Bilionário tenta pôr em prática plano de oferecer liberdade irrestrita, mas enquete mostra que muita gente não gostou da nova gestão da plataforma
No ano de 2022, Elon Musk, tido por muitos como o homem mais rico do mundo, concretizou a compra do Twitter por US$ 44 bilhões. Entretanto, o sonho declarado do bilionário de adquirir a rede social com o objetivo de aumentar a liberdade de expressão na plataforma não foi nada fácil de se concretizar, com um imbróglio jurídico que se arrastou desde abril desde ano e diversas controvérsias a respeito do comando de Musk. Recentemente, o empresário foi contestado pelos próprios usuários ao questioná-los se deveria se retirar como CEO da plataforma. “Devo renunciar à chefia do Twitter?”, perguntou o empresário em uma enquete feita em 19 de dezembro na qual 57,5% das mais de 17 milhões de contas que responderam se manifestaram a favor da saída. Enquanto a permanência de Musk segue incerta, o site da Jovem Pan relembra os pontos mais importantes da aquisição da rede social nesta retrospectiva.
Após uma série de especulações e declarações de interesse de Musk em comprar o comando do Twitter, as duas partes assinaram um contrato no final de abril, selando a compra da rede social. Contudo, em julho, o bilionário anunciou a intenção de desistir do acordo, o que abriu as portas para uma batalha judicial. O acordo, chamado de merger agreement, tinha uma cláusula contratual que estabelecia, em caso de desistência, uma multa de rescisão de US$ 1 bilhão, caso uma das partes não cumprisse o combinado. O fundador da Tesla justificou sua decisão de desistir do negócio de compra ao alegar que a proporção de contas automatizadas na rede social, os chamados “bots”, era muito superior aos 5% que a empresa havia declarado.
Antes mesmo da compra, Musk bombardeou o Twitter com críticas e acusações sobre a rede social censurar usuários e não combater suficientemente spams e contas falsas. De acordo com Marcelo Godke, advogado especialista em Direito Empresarial, Societário e Mercado de Capitais e professor do Insper, da FAAP e do CEU Law School, foi especulado que a suposta desistência se trataria de uma manobra: “O que se cogitou no mercado é que ele queria rever o preço da aquisição. É possível, mas a gente não vai ter muita certeza disso. Ele disse que as informações que foram passadas eram de um certo número de contas falsas e, na verdade, esse número de contas falsas seria muito maior. Qual é o problema disso? Em tese, isso pode representar um faturamento menor do que o esperado”.
As alegações do bilionário ganharam força quando, no final de agosto, Peiter Zatko, ex-chefe de segurança do Twitter, demitido em janeiro, acusou a plataforma de falhas na segurança em um relatório enviado às autoridades americanas. Entretanto, a acusação não conseguiu ser sustentada pelos advogados de Zatko. O argumento ficou ainda mais fraco quando a defesa do Twitter apresentou dois relatórios de empresas de análise de dados contratadas por Musk, a Cyabra e a CounterAction, que avaliaram o número de contas falsas em uma faixa entre 11% e 5,3%, valores inferiores aos alegados pelo empresário.
Com o julgamento adiado até novembro deste ano, Musk teve que agir rápido e acabou fechando o acordo inicial de compra no início de outubro. “A questão é, ninguém sabe exatamente o motivo. Mas ele falou em desistir, teve o processo e o processo parecia acabar com o merger agreement [acordo de fusão]. Era uma operação que começou, em tese, como hostil, passou a ser negociada, foi assinado o acordo, o acordo poderia ser descumprido e no final ele acabou sendo cumprido e o Elon Musk acabou comprando”, explicou Marcelo Godke. Apesar de meses arrastados com brigas jurídicas e repercussão intensa na mídia, o professor do Insper explica que tais movimentações já foram mais comuns nos Estados Unidos, dentro do chamado market for corporate control (mercado de controle corporativo), que trata dessas aquisições do controle de grandes empresas de capital aberto.
“Esse imbróglio, na verdade, é algo que era extremamente comum nos Estados Unidos na década de 80. Para você ter ideia, esse mercado de controle, o market for corporate control, era tão tão agitado nos Estados Unidos, que teve um pedaço pequeno da década de 80 em que essas ofertas hostis de controle de companhia aberta aconteciam de três a quatro vezes por dia. Então era : ‘Quem vai sofrer a aquisição hostil de controle hoje?’. Ah, a Vale do Rio Doce, a Compac, a IBM. Então, eram duas a quatro, ou até mais, ofertas de controle por dia em um período da década de 80. Então, é um negócio meio comum. Agora, a grande questão da mídia é que essas operações existem, elas só não são tão comuns mais, mas elas existem. Não naquele volume da década de 80. E também tinha uma questão da liberdade de expressão”, detalhou o professor a respeito das polêmicas que envolveram o caso.
“O pássaro é livre”, tuitou Elon Musk em alusão ao pássaro azul, logotipo do Twitter, ao concluir a compra da companhia depois de meses de incertezas e especulações. Na esfera digital, a compra foi recebida com receio por setores mais à esquerda e com comemoração por expoentes da direita nacional e internacional. A maioria dos apoiadores ficou contente com a ideia de flexibilizar as regras e a moderação de conteúdos para garantir a diversidade de ideias. “É importante para o futuro da civilização ter uma praça pública online, onde uma grande variedade de opiniões possa ser debatida de forma saudável, sem recorrer à violência”, escreveu o magnata logo após adquirir o controle da plataforma, mas ponderou que a rede social “não pode ser um lugar infernal aberto a todos, onde seja possível dizer tudo sem consequências”.
Com o retorno da conta do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o início de cobrança para ser verificado na plataforma, demissões em massa e o restabelecimento de diversos perfis que haviam sido banidos, Musk começou a ditar seu plano de expandir a liberdade em seu mais novo império. Para Marcelo Godke, o argumento de que a rede social estaria “cerceando” a liberdade de expressão tem certo fundamento: “A liberdade de expressão é importante, tanto para um lado, quando para outro. O que importa é sempre ter um debate público. Você pode até não gostar do posicionamento do outro, mas se a gente cala um lado, o próximo a ser calado vou ser eu. Esse é o problema da ausência de liberdade de expressão. Esse é um debate bastante importante e hoje já se sabe que a liberdade de expressão dentro do Twitter estava sendo cerceada”.
O advogado explica como funciona esse mecanismo: “O que a lei americana fala é o seguinte. Se você é uma empresa de conteúdo em que você edita e editora o conteúdo, então você se torna responsável se alguma coisa for postada lá e aquilo, por exemplo, caluniar alguém. Se eu falo que alguém é ‘fascista’ e posto lá aquele conteúdo. Se naquela rede social onde eu postei não existe nenhum freio, a rede social não vai ter responsabilidade. A questão é saber se a rede social teria uma responsabilidade por isso”.
“Ela poderia controlar em alguns casos. Se estivessem planejando colocar fogo em algum lugar. Aí eles tiram isso para não colocar fogo. Se estão planejando um assassinato. Algumas coisas ela pode. Se ela não controla muito o conteúdo, só com essas raras exceções, a rede social não pode ser condenada por conta disso. Mas, a partir do momento que edita o conteúdo, aí a plataforma se torna responsável pelo discurso que está lá. Todas as redes sociais querem ter os dois benefícios, conseguir controlar o conteúdo, mas não querem ter o fardo de ser indenizada. Essa é a grande discussão que existe nos Estados Unidos até hoje”, detalhou.
Apesar da intenção de diminuir as restrições no Twitter, recentemente Elon Musk voltou a ser criticado após suspender as contas de diversos jornalistas estadunidenses que cobriam o bilionário, o que gerou ameaças de sanções por parte da União Europeia. A lista de profissionais da imprensa suspensos da rede social foi extensa, incluindo funcionários de veículos como CNN (Donie O’Sullivan), The New York Times (Ryan Mac), The Washington Post (Drew Harwell) e jornalistas independentes. No dia 16 de dezembro, o dono da plataforma alegou que as suspensões vieram após sua família ter sido perseguida e que isso estaria relacionado ao perfil identificado como “ElonJet”. Criado por um estudante e seguido por cerca de 500 mil pessoas, “ElonJet” usou dados públicos para rastrear automaticamente o jato do magnata.
Acusado de perseguir estes jornalistas, Musk foi alvo de uma forte repercussão negativa. Stephane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, chegou a afirmar que “a decisão cria um precedente perigoso, no momento em que jornalistas de todo o mundo enfrentam censura, ameaças físicas e coisas piores”. Também há reclamações sobre as novas funções da rede social — muitos usuários se queixam que a timeline mudou drasticamente nas mãos do sul-africano. Após as críticas, o bilionário organizou uma votação no Twitter para saber se deveria restabelecer as contas imediatamente ou em uma semana. Cerca de 59% dos 3,69 milhões de usuários que participaram do pleito votaram pelo restabelecimento imediato, o que foi feito com boa parte das contas excluídas. A cada nova votação ou polêmica, o comando de Musk à frente da rede social é contestado. Por isso, é impossível prever o que acontecerá com o Twitter a partir de 2023. A única certeza é a de que o pensamento megalomaníaco e incisivo de um dos homens mais ricos do mundo faz com que as coisas fiquem longe da estabilidade na plataforma que mais movimenta opiniões políticas ao redor do globo.
Fonte: Jovem Pan News
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