O Brasil viveu um boom de fintechs na última década. Milhões de pessoas foram incluídas no sistema financeiro com a oferta de contas digitais e, muitas vezes, do primeiro cartão de crédito. Não é à toa que, desse grupo de fintechs, surgiram diversos unicórnios, nome utilizado para classificar as poucas startups que chegam ao valor de mercado de R$ 1 bilhão.
Em um mercado já tão disputado de serviços financeiros digitais, uma coisa chama a atenção. Todos os players desse mercado oferecem soluções individuais, ou seja, cada indivíduo com seu universo financeiro. Mas será que os brasileiros lidam diariamente com contas e despesas sem envolver outras pessoas?
A resposta é não. Os casais, por exemplo, chegam a ter 85% da renda comprometida com despesas e gastos compartilhados. Isso inclui aluguel, supermercado, contas de luz e de água, viagens, despesas com filhos e com os pets. Entre amigos, colegas, famílias e pessoas que moram juntas, os custos compartilhados chegam a 50% da renda.
O diagnóstico é da fintech Noh, que lançou seu aplicativo de carteira compartilhada em abril deste ano. Antes de chegar ao produto final, a companhia passou oito meses em testes com usuários de diversos perfis. A conclusão é que, entre casais ou pessoas que moram juntas, como em uma república, os gastos do dia a dia são, na verdade, gastos conjuntos. Mas, voltando para a provocação do início, qual fintech ou grande banco oferece hoje uma solução de pagamento coletiva?
Aposto que muitos pensaram na veterana conta conjunta. Mas o fato é que esse produto nunca vingou e teve pouca penetração entre os brasileiros. O custo não é vantajoso e, sem distinguir de quem é cada fatia do dinheiro, a verdade é que a conta conjunta não permite uma divisão justa das despesas ou uma personalização nas porcentagens pagas por cada um dos envolvidos.
No exterior, diversos empreendedores apostam que o futuro é oferecer uma experiência coletiva de pagamento, como as norte-americanas Braid e a Ivella, a mexicana MoneyPool e a francesa Lydia. Trata-se de uma tendência que está nascendo simultaneamente no Brasil e lá fora.
E o que o Brasil tem a ver isso? Tudo. No país jeitinho e de múltiplas crises, tudo é feito na base da vaquinha e em todas as classes sociais. Os brasileiros dividem o bolão da Mega-Sena, a compra de papel higiênico em promoção ou a viagem de fim de ano. São situações que nos unem e, ao mesmo tempo, dificultam a hora do rateio. Tudo porque, na hora de pagar, nós ainda usamos um só cartão de crédito ou pagamos um só boleto.
O Pix é uma das maiores inovações já criadas pelo Banco Central e, junto com o avanço do Open Banking, é terreno fértil para criar a próxima grande experiência em meios de pagamentos. Com a ampla oferta de produtos digitais individuais, chegou a hora de as fintechs oferecerem produtos financeiros que reflitam comportamentos do dia a dia, como gastar em grupo. Quem usar os avanços e soluções regulatórias para resolver essa e outras demandas sairá na frente. Está dada a largada.
Ana Zucato é CEO e cofundadora da fintech Noh
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Fonte: Olhar Digital
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