Um crustáceo encontrado no litoral brasileiro foi identificado como uma nova espécie de “camarão corrupto”. O apelido tem relação com a época da ditadura militar, quando havia inúmeros crimes de corrupção, todos mantidos em segredo, o que tornava praticamente impossível a captura dos criminosos – tal qual acontece com esses animais, que existem em grande quantidade, mas são difíceis de registrar.
Conduzido pelo biólogo marinho chileno Patrício Hernáez, do Instituto de Biociências do Câmpus do Litoral Paulista (CLP) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e publicado no Journal of Natural History, o estudo que classificou o camarão como uma nova espécie colocou fim a uma longa polêmica científica que se arrastava por quase 40 anos.
Até então, acreditava-se que o camarão brasileiro era da mesma espécie daqueles encontrados nos EUA, os Callichirus major, mas a nova abordagem conseguiu provar que são animais diferentes – exatamente como previa o biólogo brasileiro Sérgio de Almeida Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP), no fim da década de 1980. O levantamento indica, também, que existem outras duas novas espécies que ainda não foram descritas.
Apesar de identificar diferenças, Rodrigues não teve tempo de descrever a nova espécie. “O problema é que as características que ele levantou foram demasiadamente variáveis, e isso não permitiu validar a pesquisa dele. Ele não conseguiu publicar esse resultado, e continuaram chamando todas as espécies de Callichirus major”, explica Hernáez.
Ele e sua equipe fizeram três expedições em praias de toda a costa brasileira entre 2015 e 2018, coletando mais de mil amostras de crustáceos, com o uso de uma bomba manual de sucção à base de cano de PVC nos buraquinhos que os camarões deixam na areia e que aparecem com o recuo da maré.
Suas análises permitiram diferenciar, pela primeira vez, as características do animal encontrado no Brasil. Para isso, foi usada a biologia molecular, comparando o sequenciamento genético das amostras brasileiras com as americanas, que estão no Museu de História Natural de Washington, nos EUA, e com um material disponível no Museu de Zoologia da USP.
Segundo o biólogo, a espécie brasileira apresenta diferenças morfológicas no pedúnculo ocular, no pedúnculo antenular e no quelípodo (“pinça”), entre outras, tanto nos machos como nas fêmeas.
“[Pedúnculo antenular] é a região anterior da cabeça, que é chamado assim em camarões, e que possui dois pares de antenas. Entre o primeiro par de antenas existem os pedúnculos oculares, onde estão os olhos dos animais”, explicou Hernáez ao G1.
Assim, uma nova espécie surgiu, sendo batizada, obviamente, de Callichirus corruptus, a mais frequente e dominante no litoral brasileiro.
Antes da identificação, consideravam-se três espécies distintas do gênero Callichirus no mundo. Uma distribuída da costa da Flórida para o norte dos EUA (e que se pensava ser a mesma do Brasil), outra do Golfo do México para o sul, até o Caribe colombiano, e a última, do Panamá até o Golfo da Califórnia (no Oceano Pacífico).
A zona de ocorrência dos camarões Callichirus corruptus é do Pará até Santa Catarina, mas é possível que também esteja distribuído na costa da Guiana e da Venezuela, segundo o autor do estudo. No entanto, ainda não foi possível comparar as amostras.
Segundo Hernáez, o camarão corrupto é próprio de praias com areia fina ou média. O biólogo explica que a espécie tem um papel ecológico muito importante, pois esses animais são consumidores de matéria orgânica.
Eles constroem um sistema de galerias escavando a areia. Com esse hábito, essa espécie mantém e renova habitats para outros organismos, além de promover o retorno da matéria orgânica e a reciclagem de nutrientes.
Nas praias de Santos (SP), é possível encontrar uma grande quantidade de galerias de camarões corruptos por metro quadrado. “Quanto você caminha, vê muitos buraquinhos. Isso porque essa praia, em particular, está com uma carga de matéria orgânica elevada por causa da grande quantidade que chega pelo emissário. Toda essa matéria orgânica é limpada pelos camarões corruptos”, disse Hernáez.
Para ele, conseguir confirmar a teoria de Sérgio Rodrigues e dar o nome pelo qual a espécie ficou conhecida nas praias do Brasil é o maior feito de seu estudo. “Muitas vezes você não consegue em vida defender algum mistério da biologia, e é o caso do professor Rodrigues, que fez uma grande contribuição. Nosso trabalho vem um pouco a reivindicar o trabalho dele e esclarecer aquela dúvida científica que se persistia há quatro décadas. Nós contribuímos com um grãozinho de areia”.
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Fonte: Olhar Digital
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