Especialistas em geologia identificaram um fenômeno que faz a crosta da Terra “gotejar” para o interior do nosso planeta – um efeito convenientemente conhecido como “gotejamento litosférico”. E sua ocorrência pode nos ajudar a entender não só os nossos próprios processos planetários internos, mas também os de alguns de nossos vizinhos no espaço.
Apesar de estar ocorrendo há milhões de anos, o fenômeno do gotejamento litosférico só foi pesquisado recentemente. Por esse motivo, muitos de seus aspectos ainda nos são desconhecidos ou não têm muita explicação. Mas alguns de seus efeitos já são alvos de estudos, como um recente que identificou a ocorrência do processo na região dos Andes, na América do Sul.
De acordo com os especialistas, o efeito é definido como um “escape” da massa superficial da Terra nas camadas inferiores. Pense nele como um punhado de mel escorrendo da colher e pingando no chão. Mais ou menos a mesma coisa.
“Mais ou menos” porque, ao contrário do mel, a ação que faz a nossa crosta gotejar traz efeitos mais duradouros: o primeiro e mais imediato é o de deixar “rugas” nas faixas de terra onde ela ocorre. A “puxada” da massa de terra que desce força a parte que a segura para baixo – e o mais interessante: a súbita liberação da “gota” joga a terra que ficou de volta para cima.
“Nós confirmamos que uma deformação da superfície na área da Cordilheira dos Andes fez com que uma grande parte da litosfera logo abaixo escapasse”, disse a estudante de graduação em Geologia pela Universidade de Toronto e autora primária do estudo, Julia Andersen.
“Devido à sua alta densidade” – ela continuou – “essa deformação gotejou com se fosse um xarope para gripe ou algum molho culinário para mais adentro do planeta e, provavelmente, é responsável por dois grandes eventos tectônicos na região – a mudança da topografia da região por centenas de quilômetros e também o encolhimento e alongamento da crosta”.
A questão é, nós ainda não entendemos completamente esse processo, e isso vem causando algumas dúvidas sobre a formação da Cordilheira dos Andes em si: o consenso científico é o de que ela veio por meio de vários choques tectônicos de subducção – quando o canto de uma placa tectônica “sobe” em cima da outra, formando assim montanhas e cadeias altas. Isso ocorreu no início do período Cenozóico – o momento geológico em que estamos agora.
Entretanto, há várias inconsistências, no sentido de que partes da cordilheira são diferentes entre si, indicando processos diferentes em ação: “vários estudos invocam a remoção da litosfera para explicar a não subducção generalizada da deformação da superfície e evolução dos picos”, disso o geólogo Russell Pysklywec, também da universidade.
“Mais além, o encolhimento da crosta na Bacia de Arizaro é bem documentado graças às falhas e dobras locais, mas a bacia não é amarrada por nenhuma limitação tectônica, o que indica que um processo geológico mais localizado está ocorrendo”, ele continuou.
A fim de tirar essa dúvida, o time elaborou um experimento em laboratório que reproduzisse essas condições geológicas em uma escala controlável: em um tanque, eles dispuseram vários materiais em camadas – essencialmente, um “sanduíche” contendo um tipo de silicone viscoso (Dimetil polissiloxano, que fez o papel do manto interior). Esse mesmo silicone foi misturado a um composto de argila (manto superior) e, finalmente, uma camada de esferas de sílica (dióxido de silício) simularam a crosta da Terra.
Uma gota despejada sobre a “crosta” levou horas e horas até chegar às camadas inferiores, deixando seu rastro. Posteriormente, isso foi comparado aos efeitos da superfície real, onde a crosta da Terra se fez gotejar manto adentro.
“Comparamos os resultados de nosso modelo com estudos geofísicos e geológicos conduzidos na região central dos Andes, especificamente na Bacia de Arizaro, e percebemos que as mudanças de elevação na crosta causada pelo gotejamento de nosso experimento são bem parecidas com aquelas observadas na bacia”, explicou Andersen.
A descoberta pode, no futuro, nos ajudar a entender processos geológicos que independem do choque de placas tectônicas, o que por sua vez pode até ser expandido em pesquisas planetárias: Vênus e Marte, por exemplo, têm vários tremores de superfície, mas não têm placas.
O estudo completo foi publicado no jornal científico Communications Earth & Environment.
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Fonte: Olhar Digital
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