“Oi sua linda! Quanto você pesa, hein?” Olha, se você iniciar um flerte dessa forma, certamente vai passar vergonha. Além de indelicada, a pergunta está mal formulada. Afinal, desde que aquela maçã caiu na cabeça de Isaac Newton, sabemos que o peso é na verdade a força de atração gravitacional entre dois corpos, e esse peso depende da massa de ambos. Dessa forma, o correto seria perguntar “qual a sua massa?” ou “qual o seu peso aqui na Terra?”.

Mas e se a “sua linda” em questão for a própria Terra? Imagine o tamanho da balança capaz de medir a massa de todo o nosso planeta. Pois no final do século XVIII, um físico e químico franco-britânico criou, na bancada de seu laboratório, um experimento que mediu com precisão a massa da Terra e que foi de fundamental importância para a conquista do espaço dois séculos depois.

Henry Cavendish nasceu em Nice, na França, e perdeu sua mãe com menos de 2 anos de idade, sendo criado por seu pai, Charles, que era cientista. Foi com seu pai que Cavendish teve seu primeiro contato com a Ciência, frequentando seu laboratório desde criança. Já adulto, mesmo já sendo famoso por descobrir o hidrogênio, Cavendish era um cara muito quieto e levava pouco jeito com as mulheres, até que um dia, olhou para a Terra e perguntou: qual a sua massa, hein?

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Gravura e assinatura do químico e físico, Henry Cavendish – Imagem: George Wilson

O objetivo final era calcular a densidade do planeta. Como já conhecíamos seu diâmetro e, consequentemente, seu volume, faltava “apenas” medir sua massa para chegar à densidade. E para responder àquela pergunta indiscreta, Cavendish preparou um experimento usando uma balança de torção e muita física. 

A balança de torção é um instrumento inventado em 1777 para medir forças muito muito fracas. Só que Cavendish aprimorou a balança de torção para medir a atração gravitacional entre duas pequenas esferas metálicas. 

A chamada “balança de Cavendish” possuía duas barras horizontais. A primeira, era fixa e sustentava, nas suas extremidades, duas grandes esferas metálicas, enquanto a outra, com duas pequenas esferas em cada ponta, era sustentada por um único fio preso no centro. Ao rotacionar a barra fixa para aproximar as esferas maiores das menores, a atração gravitacional entre elas provoca uma pequena torção no fio. E foi medindo a força dessa torção que Cavendish calculou a massa da Terra.

Mas como é possível calcular a massa da Terra medindo a atração gravitacional de esferas metálicas?

Essa é a parte mais bonita dessa história. 

O trabalho de Isaac Newton, publicado em 1687, trouxe ao mundo os princípios da gravitação universal que nortearam a Física por mais de 200 anos. Segundo Newton, dois corpos se atraem gravitacionalmente por meio de uma força diretamente proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Mas sua formulação matemática estava incompleta, porque também dependia de uma constante “G”, ou “Constante Gravitacional Universal”, que Newton não havia conseguido determinar.

E foi justamente essa constante G, que Cavendish se dispôs a calcular com seu experimento. Como ele conhecia a massa das esferas metálicas e a distância que as separava, se conseguisse medir a força de atração gravitacional entre as esferas, poderia isolar e calcular a “Constante Gravitacional Universal”. E foi isso que ele fez em seu experimento entre os anos de 1797 e 1798. Depois de mais de um século, finalmente a constante G havia sido determinada por Cavendish. O valor calculado por ele foi de 6,74 x 10-11 Nm²/kg². O melhor valor aceito atualmente é de 6,674184 x 10-11 Nm²/kg², apenas 1% a menos que o calculado por Cavendish.

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Esquema da balança de torção usada no experimento de Cavendish – Gravura: Henry Cavendish

Isso foi algo extremamente importante para a Física e até para a nossa exploração espacial. Conhecer o valor da Constante Gravitacional Universal é essencial para calcular as órbitas dos satélites, as trajetórias das nossas sondas e as manobras de “estilingue gravitacional” utilizadas em nossas viagens pelo espaço. Mas como isso permitiu que Cavendish calculasse a massa da Terra?

Bom, ocorre que aqui na superfície da Terra, a força de atração gravitacional que age sobre um corpo qualquer é igual ao seu peso, que pode ser calculado pelo produto de sua massa pela aceleração da gravidade. Sabendo disso, é possível fazer um arranjo na Fórmula da Gravitação Universal que nos permite calcular a massa da Terra a partir do seu raio (que é a distância entre os centros de gravidade do corpo e da Terra), da aceleração da gravidade na superfície (cujo valor de 9,8 m/s² já era conhecido) e da constante G, que Cavendish acabara de calcular. 

O Experimento de Cavendish permitiu que ele calculasse a massa da Terra em 5,93 sextilhões de toneladas, apenas 0,6% a menos que o valor aceito atualmente. Um resultado extremamente preciso para um experimento tão simples e genial realizado por Henry Cavendish, o cara que pesou a Terra, há mais de 200 anos!