Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 da Fragomen estima que 35 milhões de pessoas vivam desta forma e que até 2035 o número cresça para um bilhão
Viver viajando é uma realidade cada vez mais presente no cotidiano. Com a implantação do home office devido à pandemia, esse hábito cresceu tanto que alguns países começaram a disponibilizar visto para nômades digitais, como: Itália, Espanha, Croácia, Estônia, República Tcheca e outros países da União Europeia. Recentemente, até o Brasil adotou esta prática e permite que pessoas com esse estilo de vida fiquem aqui durante um ano. Contudo, esse não é um hábito de agora, e tende a crescer cada vez mais. De acordo com o Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 da Fragomen, empresa global especializada em migração, estima-se que até 2035 um bilhão de pessoas se tornem nômades digitais. Hoje, o número está em torno de 35 milhões.
O estilo de vida voltou a ser debatido com o caso do brasileiro Jesse Koz, que viajou por 17 países ao lado do seu cão Shurastey em um fusca. Koz e Shurastey morreram em um acidente nos Estados Unidos, enquanto viajavam rumo ao Alasca. Ambos eram acompanhados virtualmente por mais de 500 mil seguidores, que se inspiravam na trajetória. Diferente do que se pensa sobre quem vive desta forma, não se trata de conhecer o mundo. Está relacionado à adoção de um estilo de vida mais simples e minimalista, não estar preso a uma rotina e se conhecer. Sejam os mais experientes, ou que está começando agora, o pensamento e desejo é sempre o mesmo. Amanda Sanches, 35 anos, começou a viver assim aos 22 e morou em um ônibus na Austrália. Ela conta que era gerente de vendas quando decidiu deixar tudo para trás. “Não tive apoio nem financeiro nem emocional. Todo mundo me achava louca, então, fui com a cara e a coragem”, diz, e acrescenta que viver de forma simples fez com que ela aprendesse a dar valor às pequenas coisas. “Aprendi muito sobre minimalismo, a ter disciplina e organização. A melhor experiência de morar em um ônibus foi ver que eu não precisava de muito para viver bem”. O meio de transporte onde morou tinha sete metros quadrados.
Há tanto tempo na estrada, Amanda não sabe exatamente quantos países já conheceu, mas garante que passam dos 20, e de todos esses, se apaixonou por Bali. “A energia é diferente de tudo o que já vi”, diz. Atualmente, para conseguir continuar sua jornada pelo mundo, trabalha como mentora de negócios digitais. Ela está no Brasil, mas só fica até domingo, 5, quando embarca para a Europa. “Vou mudar um pouco a localização, o online propõe isso”, declara. Contudo, apesar de ser apaixonada por viajar e pela vida que leva, não pretende continuar assim para sempre. Seu plano é continuar viajando “pelos próximos dois anos e depois sossegar”, admite.
Mas não são todos os nômades que querem abandonar esse estilo de vida. Um exemplo é Zeck Oliveira. Desde novo ele sempre viajou, tanto que ganhou uma viagem do pai para a Disney ainda na época da escola, e desde então nunca mais voltou para o Brasil. Com 17 anos, ele abandonou a escola e fez um mochilão para a Argentina, Colômbia, Porto Rico, Cuba, Canadá e Havaí – lugar que ele considera como casa, apesar de não morar lá. Ao 36 anos, quer continuar assim para o resto da vida, porque não consegue ficar parado em um único lugar. “Tô sempre viajando ou fazendo mochilão, isso me mantém vivo, eu me sinto muito bem. Adoro estar para o lado de fora e me testando”, comenta. Ele só começou a ser nômade em 2017, após uma aventura com os amigos para o Alasca. Quando voltou, refletiu sobre o que viveram e viu que era possível morar em um carro ou uma van. Foi então que em 2017 construiu o seu próprio veículo e morou nele durante 4 anos. “Conheci todos os estados americanos e estar ali vivendo e não pagando aluguel era algo que me encantava”, comenta.
Prezando sempre pelo mínimo possível, vendeu a van e comprou um carro para poder economizar mais. Mas esse transporte não durou muito e logo percebeu poder simplificar ainda mais seu estilo de vida. Então, comprou uma bicicleta e começou a viajar dessa forma. Para poder se sustentar, faz vans para outras pessoas poderem sair por aí. “Sempre que posso, faço isso, e passo de três a quatro meses na estrada sem fazer nada, só acampando e fazendo minha própria comida”, conta. De bicicleta, Zeck já cruzou de Nova York até a Califórnia, que são mais de quatro mil quilômetros. Foi assim que conseguiu ganhar apoio das pessoas que o encontravam e ajudavam pagando hotel, comida e travessias, e começou a gravar vídeo e lucrar no Youtube. “ Nos EUA, fui para acampar todas as noites, mas as pessoas me ajudaram. Quando terminei a rota, vi que tinham pagado mais de 40 noites de hotel para mim”, lembra.
“Eu me apaixonei nesse negócio de andar de bicicleta”, declara. Depois de concluir a primeira travessia, ele se desafiou em uma nova. “Cruzei do Canadá ao México no inverno”, diz Zeck, que já tem uma próxima aventura em mente. “Daqui a um mês e meio vou atravessar o Alasca de norte a sul. O perigo lá é o frio e os animais”. Além disso, em janeiro ele desembarca em Portugal, mas não tem nenhum roteiro, porque é assim que gosta de viver. “Dessa forma, você tem a flexibilidade de fazer qualquer coisa. Você fica mais flexível quando viaja assim, sem plano, organização, tempo de chegada”, afirma. Zeck faz tudo sozinho, e pelo caminho vai encontrando pessoas. Ele comenta que para viver dessa forma é preciso abrir mão de algumas coisas. Por isso, neste momento não pensa em casar ou ter filhos, porque é uma responsabilidade e não possui casa fixa. Quando precisa dar um intervalo entre uma viagem e outra, fica na casa do irmão, no Havaí. “Tudo o que tenho cabe dentro de duas mochilas, é um estilo bem minimalista”, relata, acrescentando que as experiências que teve até agora foram só o começo do que quer. “Tenho muitas ideias e planos. Não tenho vontade de parar”.
Eleni Alvejan, 50 anos, e Sergio Medeiros, 49 anos, sabe bem o que é isso. O casal está na estrada desde 2015, quando resolveram levar o “Projeto Mundo Cão”, no qual eles ajudam animais de rua, para as Américas. “Inicialmente, o plano era de um ano. Queríamos fazer do Brasil até o Alasca, mas logo nos primeiros meses percebemos que não gostaríamos de voltar”, relatam. E foi isso que fizeram e até hoje seguem na estrada. Nas viagens são só os dois, mas estão sempre acompanhados dos animais. “Viajar sempre foi um dos nossos maiores prazeres”, fala Eleni, declarando que a decisão por ser nômade veio num momento de transição. “Queríamos mudar de trabalho e dar uma reiniciada na vida, então decidimos montar um carro para expedição e viver essa experiência de morar nele”, comenta Sergio. Eles moram em uma Land Rover/Defender adaptada para camper. “Hoje sabemos que essa foi a melhor escolha que fizemos na vida”, acrescenta.
Para se manterem na estrada, eles fazem de tudo um pouco, desde house sitting, uma prática de troca de serviço por acomodação, a qualquer outro trabalho que oferecerem. “Nós não temos preguiça, se nos oferecem qualquer tipo de trabalho, aceitamos de imediato”, comenta o casal. “Já cuidamos de casas, cachorros e gatos, vendemos salada de frutas, trabalhamos em fazenda, construção e também temos nossa própria marca, vendemos bandanas com nossas fotos”, acrescentam. Quando se fala em nômade, eles relatam que antes de pensar em como ganhar dinheiro é preciso saber como não gastar. “Ser viajante e ser turista são coisas bem distintas, viver num carro é muito mais barato que viver numa casa”, apontam, relatando que dessa forma você aprende a viver apenas com o necessário. “Normalmente cozinhamos, quase cem por cento do tempo acampamos em lugares grátis, nosso maior custo é com o combustível”, concluem.
Eleni e Sergio relembram que já passaram por várias situações ruins, “mas nunca pensamos em desistir”. Ao todo, já conheceram 22 países e esperam conhecer muitos outros. “Não temos problemas em mudar de planos. Estamos abertos a todos os tipos de experiências, o importante é estar em movimento e por muito tempo mais”, declaram. Esse é o mesmo pensamento que cerca o casal Pablo Magalhães, 35, e Bárbara Medeiro, 30. Eles falam que para ser nômade é preciso “ter a cabeça aberta e estar livre de preconceitos”, porque “você vai estar conhecendo novas culturas e é necessário sair da zona de conforto”. Os dois ainda são novos nessa vida, começaram em 2019, quando largaram tudo no Rio de Janeiro porque não estavam “confortáveis com a vida que levavam” e foram viajar pelo mundo. Continuam trabalhando para sobreviver. Bárbara edita vídeos e podcasts e Pablo toca as empresas que possuem aqui no Brasil e faz apresentações corporativas.
Eles estão em seu sétimo país como nômades e contam que a vontade de viver viajando sempre esteve nos dois. “No primeiro encontro, descobrimos que os dois queriam morar um tempo no Canadá”, relembram, e acrescentam que com o tempo só foram materializando a ideia “de uma forma que ela fosse sustentável financeiramente”. Apesar de hoje levarem uma vida mais simples do que quando moravam no Brasil, estão sempre se cuidando, por isso, nunca “viajamos sem seguro saúde”. Em cada lugar que passam, ficam em torno de três meses, porque adotam um estilo de viagem “slow travel”. Pablo comenta que algo importante quando opta pelo nomadismo é saber que “nem todo lugar vai ser prefeito, mas saber que nem por isso ele vai deixar de ser legal”. Um pensamento que levam é que “o melhor não ficou para trás e está sempre por vir”. O casal conta que sempre viajam com visto de turismo porque “o passaporte brasileiro é benéfico por dar visto de turista” e muitas vezes acaba sendo melhor que o passaporte português, por exemplo. Apesar de poderem utilizar o visto de nômade digital, não fazem essa escolha porque “não vale a pena. É necessário uma renda alta que não é compatível com o público brasileiro e não tem tanta vantagem pelo fato de o imposto ser muitas vezes maior que o do Brasil”.
Eve Leoncio, 27, e Lucas Miguel, 35, nunca tiveram o sonho de conhecer o mundo, o desejo dos dois era encontrar o seu lugar e ter uma vida que não ficasse monótona. “O propósito disso nunca foi viajar, tanto que hoje a gente viaja bem pouco”, conta a jovem. “A gente acha bom conhecer novos lugares, mas é cansativo viver full time desta forma. Além de tornar rotina”, acrescenta. Os dois moram no “Rogerinho”, um motorhome. Eles embarcaram nesta aventura de 2018, após se conhecerem na Irlanda um ano antes. Hoje, intercalam o estilo de vida. Uma hora estão indo para um novo destino, na outra param em algum lugar para trabalhar e ganhar dinheiro. O carro é a casa deles, e raramente alugam hostel ou hotel, sempre procuram por locais mais em conta para evitar gastar tanto.
Os brasileiros não têm noção de quantos países já conheceram neste tempo que estão na estrada, mas estimam que seja mais de 30. Os dois estão sempre sozinhos, mas às vezes encontram alguns amigos ou recebem a visita dos familiares. Entretanto, relatam que, apesar de ser relativo, acham a vida de nômade um pouco solitária. “Antes de ter essa experiência, ouvíamos que era muito legal, você faz muitos amigos, mas a gente não viu muito isso, não”, conta Eve. “Achamos pessoas legais, mas não é ninguém que levamos para a vida inteira”, acrescenta. “A vida é bem solitária na estrada do jeito que a gente vem vivendo. Temos saudades dos nossos amigos e de criar laços”, finalizam. No futuro, eles têm interesse em comprar uma fazenda e viver do jeito que gostam.
O pensamento de que a vida do nômade pode ser cansativa também é presente na vida de Marcos Oliveira, 41, e sua esposa Carol, 37. Os dois têm planos de adotar este estilo de vida no próximo ano. E tudo começou quando perceberam que é possível viver com poucas coisas e sem gastar muito. “Antes da pandemia, fomos para Santiago de Compostela e ficamos quase dois meses lá atravessando o país inteiro a pé”, conta. “Depois fomos para outros países e vivemos só com uma mochila nas costas”, acrescenta, dizendo que o plano agora é fazer uma viagem mais longa dessa mesma forma e com esse estilo minimalista e viajar “até o dinheiro acabar”.
Esse estilo de vida sempre foi algo que quiseram, mas sempre pensaram que isso era para pessoas mais velhas e aposentadas. E essa experiência “mexe demais, porque você percebe a simplicidade das pessoas e o acolhimento”. Apesar de ser algo interessante e legal, ele conta que “o lance de conhecer coisas novas é massa demais, mas deve chegar uma hora que dá vontade de voltar para casa”. Quanto a isso, não vão ter problema, porque enquanto se aventuram, vão deixar sua casa alugada e estão construindo outra. Com o plano de viajar até o dinheiro acabar, eles comentam que uma coisa que ouviram de uma pessoa que conheceram é: “Quando você entra nesses espíritos, você não sente mais vontade de voltar”.
Esse é o plano de Arthur Yago, 29 anos. Ele não tem casa no Brasil e há quatro meses está na Europa, mas desde 2021 leva esse estilo de vida. Decidiu viver viajando depois da pandemia, quando também perdeu sua avó. Todas essas ocorrências fizeram com que ele embarcasse no sonho de conhecer o mundo. “Não tenho lugar para voltar. Não moro com meus pais tem uns 11 anos e não tem a possibilidade. Minha casa é no mundo”, conta. Arthur não teve apoio de ninguém quando optou pelo nomadismo. “Todo mundo achou que eu estava ficando maluco, mas eu fui na fé”, declara. Ele ainda afirma que o mais complicado até agora tem sido manter esse estilo de vida, uma vez que não tem um emprego fixo e vive de uma renda que conseguiu fazer no ano passado e alguns serviços que presta por lá. O jovem, que já passou por quatro países e ainda está se acostumando com esse novo cenário conta que “todo mês se reinventa para continuar”.
Fonte: Jovem Pan News
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