Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan assinam documento em que alertam o presidente eleito sobre a importância da responsabilidade fiscal e pedem ao petista que não crie ‘problemas maiores’
Três economistas chamados de ‘pais do Real’, por terem participado da elaboração do plano que deu origem à atual moeda brasileira — Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda; Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central; e Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES —, divulgaram nesta quinta-feira, 17, uma carta aberta no jornal Folha de S.Paulo em que manifestam suas preocupações e alertas sobre os recentes posicionamentos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a respeito das diretrizes econômicas do futuro governo. O trio afirma que também compartilha da mesma “preocupação social” petista, mas ressalta que é preciso cuidado para não criar “problemas maiores” à população de baixa renda. “Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil. O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver”, diz parte do documento.
Fraga, Malan e Bacha reafirmam que “responsabilidade fiscal não é obstáculo” para que o governo federal consiga prover uma distribuição de renda aos necessitados. “Não é uma conspiração para desmontar a área social”, consideram. Os economistas também questionam se o histórico de disciplina fiscal de Lula – sempre relemrbado pelo petista em suas falas – basta para a condução de seu terceiro mandato e a conclusão é de que a garantia oral nao é o suficiente. “Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo”, concluem. A manifestação de parte dos pais do Real – já que os outros dois integrantes, Persio Arida e André Lara Resende são membros da equipe de transição -, ocorre horas após Lula minimizar a importância das oscilações de mercado, as cotações da moeda norte-americana e a Porposta de Emenda à Constituição que prevê um gasto de R$175 bilhões fora do teto de gastos com prazo indeterminado. “Se eu falar isso [da importância da aprovação da PEC da Transição] vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar. Paciência. Porque o dólar não aumenta e a bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas é por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”, afirmou o presidente eleito.
Caro presidente eleito Lula,
Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.
O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.
A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.
O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.
Vejamos por quê.
Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.
O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.
É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.
É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.
E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.
São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!
O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.
O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.
Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.
O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.
Respeitosamente,
Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan
Fonte: Jovem Pan News
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