Enquanto o Brasil e o mundo se escandalizam com a situação desumana em que vive a comunidade yanomami de Roraima, onde a desnutrição e as doenças causadas pelo consumo de água contaminada por mercúrio matou mais de 500 crianças, uma espécie de “tragédia anunciada” acontece na Reserva Indígena de Dourados, que abriga 18 mil indígenas que vivem em Dourados e é a maior reserva indígena do país. O fato não é novo: assim como os yanomamis hoje, em 2005 a desnutrição, que já existia nos anos anteriores, explodiu na Reserva, motivando a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso Nacional e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa.
Neste 07 de fevereiro, quando de celebra o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, infelizmente as notícias constantes nesta reportagem de O Progresso não são boas. O alarde criado pela divulgação e pela mobilização nacional e internacional obrigou as autoridade a tomada de medida para amenizar a situação e a desnutrição diminuiu, mas agora além da fome (que ainda existe) outro drama acomete a comunidade da Reserva: a falta de água para beber, que é talvez o mais elementar direito de um ser humano.
A quatro quilômetros do centro de Dourados, a reserva de 3,5 mil hectares faz divisa com o anel viário e é ladeada por plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e condomínios de luxo. Nesses bairros, a água chega tranquilamente. Todos os moradores que fazem divisa com a aldeia têm água 24 horas. Mas, ao atravessar a rua e pisar na Reserva, a realidade é bem outra. O sistema de água da aldeia Bororó foi implantado pela Fundação Nacional de Saúde, a Funasa, extinta com a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) , a qual foi repassada a responsabilidade de coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS).
Na década de 90, que com o passar dos anos, sofreu inúmeras ampliações desordenadas devido ao crescimento populacional acelerado, que deixou o sistema de distribuição de água, implantado na década de 90, totalmente obsoleto, deixando sem água quase que a totalidade das residências. A maneira encontrada pelos índios para terem acesso à água leva a um paralelo com a situação vivida pelo yanomamis, cuja causa principal das doenças e mortes é o consumo de água contaminada pelo mercúrio dos garimpos. Se lá o problema é o mercúrio, aqui o perigo é o agrotóxico: a área no entorno da reserva indígena recebe pulverização, e esses agrotóxicos contaminam as nascentes usadas pelos moradores Indígenas para coletar água em baldes e galões. Por ironia, os galões são os mesmos que trazem os agrotóxicos usados nas lavouras. Os casos de diarreia, dor de cabeça, vômito e outras doenças são comuns e crescem a cada dia, sobretudo nas crianças. A desnutrição vem a reboque e na mesma velocidade.
Uma alternativa para amenizar o problema seria a construção de mais poços artesianos, mas o que a população da Reserva quer mesmo é a entrada na Reserva da Sanesul, a estatal responsavel pelo saneamento e abastecimento de água para a população não-india em todo o estado.A medida esbarra na burocracia, no jogo de empurra e na legislação ultrapassada e que trata da mesma forma as aldeias com grandes extensões de terra e pouca densiadde demográfica e as aldeias com pouca terra e muita gente e localizadas próximas ou, no caso de Dourados, praticamente dentro do perímetro urbano. Acionada pela reportagem, o Departamento de Águas da Sanesul deu uma resposta lacônica: “Esta Sanesul declara não operar em nenhuma dessas áreas”, referindo-se às aldeias Jaguapirú, Bororó e Panambizinho.
Ainda que a desnutrição tenha diminuído consideravelmente de 2005 para cá, é consenso a necessidade de políticas públicas mais eficazes para a Reserva, que é praticamente um bairro de Dourados. Para o advogado Wilson Matos, membro da entidade Observatório Indígena “Muitas políticas úteis e necessárias foram implementadas, mas não o suficiente para se afirmar que a desnutrição foi totalmente debelada. A desnutrição é um mal que vive a rondar as nossas comunidades seja, pela pobreza extrema que ronda nossas comunidades, seja pelo abandono do estado nas três esferas de poder, com a ênfase para o distanciamento dos municípios, salvo algumas exceções”.
Uma das causas dessa situação que sem um intervenção oficial caminha para reprisar a tragédia yanomami pode ser a falta de estrutura da SESAI. Entrevistado que preferiu não se identificar apontou e medicamento, de profissionais e até de gasolina (” sempre falta”), o que impede o órgão de transportar as pessoas para fazer tratamento. Procurado paea se manifestar, a direção do órgão afirmou ser necessária autorização do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/MS), localizado em Campo Grande. Em contato com a reportagem, a Assessoria de Comunicação do DSEI indicou que o posicionamento fosse buscado junto à sede do órgão em Brasília, o que foi tentado sem sucesso em diversas ligações telefônicas.
Esse cenário, traçado de forma sucinta, já é conhecido pela recém empossada ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara, que disse em entrevista ao jornal Estadão que “existe uma crise em MS”. A esperança de lideres indígenas e da comunidade das aldeias em geral é que a próxima parada do Ministério, hoje ocupado em resolver a tragédia Yanomami, seja em Mato Grosso do Sul. Mais especificamente nas aldeias de Dourados.
Fonte: Dourados Agora




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