Há séculos, o clima de Marte tem sido objeto de interesse científico. Apesar de ser menor e bem mais distante do Sol que a Terra, o Planeta Vermelho apresenta similaridades climáticas importantes com o nosso mundo, tais como a presença de uma atmosfera, capa de gelo nos polos, mudanças sazonais e a presença observável de padrões climáticos. 

Um redemoinho de poeira na superfície de Marte, capturado pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da NASA, em 2012. Crédito: NASA/JPL-Caltech

Por lá, tempestades e redemoinhos de poeira acontecem regularmente, mas é no período do verão no hemisfério sul de Marte que elas se tornam bastante perigosas, cobrindo áreas imensas durante semanas.

Uma vez a cada três anos marcianos (equivalente a cerca de cinco anos e meio terrestres), as tempestades podem se tornar grandes o suficiente para abranger todo o planeta e durar até dois meses.

Especialistas dizem que essas tempestades desempenham um papel importante nos processos dinâmicos que moldam a superfície marciana.

Quando elas são especialmente fortes, o atrito entre os grãos de poeira faz com que eles se tornem eletrificados, transferindo cargas positivas e negativas através da eletricidade estática.

Uma pesquisa publicada nesta sexta-feira (24) na revista Geophysical Research Letters, liderada pela cientista planetária Alian Wang, da Universidade de Washington, EUA, sugere que essa potência elétrica pode ser a principal força motriz do ciclo do cloro marciano. 

Esse processo poderia explicar os abundantes percloratos e outros produtos químicos que as missões robóticas já detectaram no solo do planeta.

Wang e sua equipe demonstraram em seu estudo como a descarga elétrica causada por tempestades de poeira poderia ser responsável pela decomposição de sais de cloreto e pela criação de cloro atmosférico e outros compostos químicos encontrados na superfície (cloratos, percloratos e carbonatos).

O cloro de Marte

Em Marte, o cloro é considerado um dos cinco “elementos móveis”, sendo os outros hidrogênio, oxigênio, carbono e enxofre. Isso significa que o cloro é transferido entre a superfície marciana e a atmosfera em diferentes formas.

Ele existe na forma gasosa na atmosfera, enquanto depósitos de cloreto são encontrados em toda a superfície. Esses depósitos são semelhantes às salinas encontradas em toda a Terra.

Assim como acontece por aqui, esses depósitos de cloreto provavelmente são restos secos de poças salgadas de água que existiam na superfície. Acredita-se que eles se formaram a partir de interações entre a superfície e a atmosfera durante o chamado “período amazônico” – era geológica iniciada há cerca de 3 bilhões de anos, quando Marte ainda estava em transição de um ambiente mais quente e úmido para o que vemos lá hoje (extremamente frio e seco).

Como não há mais troca entre a superfície e a atmosfera, os cientistas se perguntavam como os depósitos atmosféricos de cloro e cloreto poderiam estar ligados.

Em seu novo estudo, Wang e seus colegas demonstraram que as descargas elétricas causadas por tempestades de poeira são uma maneira eficiente de troca de cloro entre a superfície e o ar. 

Imagem de uma tempestade de poeira marciana adquirida pela Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da NASA, em 2007. Crédito: NASA/JPL-Caltech

Segundo o site Science Alert, a hipótese de que tempestades de poeira possam ser uma fonte de química reativa em Marte foi proposta pela primeira vez quando as missões Viking 1 e 2 pousaram no planeta, na década de 1970.

No entanto, os efeitos químicos das atividades de poeira foram difíceis de estudar desde que o módulo de pouso Schiaparelli, da Agência Espacial Europeia (ESA) – que estudaria o fenômeno – caiu na superfície, em 2016.

Como resultado, os cientistas tiveram que se ater à modelagem climática e aos estudos experimentais, incluindo pesquisas que o próprio Wang e outros cientistas planetários fizeram nos últimos anos.

Esses estudos mostraram que quando as descargas eletrostáticas interagem com sais de cloro em um ambiente rico em dióxido de carbono (como a atmosfera marciana), o gás cloro é liberado e percloratos e carbonatos podem ser gerados.

Um relâmpago diferente

Com a abordagem mais recente de Wang, foi a primeira vez que cientistas planetários tentaram quantificar quanto desses produtos químicos são produzidos durante as tempestades de poeira marcianas.

Isso foi feito por meio de uma série de experimentos na Câmara de Análise e Ambiente Planetário da Universidade de Washington (PEACh), onde a equipe submeteu vários sais minerais de cloreto comuns a descargas elétricas em condições semelhantes às de Marte.

Eles descobriram que as descargas elétricas foram responsáveis pelas concentrações globais muito altas de compostos de perclorato e carbonato no solo marciano – embora as taxas de formação fossem ligeiramente menores. O experimento também mostrou que as faixas de concentração observadas poderiam ser acumuladas dentro da metade do período amazônico.

Por fim, os altos rendimentos podem explicar as altas concentrações atmosféricas de cloreto de hidrogênio observadas durante as tempestades de poeira de 2018 e 2019. 

“A alta taxa de liberação de cloro de cloretos comuns revelada por este estudo indica um caminho promissor para converter cloretos de superfície para as fases gasosas que agora vemos na atmosfera”, disse Kevin Olsen, pesquisador da Universidade Aberta e coautor do novo estudo. “Essas descobertas oferecem suporte de que as atividades de poeira marciana podem impulsionar um ciclo global de cloro”.

Outra conclusão interessante deste estudo foi como a equipe teorizou como as descargas eletrostáticas poderiam se parecer em Marte. Segundo a pesquisa, a descarga não se pareceria com um raio. Em vez disso, seria mais como um brilho, devido à fina atmosfera marciana. “Pode ser um pouco como a aurora em regiões polares da Terra, onde elétrons energéticos colidem com elementos químicos atmosféricos diluídos”, disse ela.