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Especialistas acreditam que conflito deve se prolongar e que um acordo a curto e médio prazo é impossível devido às questões étnicas envolvidas e aos interesses internacionais na extração do ouro
O conflito que acontece no Sudão desde o dia 15 de abril pode desencadear em uma crise migratória de proporção inédita, apontam os especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan. Em um alerta dado nesta semana, Lorena Lo Castro, a representante da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) no Chade, país vizinho à região em conflito, indicou que eles se preparavam para receber até 100 mil refugiados naquele país — cerca de 20 mil tinham sido contabilizados até terça-feira, 25. Antes dos confrontos, que completam 15 dias neste final de semana, Chade já abrigava 400 mil refugiados sudaneses em 13 campos no leste do país, muitos deles da região vizinha de Darfur. No Sudão do Sul, Marie-Hélène Verney indicou que 45 mil refugiados são esperados naquele território. A estes números se somam os sudaneses que fugiram para o Egito, embora a porta-voz do ACNUR em Genebra, Olga Sarrado, tenha assinalado que ainda não existem cifras exatas sobre o total de refugiados que já chegaram àquele país. Ainda entra na conta os sul-sudaneses que estavam refugiados no Sudão e regressam ao seu país devido à escalada das hostilidades. Cerca de 4.000 já retornaram.
O Sudão estava acolhendo 1 milhão de refugiados (incluindo 800 mil do vizinho Sudão do Sul) e 1,8 milhão de deslocados internos antes do confronto entre o Exército sudanês e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR). “A situação é muito difícil devido ao afastamento do ponto fronteiriço, onde há escassez de água, comida e remédios. Alguns chegam depois de longos dias de viagem desde Cartum”, relatou Verney, em videoconferência de Juba, capital do Sudão do Sul. “A questão migratória causa grandes preocupações para os países vizinhos e para Europa também, porque são milhões de pessoas que podem sair de lá em busca de refúgio”, diz o professor de geopolítica Danuzio Neto. Não por acaso, a União Europeia está pedindo para que uma solução, seja encontrada. A ONU geralmente libera verbas para que países que ficam no caminho criem campos de refugiados e evitem que as pessoas entrem na Europa — o continente entende não está pronto para receber migrantes. “Uma das soluções que será colocada na mesa são campos de refugiados. Aí tem um problema. A Turquia utiliza esses campo como moeda de troca para seus próprios interesses. Quando algo não está de acordo com o que os turcos querem, eles ameaçam abrir as fronteiras para Europa”, explica o professor.
Alexandre Teixeira, professor de relações internacionais e analista político e de segurança, afirma que a questão migratória é algo difícil de gerir. Contudo, ele defende que, ao invés de gerir o problema, o que deveria ser feito é tentar evitá-lo. “Isso pode ser feito deixando de influenciar alguma das partes, deixando de equipá-las, pois, dessa forma, a tendência é prolongar esses conflitos e aumentar a probabilidade de um fluxo migratório.” O aumento desse problema, partindo do Sudão, só complicaria uma situação que já está fora de controle há anos e intensificou com a guerra na Ucrânia, que se encaminha para o segundo ano. Contudo, Paulo Velasco, doutor em ciência política pelo IESP-UERJ, pontua que a diferença, nesse caso, é que os ucranianos estão sendo acolhidos, mas os sudaneses teriam rejeição em países desenvolvidos. “Aí fica o questionamento: até que pontos outras regiões poderiam acolher os refugiados. Há vários fatores que levem a crer que a crise refugiados no Sudão seria muito severa pela dificuldade de acolhimento.” A esse problema se junta o fato de que a ONU também mostrou que o atual conflito no país africano ameaça a escalar para outras regiões.
“A violência deve parar. Existe o risco de uma conflagração catastrófica dentro do Sudão que pode envolver toda a região e além”, advertiu o secretário-geral Antonio Guterres, em um discurso perante o Conselho de Segurança, reunido a pedido da Rússia, em uma sessão dedicada ao multilateralismo. “Todos devemos fazer tudo ao nosso alcance para tirar o Sudão da beira do abismo”, acrescentou. Os especialistas explicam que esse alerta tem a ver com o fato de que os conflitos não ficam limitados a um único espaço. “Sudão faz fronteira com países que são instáveis, estão em guerra e têm problemas religiosos. O entorno da regional faz com que a ONU tenha essa percepção, até porque muitos dos grupos paramilitares têm ligação com outros grupos do entorno”, explica Velasco. Danuzi associa esse problema ao fato de que os países africanos foram criados “artificialmente” pelos europeus. São vários os problemas religiosos que assolam a região, o que faz com que seja complicado a criação de um país estável. Um ponto de atenção que Teixeira chama atenção é o caos que toda essa situação pode desencadear, tento em vista que o “Sudão é um dos países que assegura a chegada de mercadoria para um conjunto de outros países da região, como a Etiópia, que pode ter o abastecimento comprometido”. Fora a instabilidade política que pode ser causada no Egito.
A violência no país africano, de cerca de 45 milhões de habitantes, foi desencadeada em 15 de abril pelo confronto entre o exército do general Abdel Fatah al Burhan, governante de fato do Sudão desde o golpe de 2021, e seu rival, o general Mohamed Hamdane Daglo, líder das Forças de Apoio Rápido (FAR). Porém, os especialistas explicam que, para entender o conflito de agora, é preciso voltar no tempo. Ele começa em meados dos anos 2000. “O que vemos agora não é um desdobramento de uma situação que vem do início dos anos 2000, que foi caracterizada pela ONU como pior crise humanitária e o pior genocídio, ocorrido em 2003 durante o conflito iniciado em Darfur, cidade de onde vem os generais que estão em guerra”, explica Velasco. “A instabilidade, na verdade, existe por uma dificuldade politica em ter um governo centralizado que seja reconhecido. Desde a década de 50, mais ou menos, temos duas dezenas de golpes militares”, destaca Danuzio. “São centenas de governos mal sucedidos e/ou ditatoriais com insatisfação popular, questões éticas e militares envolvias nisso”, acrescenta.
Teixeira complementa falando que desde 1989 se tinha um governo ditatorial, com Omar al-Bashir no poder, que não se preocupou em criar uma base para sucessão. “Em 2019 houve um golpe de Estado, e, no momento que estava para ser feito o governo de transição, houve novo golpe, em outubro de 2021. Esse golpe de Estado levou ao poder duas personalidade: Abdel Fatah al Burhan e Mohamed Hamdane Daglo.” Eles lutaram lado a lado no golpe, mas agora de separaram porque Daglo não reconhece Burhan como líder. Temos uma disputa pelo poder em que os dois homens querem ter a liderança e nenhum quer ser subordinado ao outro, até porque, comandar, as forças armadas é vantagem no que diz respeito as políticas que terão consequências de controle de atividades econômicas”, explica o analista Alexandre Teixeira. Nesta semana, houve um êxodo de estrangeiros. Várias nações retiraram seus cidadãos do país, que já começa a sentir o problema do conflito, como falta de alimento, energia e água. Os Estados Unidos comandaram a mediação de um cessar-fogo de 72 horas, contudo ele não foi respeitado. Os especialistas não vêm um acordo possível nos próximos dias, e isso diz muito sobre o futuro do conflito.
“Quando um conflito dura um mês, esse um mês acaba sendo relevante. Conflitos que não acabam dentro desse tempo duram anos”, observa Danuzio. “No sudão, por ter todas as questões étnicas envolvidas e como há interesses internacionais na extração do ouro, o mais provável é que a animosidade continue por algum tempo”, acrescenta. Velasco pensa da mesma forma. Para ele, um acordo é muito difícil, pois os generais estão esticando a corda ao máximo. “Não vejo acordos no curto ou longo prazo. Acho que o conflito vai se estender por um bom tempo. Estamos em uma fase embrionária, mas a essa altura podemos dizer que é um problema bem ruim. Não vejo perspectiva de solução negociada a curto ou médio prazo”, diz. Ou, como traduz Teixeira, o conflito só acabará “quando uma das partes vencer”.
Fonte: Jovem Pan News
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