Segundo levantamento da Jovem Pan, apenas três candidatas chegam a dois meses do pleito na liderança da disputa estadual; no plano nacional, Simone Tebet enfrentou resistência de caciques do MDB
As mulheres compõem a maior parte do eleitorado brasileiro em 2022. Ao todo, 53% dos cidadãos aptos a votar no pleito marcado para os dias 2 e 30 de outubro, primeiro e segundo turno, respectivamente, são do gênero feminino. As informações, divulgadas no último dia 15 de julho, são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e mostram um total superior a 82,3 milhões de eleitoras neste ano, o que representa um crescimento na comparação com 2018, quando eram 77 milhões. O público feminino também é maioria no exterior, representando 59% das pessoas que moram fora do Brasil e se habilitaram para votar no cargo de presidente da República. Nos cinco Estados que concentram os maiores colégios eleitorais do país, as mulheres também lideram. Em São Paulo, são 18,3 milhões de votantes femininas; em Minas Gerais, mais de 8,5 milhões de eleitoras. No Rio de Janeiro, o número chega a 6,9 milhões. Na Bahia, as eleitoras representam 5,9 milhões de pessoas e no Rio Grande do Sul, por sua vez, 4,5 milhões. Juntos, os Estados ultrapassam a marca de 44 milhões de mulheres aptas a votar, chegando a quase um terço do total de eleitores do Brasil. Mesmo com essa expressiva presença feminina no eleitorado, nas candidaturas políticas a desproporção ainda impera. A cerca de dois meses das eleições, o cenário aponta para um resultado – no mínimo – desolador: apenas 10 candidatas aparecem com chances reais de vitória, segundo as pesquisas eleitorais mais recentes. De norte a sul do Brasil, os quadros políticos, coligações, alianças e federações se repetem e destacam que a política é construída por homens e para homens. Em números, isso significa que entre os partidos com representação no Congresso Nacional, apenas quatro têm presidência feminina: o Podemos, comandado pela deputada federal Renata Abreu; o PCdoB, liderado por Luciana Santos; a Rede, presidida pela ex-senadora Heloísa Helena; e o PT, chefiado pela deputada federal Gleisi Hoffmann. Nos diretórios estaduais o espaço também é masculino. Entre os tucanos, por exemplo, são apenas duas mulheres presidentes contra 25 homens. No Partido Liberal (PL), sigla do presidente Jair Bolsonaro, a proporção é a mesma, assim como no Partido dos Trabalhadores, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mostrando uma desigualdade que vai dos partidos às candidaturas.
Para reverter este cenário de desigualdade, o Congresso Nacional aprovou algumas medidas para diminuir a disparidade de gênero na política, como destinação obrigatória pelos partidos políticos de no mínimo 30% dos recursos públicos para campanhas de candidaturas femininas e a reserva de 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão também às mulheres. Entretanto, na prática, pouco efeito se enxerga. A menos de três meses das eleições, as pesquisas eleitorais apontam para o desprestígio das candidaturas femininas. Um exemplo disso é a senadora Simone Tebet (MDB), que enfrenta a desconfiança de uma ala do partido, foi alvo de fogo amigo intensificado horas antes da convenção que oficializou o seu nome como postulante à Presidência da República e pontua cerca de 2% nos levantamentos de intenção de voto mais recentes.
Para a mestre em direito constitucional e especialista em direito público e eleitoral, Gabriela Barbosa, o cenário reforça a ideia de que a política ainda é feita “por homens e para homens”, em sua maioria brancos, de classe média e heterossexuais. “Somos apenas 15% do Congresso Nacional. Na Câmara, são 77 deputadas na Câmara, de um total de 513. No Senado, somos em 12 mulheres de 81 parlamentares, um claro exemplo de exclusão das mulheres nestes espaços. Um exemplo é que no Senado, até 2016, não havia um banheiro feminino dentro do plenário, algo tão básico. Isso mostra como esses espaços são pensados para serem ocupados somente por homens”, disse a especialista, que também é pesquisadora na área de direito das mulheres, com enfoque na elegibilidade e representatividade feminina na política latino-americana, em entrevista à Jovem Pan.
Ela menciona ainda que as desigualdades estão longe de se limitarem ao baixo número de candidaturas. A disparidade de gênero na política também se reflete em menor prestígio das governantes entre seus próprios aliados. Um exemplo disso é o recente caso da governadora Izolda Cela, do Ceará, preterida em uma disputa interna do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Ciro Gomes. Mesmo pontuando próximo a 30% das pesquisas de intenção de voto, com apoio do ex-governador Camilo Santana (PT), do senador Cid Gomes (PDT), irmão de Ciro, e dos partidos de esquerda, Cela não terá chance de disputar as eleições deste ano, sendo substituída por Roberto Cláudio (PDT). Como consequência da escolha dos pedetistas, a governadora em exercício anunciou, na terça-feira, 26, sua desfiliação da legenda fundada por Leonel Brizola. “Além das mulheres serem minoria nos espaços públicos, elas têm menos influência nos processos de tomada de decisão e precisam lidar com a violência de gênero. São interrompidas, desqualificadas, têm sua intimidade violadas, excluídas de debates. Também não são indicadas como titulares de comissões, ainda que tenham competência para tal”, menciona Gabriela Barbosa.
Assim como nos partidos políticas e na corrida à Presidência, em outras esferas de poder a disputa também é desigual. Neste ano, considerando os 26 Estados e o Distrito Federal, apenas três mulheres lideram de forma isolada as pesquisas de intenções de votos aos governos locais: Teresa Surita (MDB), Fátima Bezerra (PT) e Marília Arraes (Solidariedade), que chegam a 47%, 39% e 30,7% das intenções de voto em Roraima, Rio Grande do Norte e Pernambuco, respectivamente. Além delas, outras três aparecem em segundo ou terceiro lugar nos levantamentos, sendo elas: Mara Rocha (MDB), no Acre, com 17%; Raquel Lyra (PSDB), também em Pernambuco, com 15,6%, e Rose Modesto (União Brasil), no Mato Grosso do Sul, com 15%, todas com chances efetivas de vitória.
Já para o Senado Federal, os nomes mais promissores são Flávia Arruda (PL) e Rosilene Correa (PT), ambas no Distrito Federal, com 29% e 13%; Tereza Cristina (PP), pelo Mato Grosso do Sul, com 23,7%; Dra. Raíssa Soares (PL) na Bahia com 10%; Rose de Freitas (MDB), com 16%, no Espírito Santo; Ana Amélia Lemos (PSD), com 20%, no Rio Grande do Sul; Delegada Danielle Garcia, com 20,8%, em Sergipe; e Katia Abreu (PP) e Dorinha Rezende (União Brasil), com 24% e 19%, respectivamente, pelo Estado de Tocantins. Até esta sexta-feira, 29, a candidatura de outra mulher era somada na disputa por uma vaga de senadora: a deputada federal Jéssica Sales (MDB), que pontuava cerca de 20% das intenções de votos no Acre. No entanto, ela anunciou desistência da candidatura ao admitir que a campanha eleitoral majoritária iria exigir uma disposição física maior e demandar muito esforço e energia, o que, em meio a um tratamento contra o câncer de mama, seria desgastante. “Não é desonroso dar um passo para trás. Nesse momento eu não consigo dar um passo à frente e vou disputar minha reeleição”, conclui, em vídeo compartilhado nas redes sociais.
Enquanto as candidaturas femininas competitivas se limitam a 15 nomes, ao menos 20 Estados sequer possuem mulheres concorrendo aos governos locais, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que agrupam os três maiores colégios eleitorais do país. O resultado disso se reflete nas políticas públicas desenvolvidas e na forma como sociedade é construída, assim como suas leis, projetos e discussões. “Nossa sociedade é diversa e, por isso, é extremamente necessário ter representantes desses grupos nos espaços. É necessário vencer violência de gênero e qualquer ato cujo objetivo seja excluir as mulheres no espaço político e entender que a falta de mulheres não é somente um problema feminino, é um problema da democracia. Porque sem mulheres, não há democracia neste país”, explica Gabriela Barbosa. Para ela, o caminho rumo à equidade política passa pelo financiamento efetivo das candidaturas, capacitação política das mulheres e combate à violência de gênero. “E claro, votar em mulheres, principalmente aquelas que estejam dispostas a lutar pelas questões das mulheres, por mais direitos. É, agora, extremamente necessário e essencial”, finaliza.
Fonte: Jovem Pan News
Comentários