Cientistas conseguiram mapear o genoma de uma água-viva conhecida por sua capacidade de enganar a morte usando um mecanismo de renascimento.

Chamada de medusa imortal, a minúscula criatura marinha pode fazer seu relógio biológico retroceder, criando uma massa de células infantis (mesmo que já tenha se reproduzido sexualmente). De volta a seu estado juvenil, a medusa também consegue se reproduzir assexuadamente, clonando pólipos de si mesma, o que lhe atribui duas formas de propagar seu material genético.

Fases do rejuvenescimento de Turritopsis dohrnii: da medusa (1), regressando a um cisto (4), até se tornar um pólipo assexuado (7). Imagem: Maria Pascual Torner

Os pesquisadores esperam que seu estudo, publicado na segunda-feira (29) no jornalProceedings of the National Academy of Sciences, possa levar a descobertas relevantes sobre o envelhecimento humano. 

Maria Pascual Torner, bióloga marinha e pesquisadora de pós-doutorado da Universidade de Oviedo, na Espanha, explicou que o foco do artigo, do qual é uma das principais autoras, era entender melhor os mecanismos de rejuvenescimento. “É um erro pensar que teremos uma imortalidade como essa medusa, porque não somos medusas”, disse ela ao The Wall Street Journal. “Mas, é possível que algo no truque evolutivo da medusa imortal possa ser usado para entender melhor as patologias do envelhecimento”.

Segundo o estudo, muitos tipos de medusas têm alguma capacidade de inversão etária, mas a maioria dos cnidários perde essa propriedade com a maturidade sexual. A pesquisa mostra que três espécies podem rejuvenescer após a idade adulta e, dessas, apenas uma, a Turritopsis dohrnii, mantém integralmente essa capacidade.

Os cientistas compararam o mapeamento genômico de T. dohrnii ao de uma espécie estreitamente relacionada a ela, mas que não tem um rejuvenescimento pós-reprodutivo. Os resultados revelaram mecanismos moleculares fundamentais por trás do rejuvenescimento da medusa imortal. 

A pesquisa sugere, por exemplo, que essa pequena criatura que tem de um a 4 mm de diâmetro é potencialmente mais eficiente para reparar e replicar seu DNA e manter suas células-tronco.

Segundo Jan Karlseder, biólogo molecular e diretor do Centro Paul F. Glenn para Pesquisa da Biologia do Envelhecimento, do Instituto Salk, na Califórnia, disse que o estudo propõe roteiros importantes sobre a extensão dos anos saudáveis de um organismo. 

“O mais interessante é que não é um único caminho molecular. É uma combinação de muitos deles”, disse Karlseder. “Se quisermos buscar uma extensão da área de saúde, não podemos nos concentrar em apenas em um caminho. Isso não será suficiente. Precisamos olhar para muitos deles e como eles se sinergizam”.

Imortalidade da água-viva não a protege dos predadores

A imortalidade biológica não protege essas medusas de predadores, como caracóis marinhos, crustáceos e minhocas do mar. “O destino de tudo no oceano é ser devorado em algum momento”, disse Monty Graham, professor de biologia integrativa e diretor do Instituto de Oceanografia da Flórida. “T. dohrnii normalmente aperta seu botão de reset quando procura evitar a morte causada por fatores ambientais”.

Isso quer dizer que quando as medusas adultas se sentem ameaçadas pela mudança das condições, elas recuam seu relógio genético para virarem novamente larvas. Reduzidas a uma fina camada de células e tecidos, elas navegam quase imperceptíveis pelo oceano, em busca de abrigo, como uma rocha ou uma lâmina de erva marinha onde possa se fixar.

As águas-vivas da espécie Turritopsis dohrnii têm de 1 a 4 mm de diâmetro. Imagem: zaferkizilkaya – Shutterstock

“A capacidade de um tipo celular imaturo ser pluripotente, ou seja, capaz de se desenvolver em qualquer tipo celular que a água-viva precise, está no cerne do rejuvenescimento”, disse Graham. “Em humanos, as células-tronco são consideradas pluripotentes, no entanto, muito trabalho ainda tem que ser feito antes de estabelecer qualquer conexão entre o processo de rejuvenescimento da água-viva imortal e a relevância para o envelhecimento humano”. 

Ao se fixar em um lugar, a larva se metamorfoseia em um pólipo que se clona, criando uma colônia de pólipos. Sob condições favoráveis, a colônia floresce e gera novas medusas, que são réplicas genéticas do organismo que as originaram.

Segundo o estudo, quando essas medusas se tornam adultas, elas recebem apenas um evento reprodutivo sexual. “O que não se sabe é o número máximo de vezes, se houver um máximo, que uma medusa pode regenerar”, disse Pascual Torner. “Mas sempre que uma medusa rejuvenesce, ela cria um pólipo”. 

De acordo com a cientista, os pesquisadores têm sido incapazes de recriar o processo de renascimento em laboratório, mas, na natureza, um pólipo normalmente gera novas medusas uma vez por ano.

“Embora as medusas adultas só tenham um evento reprodutivo sexual em uma vida, é fundamental para a sobrevivência da espécie”, disse Graham. “A natureza da evolução mostra que o tempo acaba atingindo tudo, até mesmo a medusa imortal. Em algum momento, o organismo terá que desistir de uma geração futura para que a espécie seja capaz de lidar com variações a longo prazo no ambiente”.

Ele finaliza afirmando que “é assim que tem que funcionar ou tudo se extinguirá”.