Desde o fim do Século XIX, as mulheres estão tendo uma participação cada vez maior e mais decisiva na Astronomia. Muitas das maiores descobertas e dos grandes feitos da história da Astronomia e da Astronáutica do último século, tiveram importantes contribuições de brilhantes mentes de mulheres que romperam as barreiras do preconceito para conquistar uma posição de destaque na Ciência.

Foi a partir do trabalho de Henrietta Leavitt, por exemplo, que Edwin Hubble realizou uma das mais importantes descobertas da Cosmologia atual: a de que o Universo está em expansão. Mais de meio século depois, o nome de Hubble foi emprestado ao telescópio espacial construído para enxergar as mais distantes galáxias do Cosmos. 

Os excelentes resultados alcançados na pesquisa de Hubble só foram possíveis graças ao trabalho genial de Leavitt, e da mesma forma, o Telescópio Espacial Hubble talvez nem existisse, não fosse o trabalho fabuloso de uma mulher muito especial: Nancy Grace Roman.

A ideia de criar um grande telescópio que pudesse operar no espaço não era nova. Era algo sonhado por várias gerações de astrônomos. Livre das condições meteorológicas, da turbulência atmosférica e do filtro natural da nossa atmosfera, que bloqueia alguns comprimentos de ondas, um telescópio espacial poderia captar imagens mais limpas e mais profundas do nosso Universo. 

Mas para tornar isso uma realidade, a NASA precisava de alguém capaz de reunir os melhores cientistas para desenvolver o projeto, capaz de convencer os políticos sobre a importância do instrumento, e força, para liderar a equipe que construiria o maior e mais importante telescópio espacial da humanidade, até então. 

Nancy Grace Roman nasceu em Nashville, nos Estados Unidos, em 1925. Justamente na época das grandes descobertas de Hubble. Depois de sua família  se mudar de cidade algumas vezes, se estabeleceu em Reno, no estado de Nevada.  Lá, livre da luminosidade das grandes cidades, ela conheceu um céu verdadeiramente escuro e se apaixonou pelas estrelas. E essa paixão guiou a sua vida daí para frente.

Entre a quinta e a sexta série, fundou um clube de astronomia com seus amigos para estudar as constelações, e na sétima série, mesmo sabendo de todas as dificuldades que enfrentaria, decidiu que queria se tornar uma astrônoma. 

Desde o início, Nancy Roman não recebeu muitos incentivos. Pelo contrário. Tentaram convencê-la a desistir, disseram-lhe que mulheres não poderiam ser cientistas, além de todo tipo de constrangimento que as mulheres sempre sofrem ao tentarem se integrar a um ambiente tipicamente masculino. 

Mas seus pais nunca a deixaram desanimar e assim, ela ingressou no curso de Astronomia pelo Swarthmore College e concluiu, com louvor, em 1946. Apenas 3 anos depois, Nancy concluiu seu doutorado, também em Astronomia, pela Universidade de Chicago, e passou a trabalhar no Observatório de Yerkes, ligado à instituição. 

[ Nancy Grace Roman operando o telescópio refrator de 1 metro de diâmetro do Observatório Yerkes em 1948 enquanto fazia seu doutorado na Universidade De Chicago – Foto: Acervo da Universidade de Chicago ]

No início de sua carreira como pesquisadora, trabalhava principalmente com classificação espectral de estrelas. Com base nos espectros estelares, ela começou a pesquisar as temperaturas e o movimento das estrelas. Ela descobriu que estrelas compostas por hidrogênio e hélio se movem mais rapidamente que estrelas compostas por elementos mais pesados. 

Após deixar o Yerkes, Nancy foi trabalhar no programa de radioastronomia do Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos, onde mais tarde, tornou-se chefe de espectroscopia de microondas. Ela foi uma das primeiras pessoas a propor a possibilidade de detecção de exoplanetas a partir de um telescópio em órbita da Terra.  

Naquela época, ela já era requisitada para palestrar em vários locais do mundo sobre seu trabalho com as estrelas. E numa dessas palestras, foi abordada por Jack Clark, um dos diretores da recém criada NASA. Ele lhe perguntou se Nancy conhecia alguém interessado em iniciar um programa de astronomia espacial na NASA. Ela mesma se ofereceu para a vaga e, pouco tempo depois, Nancy Grace Roman foi nomeada a primeira Chefe de Astronomia do Escritório de Ciência Espacial da NASA e a primeira mulher a ocupar um cargo executivo naquela agência espacial.

[ Nancy Grace Roman, primeira chefe de Astronomia da NASA no Centro de Voos Espaciais Goddard em 1972. Créditos: NASA ]

Como parte de seus trabalhos na NASA, Nancy viajava pelo país dando palestras em universidades e discutindo os programas científicos da NASA. E como era de sua responsabilidade preparar o orçamento para projetos científicos apoiados pela agência, ela procurava se reunir com outros astrônomos para entender suas necessidades e como a NASA poderia contribuir. 

Entre essas demandas, sempre apareciam sugestões de trabalhos que poderiam ser feitos a partir de telescópios espaciais. Só que quando a NASA resolveu, enfim, dar início ao projeto de construção do telescópio espacial, Nancy Roman já havia deixado a agência. 

Então em 1978 ela foi chamada de volta para a NASA, para liderar o projeto que deu origem ao primeiro grande telescópio espacial da história, que levaria o nome do cientista que ajudou a expandir a nossa visão do Universo, o Telescópio Espacial Hubble. 

[ Nancy Grace Roman, “a mãe do Hubble”, em frente a uma réplica do telescópio espacial em 2017 – Créditos: NASA/GSFC/Jim Jeletic ]

Como cientista-chefe do projeto, Nancy teve um papel essencial para o sucesso da empreitada. Ela organizou os diálogos e os trabalhos de astrônomos e engenheiros envolvidos. Além disso, ela se envolveu diretamente no trabalho de convencer os congressistas americanos a financiar o projeto. E por todo esse protagonismo, Nancy Roman é considerada “a mãe do Hubble”. 

Segundo ela, com o valor equivalente ao de uma ida ao cinema, todos os americanos estariam financiando 15 anos de descobertas com um telescópio espacial. Naquela época, a ida ao cinema era bem mais em conta, mas também não se imaginava que mais de 30 anos depois, o Hubble ainda estaria em plena atividade e contribuindo com diversas descobertas científicas.

[ Ilustração artística do Telescópio Espacial Nancy Grace Roman – Créditos: Centro de Voo Espacial Goddard da NASA ]

Nancy faleceu em 2018 aos 93 anos de idade, deixando um incrível legado de descobertas científicas e contribuições para a Astronomia. E assim como Edwin Hubble, a mulher que também nos ajudou a enxergar mais longe terá seu nome imortalizado em um instrumento espacial. O Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, que está programado para ser lançado em 2027 e terá como um de seus objetivos, estudar planetas que orbitam outros sóis, algo que ela mostrou ser possível, mais de 60 anos atrás.