Os veículos elétricos se tornaram protagonistas no discurso sobre a redução de emissão de gases do efeito estufa no mundo. Porém, existe um lado obscuro no desenvolvimento dessa tecnologia que só está sendo popularizado mais recentemente. Trata-se de um efeito colateral na produção desses veículos.
Um dos exemplos mais fortes que temos atualmente é o Parque Industrial Morowali da Indonésia (mais conhecido pela sua sigla em inglês IMIP), avaliado em US$ 15 bilhões. Esse complexo industrial tem uma área de 3 mil hectares com siderúrgicas, usinas de carvão, processadores de manganês, além de uma infraestrutura com aeroporto e porto marítimo próprios.

Embora outras atividades aconteçam neste complexo industrial, vale destacar que ali é o epicentro mundial na produção de níquel – um metal crucial para a produção de baterias usadas em veículos elétricos. Estima-se que a Indonésia seja responsável por quase metade da produção de níquel no mundo.
Indonésia: berço de veículos elétricos
Três acontecimentos transformaram a Indonésia em polo para a produção de veículos elétricos. O primeiro, mais óbvio, é a crescente demanda por esse tipo de veículos no mundo inteiro.
Outro motivo são as interrupções de fornecimento de suprimentos necessárias para a indústria automotiva causadas pela guerra entre a Rússia e Ucrânia.
Por fim, a Indonésia abriga os maiores depósitos de níquel do mundo. Até há cerca de uma década, o minério era embarcado sem processamento. Porém, em uma tentativa de atrair investimentos, o governo proibiu sua exportação.

Pouco antes de a proibição entrar em vigor, uma joint venture anunciou a criação do IMIP. De lá para cá, o parque industrial só cresceu e a produção de níquel vai muito bem. Entre os anos de 2020 e 2022, a produção de níquel na Indonésia mais que dobrou, alcançando 1,6 milhão de toneladas.
O futuro também parece promissor para o parque industrial. Em 2022, um consórcio liderado pela LG Energy Solution, a segunda maior fabricante de baterias para veículos elétricos no mundo, assinou um contrato de US$ 9 bilhões com mineradoras locais.
Já a Tesla fechou um acordo de US$ 5 bilhões com duas empresas chinesas que trabalham no IMIP – o que demonstra a dominação da China na cadeia de fornecimento de veículos elétricos. Além disso, a startup estadunidense quer abrir sua própria fábrica no país do Sudeste Asiático.
Impacto social
Conforme o parque industrial cresceu, impactos sociais e ambientais também aumentaram. Trabalhadores afirmam que mortes e lesões são comuns no IMIP. Já médicos e ambientalistas dizem que o ar e a água poluídos estão causando doenças, incluindo problemas respiratórios e ferimento nos olhos.
A exploração do trabalho, as injustiças econômicas e a degradação ambiental estão minando a transformação socioecológica prometida pelos veículos elétricos.
Pius Ginting, coautor de um relatório da Fundação Rosa Luxemburgo sobre o setor
A pressa para expandir a produção levou as comunidades locais e a infraestrutura à beira do colapso. De acordo com o Ministério de Recursos Humanos da Indonésia, o IMIP tinha 28 mil funcionários em 2019, 43 mil em 2020 e 66 mil atualmente. No entanto, a população local estima que seja pelo menos o triplo disso.
Muitos dos trabalhadores ouvidos pela Wired afirmam que trabalham até 15 horas por dia e ganham menos de US$ 25 – menos do que a média de US$ 30 do país – e alguns não tiveram um dia de folga em três meses.
Diante das condições precárias, os trabalhadores convocaram uma greve de 11 a 14 de janeiro deste ano. No último dia, mais de 500 seguranças foram enviados ao parque e, segundo os trabalhadores, foram disparados tiros de metralhadora contra a multidão. Segundo relatórios oficiais, dois trabalhadores morreram e 71 foram presos.
E o meio ambiente?
No aspecto ambiental, o setor de níquel da Indonésia é “particularmente intensivo em carbono e prejudicial ao meio ambiente”, devido à sua dependência do carvão, informou um relatório do Brookings Institute publicado em setembro.

Outra análise, feita pelo Greenpeace, aponta que mais de 8,7 mil hectares de floresta tropical foram destruídos onde fica a sede do parque industrial desde 2000. As árvores foram derrubadas para dar lugar a minas, fundições e a infraestrutura necessária.
A erosão da paisagem tornou-a propensa a desastres naturais, como desmoronamentos e inundações. Além disso, a poluição provocou a morte de peixes.
No entanto, apesar das evidências prejudiciais, a indústria ainda está se expandindo. A consultoria de pesquisa automotiva Virta prevê que haverá 140 milhões de veículos elétricos nas estradas em todo o mundo até 2030, contra 16 milhões em 2021.
Com isso, os proprietários do IMIP estão dobrando o tamanho do local e estão construindo um segundo parque, chamando Parque Industrial Weda Bay, nas vizinhas Ilhas Maluku, com 5 mil hectares.
Via Wired.
Fonte: Olhar Digital
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