Lançado no natal de 2021, o Telescópio Espacial James Webb (JWST) não só já está devidamente instalado em sua morada no espaço, no Segundo Ponto de Lagrange (L2) entre a Terra e o Sol, a 1,5 milhão de km do nosso planeta, como tem nos presenteado quase diariamente com imagens impressionantes e muita ciência sobre o universo.

Ainda assim, uma polêmica vem perdurando desde antes de seu lançamento. Para quem não se lembra ou não teve conhecimento do assunto, noticiado pelo Olhar Digital em outubro de 2021, mesmo após apelo da opinião pública, de diversos astrônomos e até de funcionários para que o nome do telescópio fosse trocado, a NASA decidiu manter a homenagem ao seu ex-administrador James Webb, sobre quem pesam acusações de ter cometido crime de homofobia.

James Webb
O Telescópio Espacial James Webb, que veio para revolucionar as pesquisas em astronomia, está envolvido em uma polêmica em razão de seu nome. Imagem: Dima Zel/Shutterstock

Entenda a polêmica com o nome de James Webb

James Edwin Webb foi o segundo administrador da NASA. Entre 1961 e 1968, ele supervisionou o programa Apollo, que pousou humanos na Lua, e defendeu bravamente a agenda científica da NASA, sendo essa a motivação citada em 2002, quando o então administrador Sean O’Keefe decidiu dar seu nome ao que estava sendo chamado, até então, apenas de Telescópio Espacial de Próxima Geração.

Os pedidos para que o projeto fosse renomeado foram inúmeros, baseados em avaliações de que, durante o tempo de Webb no governo federal, ele alimentou a discriminação contra pessoas LGBTQIAP+, em uma operação que foi apelidada de Pânico Lavanda. Ele também é acusado de ter permitido que a segurança da agência espacial americana interrogasse funcionários no passado por serem homossexuais.

James Edwin Webb foi administrador da NASA entre 1961 e 1968. A escolha de seu nome para batizar o mais novo telescópio espacial da agência não foi bem aceita por parte da comunidade científica, que exigiu uma alteração. Imagem: NASA – arquivo

Diante dos protestos, a NASA abriu uma investigação e, ao anunciar a decisão de manter o nome, o atual administrador da agência, Bill Nelson, foi acusado de ter sido superficial nas justificativas, o que, até hoje, não foi aceito pelos críticos.

Em julho deste ano, Paul Hertz, chefe da divisão de astrofísica da NASA, e Brian Odom, historiador-chefe interino da agência, garantiram que as investigações seriam aprofundadas, o que levantou a possibilidade de que o nome do telescópio pudesse ser modificado mesmo com o equipamento já em operação.

Hertz e Odom enfatizaram que os resultados da pesquisa seriam públicos, em contraste com as ações da NASA em setembro passado, quando a agência se recusou a compartilhar quaisquer documentos históricos consultados durante sua investigação sobre Webb.

Agora, está decidido: o telescópio vai continuar se chamando James Webb. A NASA concluiu a investigação sobre as condutas do ex-dirigente e o inocentou das acusações.

“Até o momento, nenhuma evidência disponível liga diretamente Webb a quaisquer ações ou acompanhamento relacionados à demissão de indivíduos por sua orientação sexual”, diz o relatório. “Com base nas evidências disponíveis, a agência não planeja mudar o nome do Telescópio Espacial James Webb”, diz um comunicado divulgado pela NASA nesta sexta-feira (18), anunciando o resultado da avaliação.

“Durante décadas, a discriminação contra os funcionários federais LGBTQIAP+ não foi meramente tolerada, foi vergonhosamente promovida por políticas federais”, disse Nelson. “O Pânico Lavanda, que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, é uma parte dolorosa da história da América e da luta pelos direitos LGBTQIAP+.”

Reportagem em forma de documentário da CBS sobre o Pânico Lavanda

Relatório está disponível ao público

O relatório completo, disponível on-line, tem 87 páginas, com quase metade das quais preenchida por imagens de documentos históricos considerados “evidências-chave”. 

Segundo o documento, Odom, consultou “milhares de arquivos”, enquanto um historiador independente não identificado “pesquisou mais de 50 mil páginas cobrindo o período de 1949-1969”.

Conforme detalhado no relatório, a investigação sobre as atividades de Webb se concentrou em reuniões que ele participou em 1950 e na demissão de um analista de orçamento da NASA chamado Clifford Norton em 1963.

Os relatores analisaram eventos e documentos que datam do início de 1950, quando o governo começou as perseguições. Os líderes da época consideravam a orientação sexual como um fator de risco, em parte por causa de preocupações com chantagens. Em junho daquele ano, Webb participou de duas reuniões importantes: uma com o presidente Harry Truman e outra com o senador democrata norte-americano Clyde Roark Hoey, da Carolina do Norte.

Antes de discutir esses incidentes, o relatório oferece uma história detalhada dos seis meses anteriores, concentrando-se particularmente nas atividades de John Peurifoy, então subsecretário de Estado adjunto para administração, que era o terceiro cargo no departamento, de acordo com seu obituário publicado no jornal The New York Times.

Peurifoy era um dos dois funcionários que lideravam o programa de segurança interna do departamento, segundo o relatório. Ele também serviu como representante do departamento no comitê liderado por Hoey dedicado a investigar o “problema do emprego de homossexuais e outros pervertidos sexuais no governo”.

James Webb recebeu o prêmio “Distinguished Service Medal” (Medalha de Serviços Distintos) da NASA é a maior honraria que pode ser concedida pela Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos EUA. Imagem: Creative Commons

O relatório coloca Peurifoy como um líder nas atividades anti-LGBTQIAP+ e observa que o Departamento de Estado concluiu que o Comitê Hoey teria acesso limitado ao seu secretário e subsecretário.

“Por causa disso, é uma conjectura sólida que Webb desempenhou pouca função no assunto, de uma perspectiva administrativa ou filosófica, além da reunião de 28 de junho de 1950 com o senador Hoey”, afirma o relatório, acrescentando que a investigação não encontrou nenhum documento que ligasse Webb ao comitê.

“Com base nas evidências disponíveis, o principal envolvimento de Webb foi na tentativa de limitar o acesso do Congresso aos registros pessoais do Departamento de Estado”, diz o parecer. “Durante essa reunião, Webb repassou ao senador Hoey ‘algum material sobre o assunto [da homossexualidade] que [Carlisle] Humelsine havia preparado’. Nenhuma das evidências encontradas liga Webb a ações emergentes desta discussão”.

A outra reunião analisada durante a investigação ocorreu cerca de uma semana antes. O relatório argumenta que a reunião permitiu que Truman e Webb criassem estratégias sobre como responder ao comitê sem ceder o poder da Casa Branca ao Congresso.

Sobre o caso Norton, o relatório diz que o “Esquadrão Moral” do governo avistou o então analista de orçamento e outro homem, que, separadamente, se dirigiram para o estacionamento. Esse homem disse à polícia que Norton “sentiu sua perna e estendeu um convite para seu apartamento”.

Ambos foram presos na época e levados para interrogatório. Norton negou ter feito investidas sobre o homem. No entanto, o líder do “Esquadrão Moral” ligou para o chefe de segurança da NASA, que interpelou Norton novamente e o demitiu. Mais tarde, o funcionário dispensado processou a NASA por rescisão injusta, com o tribunal decidindo a seu favor em 1969, depois que Webb já havia deixado a agência.

Tanto as reuniões de 1950 quanto o caso Norton foram apresentados por aqueles que se opõem a homenagear Webb sob a alegação de cumplicidade nos incidentes. Alguns também alegam que, quando se trata de uma honra tão prestigiada quanto ter um observatório de classe mundial com o nome de uma figura histórica, essa pessoa deve atender a um padrão mais alto do que simplesmente não haver nenhuma evidência para condená-la.

Solução: parar de dar nome de pessoas às coisas

Outros discordam sobre o peso da responsabilidade que Webb carrega. O historiador David Johnson, da Universidade do Sul da Flórida, que escreveu um livro sobre o Pânico Lavanda, diz que condenar o ex-administrador da NASA ignora o contexto da época e a força da campanha anti-LGBTQIAP+ do governo, estimando que 5 mil a 10 mil funcionários federais foram demitidos ao longo do período.

“Era rotina, era uma política padrão do governo. Não havia como Webb intervir e dizer: ‘Não, não vamos demitir essa pessoa gay’”, disse ele ao site Space.com. A mesma premissa vale para o fato de Webb não ter se oposto às práticas enquanto esteve no Departamento de Estado: “Eles não estavam se levantando e dizendo que os gays deveriam ter direitos iguais, porque ninguém estava dizendo isso em 1950, nem mesmo os gays”, disse ele.

“Se vamos culpar James Webb pelo Pânico Lavanda, teríamos que mudar os nomes de muitas coisas e muitos edifícios”, disse o historiador, destacando os centros espaciais Johnson e Kennedy. “Nenhuma dessas pessoas era particularmente ativa na perseguição aos homossexuais, mas, assim como Webb, elas estavam lá quando essa política estava em vigor”.

Para evitar polêmicas nesse sentido futuramente, Odom sugere que a agência “patre de batizar coisas com nomes de pessoas”.