A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) operou um sistema secreto de monitoramento da localização de cidadãos em todo o território nacional durante os três primeiros anos do governo Bolsonaro.

A informação foi obtida pelo jornal O Globo, que obteve documentos e relatos de servidores da agência. Segundo o jornal, a ferramenta permitia o monitoramento de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses, sem qualquer protocolo oficial.

A ferramenta em questão se chama “FirstMile” e foi desenvolvida pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint). Ela ofereceu à Abin a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”, permitindo o rastreamento do paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões.

Assim, com base no fluxo de informações, o sistema FirstMile oferecia a possibilidade de acesso do histórico de deslocamentos. Ainda era possível criar “alertas em tempo real” de movimentações de um alvo em diferentes endereços.

Para fazer o monitoramento, a agência só precisava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar a última localização conhecida do dono do aparelho em um mapa.

A prática teria gerado questionamentos entre os próprios integrantes da Abin, visto que a agência não possuía autorização legal para acessar estes dados privados. Assim, foi aberta uma investigação interna e, segundo especialistas, a vigilância pode violar o direito à privacidade. Segundo O Globo, o órgão foi procurado, mas afirmou que o sigilo contratual a impedia de fazer comentários sobre a reportagem.

O software foi adquirido pela Abin no fim de 2018, ainda na gestão de Michael Temer, por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação. Segundo O Globo, a ferramenta foi utilizada ao longo do governo Jair Bolsonaro, até meados de 2021.

Segundo relatos de integrantes da Abin, o mecanismo era usado sem necessidade de registro sobre quais pesquisas eram realizadas. Assim, qualquer celular poderia ser monitorado pelo software sem qualquer justificativa oficial.

Dentro da Abin, a utilização da ferramenta gerou questionamentos, com relatos de utilização contra os próprios agentes do órgão. O software gerou um procedimento interno para apurar critérios de utilização e a regularidade da contratação da tecnologia de espionagem em questão.

Em declaração ao O Globo sob condição de anonimato, um integrante do alto escalão da Abin afirmou que o sistema era operado sob a justificativa de um “limbo legal”. Assim, como o acesso a metadados de celulares não está expressamente proibido na lei brasileira, a Abin operava a ferramenta sob alegações de serem casos de “segurança de Estado”, o que não configuraria quebra de sigilo telefônico.

No entanto, segundo este oficial de inteligência da Abin, o problema era que o programa podia ser manejado “sem controle” e não era possível saber se foram feitos acessos indevidos pela ferramenta.