Começou a ganhar força no Senado uma proposta de fixar mandatos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quarta-feira (15), atendendo a um apelo do senador Plínio Valério (PSDB-AM) e de vários outros parlamentares, principalmente da direita, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou que incluirá na pauta de votação uma proposta que limita a 8 anos o tempo de permanência de um integrante na Corte. Se for aprovada, a mudança não seria aplicada aos atuais ministros do STF.
A proposta de emenda à Constituição (PEC) 16 foi apresentada em 2019 por Valério, mas nunca avançou. A disposição de votá-la na atual legislatura é uma resposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que, para conquistar votos da nova bancada conservadora para sua reeleição ao cargo, prometeu rediscutir o funcionamento do Supremo.
Por esse motivo, vários dos atuais ministros temem a mudança, por vislumbrarem algum tipo de revanche do Congresso, em razão do acentuado ativismo judicial e político, praticado nos últimos anos, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não escondia a revolta com decisões contra sua gestão.
Embora saibam que a PEC em tramitação não os atingiria, eles consideram que, durante a discussão, outras mudanças podem ser incluídas e aprovadas. Há grande interesse de deputados, por exemplo, em acabar ou ao menos reduzir as decisões monocráticas dos ministros, pois elas suspendem, do dia para a noite, políticas públicas aprovadas pelo Legislativo ou adotadas pelo Executivo.
Outra ideia é elevar o mínimo de votos necessários para declarar inconstitucional uma lei, um decreto ou um ato administrativo. Passaria de seis – número que consagra a decisão da maioria entre os 11 ministros – para sete ou oito. Proposições ainda mais ousadas, que circulam entre congressistas, discutem mudanças na forma de indicação dos ministros do STF – por exemplo, dando ao Legislativo a prerrogativa de escolher parte dos nomes, retirando assim a exclusividade do presidente da República na definição.
A própria PEC de Valério determina que, caso o chefe do Executivo não indique um substituto em 120 dias após a saída de um ministro, o próprio Senado poderia cumprir essa tarefa, para não deixar a Corte incompleta por muito tempo.
A principal discussão a ser travada, no entanto, diz respeito ao tempo máximo de duração do mandato de um ministro do STF. Entre os defensores da ideia, mesmo fora da direita, há muito apoio para um período maior, até 16 anos, por exemplo, sem direito à renovação. Até o ano passado, o ex-senador Antonio Anastasia, relator de outra proposta, propunha mandato de 10 anos.
Em vários momentos no passado recente, a ideia de fixar mandatos foi defendida também por políticos e juristas de esquerda – isso foi discutido, por exemplo, quando o PT se incomodava, durante os dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e no da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), com o crescente poder alcançado pelo STF, que já interferia no governo.
O julgamento do mensalão, em 2012, e o impulso inicial dado à Lava Jato, entre 2014 e 2018, acentuaram o descontentamento, principalmente com ministros que haviam sido indicados por Lula e Dilma, e que depois passaram a ser vistos como traidores, por votarem contra políticos do partido.
A ideia de fixar mandatos era vista como uma forma de “redução de danos” – caso o ministro indicado passasse a contrariar demais o partido, ao menos não ficaria muito tempo. A mesma lógica está presente entre quem defende, com as atuais regras, indicar pessoas com idade mais próxima dos 75 anos, quando o ministro é obrigado a se aposentar.
Fixação de mandatos para ministros do STF
Mas, fora os interesses políticos, para um lado ou outro, a depender do governo de ocasião, que efeitos – negativos e positivos – a fixação de mandatos poderia gerar para o STF?
A ideia de um mandato vitalício para ministros surgiu nos Estados Unidos, durante debates para a elaboração da Constituição americana, de 1787. Alexander Hamilton, um dos pais-fundadores da América, argumentava que a fixação de mandatos poderia prejudicar a independência do juiz da Suprema Corte, especialmente na hipótese de recondução.
Se tivesse de pedir ao presidente e aos senadores para continuar na Corte, tenderia a atuar de maneira parcial, para agradá-los, durante o primeiro mandato. Também argumentou que a vitaliciedade tornaria o cargo mais atrativo para os candidatos. Nos EUA, o período de permanência é ainda maior que no Brasil, pois não há idade-limite de aposentadoria – o ministro pode ocupar a cadeira até quando quiser.
Esse modelo foi copiado pelo Brasil na primeira Constituição da República, de 1891, idealizada por Rui Barbosa e muito inspirada na Constituição americana. Na Europa, no entanto, a formação dos tribunais constitucionais, desde o início, foi marcada pela fixação de mandatos, começando pela Áustria, em 1920. Ao longo do século 20, o modelo se espalhou para outros países, como Alemanha, Itália, Espanha, Portugal e França, que mantêm o sistema até hoje.
Para Felipe Fonte, advogado e professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, a fixação de mandatos funcionou bem nesses países. A experiência revelou que eles não são menos independentes nem mais frágeis politicamente que os americanos, de mandato vitalício. “Assim como esses, tomam decisões contramajoritárias”, diz.
No Brasil, vingou a ideia de manter o ministro até a aposentadoria compulsória, muito sustentada por outro argumento: de que isso traria mais segurança jurídica, uma vez que ministros antigos tenderiam a honrar mais os precedentes e preservar a jurisprudência. É comum, por exemplo, que aqueles que estão há mais de 20 anos na Corte tenham participado de julgamentos relevantes e mantenham suas posições ao longo dos anos.
Para Fonte, no entanto, isso não tem se concretizado no Brasil no período mais recente, com constantes mudanças nos entendimentos da Corte, em pouco tempo. O exemplo mais eloquente é a decisão que, em 2016, restabeleceu a possibilidade de efetuar a prisão de um condenado após a confirmação da sentença em segunda instância, e que foi revista em 2019.
Assim, para o professor, uma vez que não há garantia de conservação das decisões, a fixação de mandatos ao menos traria mais “oxigenação” para a Corte.
“O tribunal tem muita interferência na atividade política, por muitas razões. Mas, se esse é o modelo de governança, para o bem e para o mal, seria melhor que tivesse oxigenação. Acho o prazo de 8 anos curto, melhor seriam 12 anos. Evidente que está errado escolher alguém por ter a mesma ideologia do presidente da vez. Mas a renovação daria mais oxigenação, os novos ministros estariam mais antenados com o que ocorre no mundo”, diz o professor da FGV.
Já o procurador da República Helio Telho diz que a proposta de fixar um mandato de 8 anos para os ministros do STF “é uma ameaça para a democracia”. “A cada novo presidente da República reeleito, haveria a renovação integral do STF. Percebe o risco que isso traz? Nenhum presidente deve ter poder de fazer a maioria da Suprema Corte”, postou no Twitter.
Ainda assim, ele defende a fixação de mandatos, para um período maior, de 16 anos, por exemplo. “Não parece sadio para a República que ministros de tribunais superiores, que são os responsáveis pela palavra final da Justiça em matéria de interpretação da Constituição e das Leis, se eternizem no cargo. Isso parece ser um resquício da monarquia”, argumenta. “Por outro lado, mandatos muito curtos minam a independência dos ministros, em relação ao poder político que os entregou a toga, o que é uma ameaça à democracia, porque concentra muito poder nas mãos dos responsáveis pela escolha dos togados. O ideal parece estar no meio termo. Limitar o tempo máximo que um juiz pode exercer a magistratura nos tribunais superiores a 16 anos (que é o equivalente a dois mandatos de senador)”.
Créditos: Gazeta do Povo.
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