Em setembro de 1987 aconteceu o acidente com o Césio-137 (137Cs) em Goiânia, capital de Goiás. O manuseio indevido de um aparelho de radioterapia abandonado, onde funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia, provocou um desastre que atingiu centenas de pessoas, direta e indiretamente.
Segundo a Secretaria de Saúde do estado, a fonte, com radioatividade de 50.9 Tbq (1375 Ci) continha cloreto de césio, composto químico de alta solubilidade. O 137Cs, isótopo radioativo artificial do Césio, tem comportamento no ambiente semelhante ao do potássio e outros metais alcalinos, podendo ser concentrado em animais e plantas.
Com a violação do equipamento, foram espalhados no meio ambiente vários fragmentos de 137Cs, na forma de pó azul brilhante, provocando a contaminação de diversos locais, especificamente naqueles onde houve manipulação do material e para onde foram levadas as várias partes do aparelho de radioterapia.
Por conter chumbo, material de relativo valor financeiro, a fonte foi vendida para um depósito de ferro-velho, cujo dono a repassou a outros dois depósitos, além de distribuir os fragmentos do material radioativo a parentes e amigos que, por sua vez, os levaram para suas casas.
Segundo os jornais e meios de comunicação da época, bem como informações oficiais do governo goiano, as pessoas que tiveram contato com o material radioativo – direto na pele (contaminação externa), inalação, ingestão, absorção por penetração através de lesões da pele (contaminação interna) e irradiação – apresentaram, desde os primeiros dias, náuseas, vômitos, diarreia, tonturas e lesões do tipo queimadura.
Algumas delas buscaram assistência médica em hospitais locais até que a esposa do dono do depósito de ferro-velho, suspeitando que aquele material tivesse relação com o mal-estar que se abateu sobre sua família, levou a peça para a Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde, onde finalmente o material foi identificado como radioativo.
Principais vias de exposição à radiação do Césio-137
Devido às características do acidente, as vias potenciais de exposição da população à radiação foram: inalação de material de ressuspensão e ingestão de frutas, verduras e irradiação externa devido ao material depositado no ambiente.
De acordo com Luiz Antonio Andrade de Oliveira, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), câmpus de Araraquara, elementos radioativos superpesados demoram muito tempo para se desintegrar na natureza, emitindo radiação durante todo esse período.
No caso do Césio-137, sua meia vida física é de cerca de 33 anos. A meia vida de um elemento radioativo é o intervalo de tempo em que uma amostra desse elemento se reduz à metade. Esse intervalo de tempo também é chamado de período de semidesintegração.
Em entrevista ao Olhar Digital, Oliveira, que é graduado em Química pela Unesp e doutor em Química Inorgânica pela Universidade de São Paulo (USP), explicou que, por essa razão, é extremamente perigoso manipular elementos como esse. As consequências, segundo ele, dependem do tempo de exposição e da dose.
“A recomendação principal é não manipular esse tipo de substâncias”, alerta o professor. “Se houver contato com a pele, lavar abundantemente com água e sabão. Se inalado ou ingerido, a situação é mais complicada. O primeiro problema é a pessoa reconhecer que ela lidou com substâncias radioativas”.
Casos como o acidente de Goiânia, em que há algum fenômeno que chame a atenção da pessoa, (por exemplo, a emissão de luz azulada pelo Césio em elevado grau de pureza), são mais fáceis de serem identificados, mas, geralmente, os contaminados por elementos radioativos não identificam de imediato o problema.
“Naquele caso, as pessoas que ingeriram o Césio em elevada concentração foram tratadas em hospitais com substâncias para tentar retirar o Césio-137 do organismo. Mesmo assim, muitas delas morreram”, disse o professor.
Ele comparou com o caso do menino norte-americano que tentou construir um reator nuclear caseiro em 1995, colocando mais de 40 mil pessoas em risco na vizinhança. “No caso do rapaz dos EUA, como ele deveria ter quantidades pequenas e de grau baixo de material radioativo, geralmente encontrados na forma de traços nas lâmpadas, pilhas, detectores, etc, não se esperaria algo tão dramático como o ocorrido em Goiânia. Provavelmente, se inalado ou ingeridos em pequeníssimas quantidades, o efeito poderia se manifestar após um período longo”, explica Oliveira.
Consequências na saúde dos afetados
Em Goiânia, no total, foram monitoradas 112.800 pessoas, das quais 249 apresentaram significativa contaminação interna e/ou externa, sendo que em 120 delas a contaminação era apenas em roupas e calçados, e as mesmas foram liberadas após a descontaminação.
As outras 129 passaram a receber acompanhamento médico regular. Destas, 79 com contaminação externa receberam tratamento ambulatorial; dos outros 50 radioacidentados com contaminação interna, 30 foram assistidos em albergues em semi-isolamento, e 20 foram encaminhados ao Hospital Geral de Goiânia. Destes últimos, 14 em estado grave foram transferidos para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, onde quatro deles foram a óbito, oito desenvolveram a Síndrome Aguda da Radiação (SAR), 14 apresentaram falência de medula óssea e um sofreu amputação do antebraço.
No total, 28 pessoas desenvolveram em maior ou menor intensidade, a Síndrome Cutânea da Radiação (as lesões cutâneas também eram ditas “radiodermites”). Os casos de óbito ocorreram cerca de quatro a cinco semanas após a exposição ao material radioativo, devido a complicações esperadas da SAR – hemorragia (dois pacientes) e infecção generalizada (também dois pacientes).
Para realizar o monitoramento sobre os efeitos da exposição à radiação ionizante nas pessoas que foram vítimas do acidente, o governo goiano criou, em fevereiro de 1988, a Fundação Leide das Neves Ferreira. Foram definidos grupos de monitoramento dos pacientes, de acordo com normas internacionais, que consideram como critérios de classificação a gravidade das lesões cutâneas e a intensidade da contaminação interna e externa, e que determinou a metodologia dos protocolos de acompanhamento médico.
Os cálculos de dose das pessoas foram feitos com base nos resultados dos exames de dosimetria citogenética, para avaliação da exposição externa; e de análise de excretas e contador de corpo inteiro para avaliação da contaminação interna.
Pela técnica de dosimetria citogenética estima-se a dose recebida através de aberrações cromossomiais causadas pela radiação. A dose estimada é proporcional ao número de aberrações existentes. A técnica de análise de excretas é chamada de monitoração in vitro, e a de contador de corpo inteiro – detectores de radiação são colocados próximos ao corpo e inferem a quantidade de material radioativo incorporado e subsequentemente a dose – monitoração in vivo.
Lixo radioativo
Segundo a Secretaria de Saúde de Goiás, o acidente com o Césio-137 gerou 3.500 m3 de lixo radioativo, que foi acondicionado em contêineres concretados. O repositório definitivo desse material fica na cidade de Abadia de Goiás, a 23 km de Goiânia, onde a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) instalou o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste, que executa a monitoração dos rejeitos radioativos e controle ambiental.
Sem dúvida, o Acidente Radiológico com o Césio-137 forneceu ensinamentos e possibilitou aprendizados para todo o mundo, em todas as áreas do conhecimento humano. Das várias lições aprendidas com o acidente, destaca-se a que trata da nossa responsabilidade em conhecer as consequências de se lidar com ciência e tecnologia, e ampliarmos os cuidados que priorizam a ética e o respeito à vida.
Fonte: Olhar Digital
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