partir da observação daquele fenômeno e de relatos coletados ao redor do mundo que o astrônomo Denison Olmsted sugeriu que os meteoros tinham origem extraterrestre. Ele percebeu o padrão radial dos meteoros de uma mesma chuva e concluiu que eles deveriam ocorrer quando a Terra atravessa uma nuvem de partículas no espaço, o que embasou a ciência de meteoros moderna.
Lauriston encerrou sua participação trazendo a previsão do próximo grande surto de meteoros que deve ocorrer em 2028. Será um surto da Perseidas, em que se espera algo entre 600 e 700 meteoros por hora. A Perseidas é uma chuva de meteoros que ocorre em agosto e, apesar de ainda nos reservar algumas surpresas como o surto do ano passado, ela já é bem conhecida e estudada pelos cientistas. Não deve ser um surto tão espetacular como o que esperamos para a Tau Herculídeas este ano, e isso deixa bem claro porque esta tempestade de meteoros tem chamado a atenção, tanto da comunidade científica, como também do público.
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Fonte: Olhar Digital
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