Um eclipse total do sol é um fenômeno belíssimo e extremamente raro. Sempre que ocorre, apenas alguns poucos privilegiados em uma estreita faixa de visibilidade podem contemplar o fenômeno. Em muitos casos, astrônomos de todo o mundo se deslocam milhares de quilômetros para realizar observações e experimentos científicos que só são possíveis durante um eclipse solar.
Foi através da observação de eclipses, por exemplo, que a Teoria da Relatividade de Einstein foi comprovada e que a composição do nosso Sol foi determinada. Só que além de raro, um eclipse total do Sol tem um outro problema que dificulta muito as observações científicas e as contemplativas também. É que quando começa a totalidade, acaba. Isso mesmo, a principal fase de um eclipse solar dura muito pouco tempo, apenas alguns minutos. Chato, não é?
Mas 50 anos atrás, um pequeno grupo de astrônomos conseguiu estender a duração de um eclipse total do Sol em 10 vezes. Sabe como? Perseguindo a sombra do eclipse a bordo do avião super-sônico Concorde.
O Eclipse Solar de 30 de junho de 1973, já seria um dos mais longos eclipses totais do século, com duração de 7 minutos e 4 segundos passando pela região central da África. Isso já era o suficiente para mobilizar, com anos de antecedência, astrônomos de todo o planeta para observação do fenômeno. E foi aí que o astrofísico inglês John Beckman teve a ideia de utilizar a aeronave mais veloz já construída, para perseguir a sombra do eclipse.
Beckman queria estudar o nosso Sol fazendo observações do eclipse em infravermelho próximo, e aumentar esse tempo de observação daria aos astrônomos uma oportunidade sem precedentes. Ele já tinha certa experiência em utilizar aviões para fazer astronomia, e o uso de aeronaves para estender a duração de um eclipse não era exatamente uma novidade. Mas utilizar um avião supersônico para isso era inédito. Até porque, naquela época, o Concorde ainda não estava em operação. O projeto do futuro avião comercial era desenvolvido em uma parceria entre os governos da França e da Inglaterra, e havia apenas dois protótipos da aeronave em fase de testes, o 001 na França, e o 002 na Inglaterra.
Depois de uma primeira tentativa frustrada pelo lado britânico do projeto, Beckman conseguiu o sinal verde dos franceses para pôr em prática sua ideia no protótipo 001 do Concorde. Só que isso não seria tão simples assim.
Faltando pouco mais de um ano para o eclipse, eles precisariam desenvolver todo o planejamento e ainda fazer ajustes nos equipamentos para suportar as vibrações da decolagem, e adaptações no próprio avião, para receber os equipamentos.
A sombra do eclipse iria percorrer o centro do continente africano. Então, para acompanhá-la, seria necessário encontrar aeroportos onde o Concorde pudesse decolar e pousar próximo da faixa de visibilidade. E se hoje é difícil encontrar um aeroporto capaz de receber um Concorde, imagine 50 anos atrás.
Além disso, na África, o eclipse ocorreria com o Sol praticamente a pino, e não haveria por onde observá-lo dentro de um avião. Por isso, o Concorde 001 precisou de algumas adaptações radicais e adicionar janelas de observação no topo da aeronave.
Enquanto os engenheiros trabalhavam arduamente para preparar o equipamento e a aeronave a tempo para o eclipse. André Turcat, que seria o piloto da missão e o engenheiro de navegação Henri Perrier começaram a definir a trajetória de voo, de forma a acompanhar a sombra do eclipse pelo máximo de tempo possível.
A ideia era partir de Las Palmas, nas Ilhas Canárias e seguir a sudeste até interceptar o eclipse. A partir daí, próximo da velocidade máxima da aeronave, acompanhariam o deslocamento da sombra em direção a oeste e pousariam em N’Djamena, no Chade.
Com tudo pronto e testado há poucos dias do tão esperado eclipse, restava apenas esperar o alinhamento entre Sol, Lua e Terra para pôr em prática a ousada ideia de John Beckman.
Quando finalmente, o Concorde 001 decolou de Las Palmas às 10:08 da manhã do dia 30 de junho de 1973, a sombra da Lua já atravessava o Atlântico. Dois minutos depois, e a aeronave já ultrapassava a velocidade do som e seguia sua trajetória a sudeste, subindo para 17 km de altitude.
Exatamente no horário previsto, o Concorde 001 entrou na sombra do eclipse sobre a Mauritânia. O avião já estava a mais de 2500 km/h, perseguindo a sombra do eclipse. Beckman e uma equipe de astrônomos, estavam em um avião experimental adaptado, sobrevoando a África mais de duas vezes mais rápido que a velocidade do som para registrar um eclipse. Uma missão tão louca, quanto grandiosa.
E enquanto Turcat pilotava o Concorde com a precisão e a velocidade programada para acompanhar o eclipse, os pesquisadores colocavam seu equipamento para funcionar. As máquinas fotografaram o Sol encoberto pela Lua, tiravam espectros e faziam medições no infravermelho. Acima das nuvens e da umidade da baixa atmosfera, eles tinham acesso a imagens e dados limpos e precisos, que apenas um voo estratosférico poderia proporcionar.
Entre uma atividade e outra, eles contemplavam a escuridão do eclipse através das janelas do Concorde e, raramente, podiam observar o fenômeno diretamente pelas janelas instaladas no teto do avião.
Foram, ao todo, 74 minutos de contemplação e ciência dentro da sombra do eclipse. E poderia até ser mais, se não fosse o compromisso de pousar o Concorde e voltar para casa. Mas aqueles 74 minutos representavam uma extensão de mais de 10 vezes o tempo de observação daquele eclipse. E essa marca é, até hoje, o recorde de maior tempo de observação de um eclipse na história.
Em um único voo, o Concorde 001 rendeu aos astrônomos mais tempo de observação de um eclipse total do Sol do que seria possível se eles tivessem viajado para todos os eclipses solares dos últimos 30 anos. A aventura também rendeu uma enormidade de dados, pelo menos 3 artigos na Nature e uma história fantástica para se contar. A história do dia em que o avião supersônico Concorde perseguiu a sombra da Lua e estendeu em 10 vezes a duração de um eclipse solar.
Fonte: Olhar Digital
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