Elas representam 33,3% do total, mas número ainda é desproporcional, já que são maioria entre os votantes (53%)
A quantidade de mulheres candidatas bateu recorde na eleição de 2022, com um registro de 33,3% do total das candidaturas nas esferas federal, estadual e distrital, o que representa 9.415, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Apesar disso, o número ainda é desproporcional, já que as mulheres representam 53% do eleitorado brasileiro — ou 82 milhões. Embora analistas apontem a importância dessa fatia dos eleitores para a decisão do pleito presidencial em 2022, e equipes de campanha dos nomes mais fortes, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), também reconhecerem esse fator, as mulheres são minoria na própria disputa pelo Palácio do Planalto: quatro das 12 candidaturas homologadas, repetindo a marca de apenas 33,3%. São elas: Vera Lúcia (PSTU), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União) e Sofia Manzano (PCB). “Esse cenário de quatro mulheres para oito homens é a política brasileira! A gente tem, hoje, uma noção em que se entende politicamente correto colocar mulheres em cargos de representatividade, mas elas estão ali muito mais para decoração. Desde o século 20, as mulheres foram ocupando o campo político, nos partidos, nos movimentos sociais e nas associações coletivas, mas a participação delas a partir de inserção no movimento de resistência e ocupação de espaço público exige o uso de táticas e domínio de ferramentas para enfrentar uma concorrência masculina. Quando consegue entrar no espaço de poder, ela precisa usar táticas para conquistar esse espaço. É como se o simples fato dela chegar lá ainda não fosse o suficiente”, analisa a cientista política Deysi Cioccari.
O quadro nacional e da disputa presidencial repete-se também entre candidatas aos governos estaduais. Até hoje, o Brasil só teve oito mulheres governadoras em toda a sua história. Neste ano, o número pode aumentar, já que três delas lideram as pesquisas em seus Estados: Marília Arraes (Solidariedade), em Pernambuco; Fatima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte; e Teresa Surita (MDB), em Roraima. No recorte de mulheres transexuais e travestis, a representatividade é drasticamente menor, já que não há candidatas trans a cargos do Executivo. Para o Legislativo, elas são apenas 67 candidatas em todo o Brasil neste ano. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), as eleições de 2022 contam com 76 candidaturas de pessoas trans, e o número de mulheres representa 88% do total. O número é maior que o registrado em 2018, quando houve 52 candidatas desse grupo social.
Ainda que permaneçam como minoria, um recorde de candidaturas de mulheres foi atingido neste ano. Ele deve-se, em alguma medida, à emancipação política das mulheres, mas principalmente à própria legislação eleitoral, que facilita e aumenta o repasse de recursos de campanha para os partidos políticos que cumprirem metas e cotas de presença feminina entre seus candidatos. “Entre os dois fatores, o que predomina, claro, é a nova legislação eleitoral, que acaba dobrando as verbas partidárias para os partidos que conseguem alavancar o maior número de mulheres. Não só mulheres, como também negros. E, duplamente, o partido ganha com mulheres negras. Sem dúvida nenhuma, a legislação acabou angariando essa alavancagem de candidatas mulheres. Além de, como segundo o plano de fundo, uma pressão maior da sociedade em relação às críticas ao patriarcado, à sociedade machista. As mulheres vêm ganhando mais espaço na sociedade, não tanto na política, mas essa lei com a cota feminina contribui bastante nesse processo”, explica o cientista político Paulo Niccoli.
O risco existente na nova legislação é de os partidos incluírem mulheres no seu grupo de candidatos apenas para obter mais recursos de campanha, sem que haja uma real intenção de levá-las à eleição e posse de cargos eletivos representativos. “Mulheres podem ser colocadas apenas para compor chapa, ou mesmo serem eleitas, mas sem uma perspectiva ideológica. Ou seja, pode criar um mecanismo para que os partidos apenas tirem proveito dessa lei, para obterem mais fundos. A consequência disso é que isso deteriora não só a participação da mulher na vida pública, como também cria uma política de fachada, em que elas são colocadas unicamente com a intenção de obter verbas. Além disso, trazer novas críticas aos partidos que apenas cumpram tabela, digamos assim, de modo que se destacarão, sim, os partidos que alavanquem a participação feminina e consigam dar engajamento político a essas mulheres e ao eleitorado [delas]”, complementa Niccoli.
Para Deysi Cioccari, o Brasil ainda tem muito a conquistar nessa questão. “A participação política das mulheres é um desafio na luta pela igualdade de gênero, porque o espaço político é um lugar histórico de alijamento das mulheres, como se elas não merecessem estar ali. E, no Brasil, ainda é muito difícil a permanência das mulheres nos cargos eletivos e de comando, seja no Estado, no movimento social, em um partido político (…) É campo de poder masculino. Então, para a ocupação desse espaço político se configurar efetivamente numa expressão de cidadania, é preciso muito mais do que, simplesmente, a mulher ser eleita. Ela tem que chegar no espaço de poder e desenvolver ações para romper com determinações pré-fixadas masculinas com as práticas de poder constituídos. Precisar uma forma de agir para ultrapassar o que está estabelecido. Por isso que, muitas vezes, as pautas femininas ficam em segundo plano, porque, primeiro, elas têm que, efetivamente, tomar o espaço de poder. Não basta só chegar lá”, comenta Cioccari.
Ao ser questionado sobre tal contexto, o cientista político Paulo Niccoli lembrou da ex-presidente Dilma Rousseff (PT): “Lembremos que Dilma, independentemente do que ela tenha feito, sofreu um processo de impeachment sobretudo pela dificuldade que ela tinha em se articular com homens dentro do parlamento, inclusive com alguns ministros, com o vice-presidente Michel Temer. Isso vai mostrando que, claro, pelo simples fato de uma mulher ser mulher, o caminho a ser perseguido por elas é muito mais difícil”.
O pesquisador Paulo Niccoli defende a importância da representatividade feminina de forma independente de seu posicionamento político — esquerda ou direita, progressista ou conservadora —, ainda que não defendam projetos de lei que visem a emancipação feminina e a conquista de direitos por essa parcela da população. “Sempre é importante termos mulheres participando, independentemente da ideologia que elas defendam. A representatividade feminina é fundamental. Não se pode esperar que todas as mulheres sigam pautas progressistas, por exemplo, a favor do aborto ou mesmo de uma maior aquisição de direitos trabalhistas perante à sociedade, valorização profissional, a fim de reduzir as desigualdades. A gente tem que lembrar que uma parcela de mulheres que foram eleitas para o Congresso na última eleição era de evangélicas e conservadoras. Querendo ou não, elas representam uma outra visão de mundo, distante das pautas progressistas, acabam por defender visões rigorosas, mais ortodoxas, da religiosidade, em que a mulher é vista como submissa. Mas cabe às próprias mulheres promoverem debates entre si de modo a gerar o convencimento do eleitorado feminino. Isso faz parte do próprio processo democrático”, comenta.
Sobre o cenário de oposição entre progressistas e conservadores, a cientista política Deysi Cioccari cita pesquisas feitos nos Estados Unidos que apontam para momentos de crescimento em contraposição ao movimento oposto. “Em momentos de muita exclusão, as mulheres tendem a tomar uma atitude e agir. Então, por exemplo, com a eleição de Donald Trump, uma pesquisadora identificou que o número de mulheres que se apresentaram nas organizações, para dar suporte ou para se candidatar nos Estados Unidos, atingiu um volume nunca visto. As mulheres podem ambicionar se eleger muito mais por uma percepção da política como um lugar que as exclui do que como um lugar do qual elas pertencem. Momentos de crise política levam as mulheres a agir”, defende.
Fonte: Jovem Pan News
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