Nos últimos anos, o mercado de smartphones tornou-se muito mais parecido com o de carros usados.

Considerando que muitos atualizam seus telefones a cada dois ou três anos e tratam os antigos quase como descartáveis, mais do que nunca esses dispositivos estão por aí e têm longa vida após a “morte”.

Isso pode afetar tudo, desde quem vence a guerra dos smartphones, até como os players dominantes neste setor obtêm a maior parte de seus lucros.

Contudo, é a Apple quem domina este mercado. O iPhone 8, por exemplo, ainda gera receita para a Apple. Vale lembrar que já estamos no 14. Atualmente, mais do que nunca, os estadunidenses estão utilizando dispositivos de segunda mão, usados e recondicionados, mostram dados do setor.

O que permitiu esse novo canal para smartphones não tão novos é que os iPhones, em particular, duram mais, e os novos modelos geralmente são quase indistinguíveis dos anteriores.

Os telefones são, em outras palavras, como veículos: caros e duráveis – e para a maioria das pessoas, os modelos mais antigos são mais do que bons.

O poder de permanência do iPhone está ligado em grande parte às atualizações de software de suporte da Apple para dispositivos lançados no início de 2017. Como resultado, esses telefones têm vida após a “morte” considerável, passando por segundo e até terceiro proprietários antes de serem descartados.

E, com as operadoras de rede oferecendo descontos em novos telefones quando as pessoas trocam por um antigo, outro paralelo com o mercado automotivo, existem muitos dispositivos disponíveis para caçadores de pechinchas.

O impacto disso é enorme e faz da Apple grande vencedor. Agora, parece provável que a esmagadora maioria dos smartphones em uso nos Estados Unidos acabará sendo de iPhones – resultado de aumento constante em sua participação no mercado local.

Para o trimestre encerrado em junho de 2022, a Counterpoint Research disse que a participação da Apple em celulares em uso nos EUA ultrapassou a marca de 50% pela primeira vez.

E, em dezembro, os iPhones representavam 52,5% dos smartphones em uso nos EUA, diz Hanish Bhatia, analista da Counterpoint. Ele espera que essa participação continue aumentando até que algo mude e que permita aos fabricantes de smartphones Android a conter a lenta erosão de sua base de usuários, acrescenta.

A aquisição aparentemente inexorável da Apple no mercado de smartphones dos EUA está em andamento há muito tempo e é impulsionada por vários fatores. Entre eles, está a popularidade do iPhone entre os jovens.

Outro fator, diz Carolina Milanesi, analista de tecnologia da Creative Strategies, é que a Apple construiu todo um ecossistema de produtos interligados e interdependentes, incluindo seus AirPods, o Mac e o Apple Watch, para criar o que costuma ser chamado de “jardim murado”, que aprisiona os consumidores.

O aumento dos custos de novos telefones também desempenha um papel. Assim como em outros segmentos da economia, de alimentos para animais de estimação e veículos a residências e tênis, os eletrônicos de consumo passaram por “premiumização”, jargão do marketing para descobrir como cobrar dos consumidores o máximo que eles estão dispostos a pagar.

A Apple é o principal impulsionador da tendência de premiumização em eletrônicos de consumo – o iPhone 14 Pro Max de última geração custa US$ 1,5 mil (R$ 10,4 mil nas lojas brasileiras).

Ao oferecer dispositivos cada vez mais caros, com recursos como telas maiores e câmeras melhores, a Apple conseguiu aumentar o preço médio em todas as vendas de novos iPhones para mais de US$ 900, a partir da temporada de férias de 2022-23. É o valor mais alto de todos os tempos e quase 10% a mais do que no ano anterior.

No verão estadunidense passado, o iPhone 14 Pro Max foi o mais popular de seus modelos Pro, de acordo com o analista da Apple, Ming-Chi Kuo.

O domínio da Apple em dispositivos premium está impulsionando a participação recorde da empresa em receita e lucro no mercado de telefonia. Mas é o que está acontecendo com esses dispositivos premium anos depois que está tendo o maior impacto no número total de iPhones em uso em determinado dia.

Apple possui programa próprio de iPhones recondicionados e usados (Imagem: Reprodução/Apple)

“Especialmente nos últimos três a quatro anos, a Apple dobrou a aposta no mercado de reposição para seus telefones”, diz Chetan Sharma, analista do setor de telecomunicações.

A Apple agora tem seu próprio programa de telefones usados. Várias outras empresas estão administrando mercados prósperos para esses dispositivos, incluindo Amazon, Best Buy, Back Market e Gazelle, além de operadoras como AT&T, Verizon e T-Mobile no mercado exterior.

Em todo o mundo, 283 milhões de smartphones usados ou recondicionados foram vendidos em 2022, estima a empresa de pesquisa de mercado IDC, representando quase um em cada cinco de todos os telefones vendidos naquele ano.

Isso representa aumento de 11,5% em relação ao número de telefones usados anteriormente vendidos em 2021. Até 2026, a IDC projeta que o número de telefones usados vendidos chegará a 415 milhões, o que representaria taxa de crescimento anual de quase 14%, ou quatro vezes a taxa de projeção anual de crescimento para vendas de novos telefones.

Os telefones da Apple respondem por mais de 80% do mercado de telefones usados em valor, segundo a empresa de análise de tecnologia CCS insight.

Pode-se pensar que a venda de aparelhos usados representa ameaça à receita geral da Apple, ao “canibalizar” vendas de novos telefones. Mas a Apple encontrou maneira de ganhar dinheiro com quase todos os iPhones, mesmo quando não recebe parte da venda de um aparelho usado.

No último trimestre, a Apple gerou receita recorde de US$ 20,8 bilhões em serviços, devido em parte a 935 milhões de assinaturas pagas de serviços da própria Apple.

Esses serviços incluem aplicativos, iCloud e Apple Music. Isso representou quase 17% da receita da empresa no período. Como as margens dos serviços são muito maiores do que as do hardware, os serviços representam parcela ainda maior dos lucros totais da Apple.

Os serviços acumularam margem bruta de 71,5% no último trimestre, em comparação com as margens gerais da empresa de 43,3%, determinadas principalmente pelas vendas de hardware.

Porém, os ganhos constantes da Apple no mercado de dispositivos premium e usados não são garantia de sucesso futuro. A empresa ainda não lançou um telefone dobrável, por exemplo, uma categoria que ajudou a Samsung a conquistar mais mercado de outros fabricantes de aparelhos Android.

E os mercados de telefonia já passaram por reversões antes. Nokia e BlackBerry pareciam inatacáveis antes de a Apple popularizar o iPhone.

Mas, globalmente, parece possível que o que está acontecendo nos EUA possa se repetir, diz Sharma. Da Europa à Ásia, em países mais ricos, consumidores com menos de 29 anos preferem iPhones – mesmo na Coreia do Sul, país natal da Samsung.

A mudança para iPhones pode ser mais lenta na Europa e em outros lugares, devido à série de fatores, incluindo o fato de que há variedade maior de telefones com Android disponíveis de fabricantes chineses, acrescenta.

No geral, para onde o mercado dos EUA está indo – em direção à Apple – é, por enquanto, tendência em todos os lugares em que as pessoas podem comprar iPhones. E, com o mercado de reposição para dispositivos usados crescendo rapidamente, há mais países do que nunca.

Com informações de The Wall Street Journal