Mude a Cidade
Ouça ao vivo
Mude a Cidade
Ouça ao vivo
Parlamentares afirmam que decisão de Orlando Silva de retirar do texto a criação da autoridade autônoma de fiscalização não deve garantir mais votos à proposta
A Câmara dos Deputados se prepara para votar na próxima semana o projeto de combate às notícias falsas, o PL 2630/20, mais conhecido como PL das Fake News. Na última terça-feira, 25, o plenário da Casa Legislativa aprovou o requerimento para tramitação de urgência da matéria, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). Sob embaraços e discussões sobre o acordo firmado entre lideranças, a urgência foi aprovada com votos favoráveis de 238 deputados e 192 contrários. O resultado, no entanto, não chegou ao número suficiente para maioria simples. Ou seja, não atingiu 257 parlamentares, o que rejeitaria o mérito do texto. A aprovação foi possível graças a uma manobra do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), mas o baixo quórum deu uma nova sobrevida para a oposição. Isso porque parlamentares enxergam no placar uma margem para virar o jogo e barrar o texto, batizado entre os direitistas de PL da Censura. Para isso, foi estabelecida a força-tarefa em que cada deputado do grupo aliado consiga reverter os votos entre parlamentares de seus Estados. Com a estratégia, junto ao apelo eleitoral, os direitistas acreditam que há chance de vitória, ainda que voto a voto. “O outro lado [governistas] também estão fazendo o mesmo. Estamos em um verdadeiro ‘cabo de guerra’. Demos como tarefa aos nossos [deputados], que conversassem com os amigos que não votaram e com os que votaram a favor”, diz o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), ao site da Jovem Pan.
Além dos votos virados, o apelo popular também é indicado como um elemento para virar o jogo no plenário. Segundo os parlamentares, há uma pressão, promovida especialmente pelo eleitorado direitista, para que o projeto não seja aprovado, sob os riscos para a liberdade de expressão do Brasil. Ao site da Jovem Pan, o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-SP) afirma que há espaço para rejeitar o texto, com perspectivas reais de vitória na próxima terça-feira, 2, quando será votado o mérito da proposta. De acordo com ele, com as cobranças nas redes sociais, parlamentares que votaram favoráveis à urgência prometem ir contra a aprovação do mérito, a menos que mudanças consistentes sejam apresentadas no relatório final do deputado federal Orlando Silva (PcdoB-SP). “Alguns ainda dizem a menos que o projeto mude para melhor, mas todos nós sabemos que esse projeto tem pouca chance de ter mudando substancialmente. Então vamos enterrar esse projeto semana que vem”, afirma o membro do Novo. O partido também se posiciona contra o projeto, elencando em seu site cinco “armadilhas” do projeto. São elas: transforma as plataformas em “polícias digitais”; risco à liberdade de expressão; ameaça à liberdade religiosa – o que já foi descartado; criação de um “Ministério da Verdade”; e deixar os anúncios digitais mais caros.
O texto, que conta com o apoio do governo federal, tem como ponto principal tornar obrigatória a moderação de conteúdos na internet, sendo “identificadas, excluídas ou sinalizadas” postagens e contas com conteúdo considerado criminoso. Para que isso aconteça, as empresas de tecnologia deverão realizar uma análise sobre os conteúdos considerados ilegais. Além disso, o projeto determina a identificação do usuário responsável pelo impulsionamento ou anunciante, tendo como objetivo a criação de transparência sobre a moderação e também estabelece a retirada com urgência de publicações que violem os direitos da criança e do adolescente. A plataforma também será responsável pelas empresas provedoras, no caso de prejuízos a terceiros, por conteúdos pagos ao provedor, além de prever o pagamento sobre a atividade jornalística pelas plataformas digitais caso haja publicação de conteúdos produzidos por profissionais ou empresas do setor. A imunidade parlamentar, no entanto, seguirá garantida nas redes sociais.
Entre aliados do Palácio do Planalto, a expectativa é que “o bom senso sobressaia” e o projeto seja aprovado no plenário da Câmara na próxima semana. É fato que o número de votos favoráveis à urgência do PL balançou o grupo governista, que admite não considerar a aprovação garantida. No entanto, apoiadores ponderam o momento é oportuno para avançar na regulação das redes sociais. Uma das principais defesas do projeto é a possibilidade de que as plataformas passem a moderar os conteúdos e excluir publicações que incentivem, por exemplo, discursos de ódio e ataques às escolas. Ao site da Jovem Pan, o deputado federal Sidney Leite (PSD-AM), afirmou que o projeto também é uma oportunidade para que o Parlamento tome providências frente à discussão. “Não podemos ficar de braços cruzados. Se não, a Justiça continuará sendo acionada para impor limites, pela omissão do Parlamento”, inicia o deputado, que descarta o discurso de que a regulação terá uma censura aos usuários. “A maioria da população usa de forma benéfica as redes sociais, mas há uma minoria que busca usar de forma indevida, não respeitando os limites de convivência, democracia e da mentira”, pondera.
Autor do texto que deu origem ao projeto no Senado Federal, Alessandro Vieira (PSDB-SE) também defende a aprovação da proposta. Em entrevista ao Jornal Jovem Pan, ele ponderou que o texto do relator Orlando Silva traz diferenças da proposta original que ampliam a complexidade do texto, mas que mantém o foco: as pessoas continuam com seu poder de opinar, mas sem direito do anonimato. “É preciso que as plataformas que lucram com a desinformação devem ter algum nível de responsabilidade. Quem vai dizer o que é verdade ou não é verdade é a Justiça”, ponderou. Entre os apoiadores, outro ponto de defesa é o maior controle do acesso e da exposição de conteúdos às crianças. Vieira diz que o as plataformas devem ser proativas para proteção dos menores, ponderando que o tema pede discussões mais complexas. “Não é um ambiente para a criança de desenvolver e deve ter transparência para os país tenham acesso aos conteúdos que os filhos visitam nas redes sociais. Vivemos em um ambiente digital compulsoriamente. A nossa vida financeira, educacional, está na internet, então precisamos de ferramenta para cuidar das crianças”, explica.
Uma das principais críticas ao Projeto de Lei 2630 era a possível criação de uma agência reguladora. Para os parlamentares, a versão inicial do texto não deixava claro como se seria o processo de regulamentação dos conteúdos e, por isso, os direitistas falavam em risco de aparelhamento e o uso indevido do órgão contra adversários políticos. À reportagem, Marco Feliciano admitiu temer ser perseguido. “Porque seria controlado pelo governo. Criaremos um Estado policialesco?”, questionou. Sendo um dos pontos de maior controversa, o deputado Orlando Silva retirou do parecer o trecho em que estabelecia a criação da entidade reguladora. Segundo o congressista, a decisão aconteceu em decorrência das resistências entre líderes partidários. No entanto, o recuo não deve atrair novos apoiadores. De acordo com Feliaciano, os opositores reconhecem que há “muita coisa boa” no projeto, mas a avaliação é que o texto foi mal planejado e ainda cabem múltiplas interpretações. “Há um temor de que as redes sociais poderão sair do Brasil, porque terá restrição na comunicação. Se saírem, por exemplo, como iremos comunicar ao povo o que está acontecendo de verdade na política? A internet tirou a hegemonia de comunicado de um conglomerado e deu voz a quem não tinha. Tem o ônus e o bônus disso tudo, mas a liberdade está estabelecida. Sem liberdade, não há democracia”, argumenta o parlamentar. “O projeto é nocivo e tem interesses escusos. Votaremos contra”, conclui.
Entre membros da oposição e principalmente aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), outro ponto de preocupação é que o projeto promova a censura. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) argumenta que além de restringir a liberdade de expressão, o texto também quer “cercear o debate”, citando países como China, Cuba e Venezuela. “Em todos esses locais, você não pode expressar o que você quer dizer. Quando você coloca uma coisa que não seja exatamente alinhada ao que querem os donos do poder, você vai ser censurado. (…) É a instalação da ditadura no Brasil. A legitimação da ditadura, porque no momento que você cerceia a liberdade de expressão, não existe mais democracia. E por mais que se diga que quer combater as fake news, se combate a desinformação com informação e não calando a boca das pessoas”, argumenta a parlamentar, que votou contra o requerimento de urgência.
O mesmo temor é compartilhado pela deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC), que atua em seu primeiro mandato na Casa Baixa. Ela diz considerar o projeto imoral e argumenta que os cidadãos que defendem o texto, não devem ter entendido o teor da matéria. “Em breve vão querer regular o que falam em uma mesa de bar ou dentro de suas casas? Quem em sã consciência deixaria para um governo, seja ele qual for, definir o que pode ser falado, o que é verdade e mentira? É a institucionalização da censura prévia o Brasil esse projeto e aqueles que estão comemorando, vão se arrepender”, argumenta. Para Zanatta, a principal defesa da oposição é que o Estado “não se intrometa na vida das pessoas”, especialmente em temas relacionados à opinião. “O que não pode falar nas redes sociais já é crime fora das redes sociais. Várias vezes demando contra pessoas que vêm me ofender, me caluniar, me difamar, mas nem por isso eu quero calar essas pessoas do mundo, seja do mundo real ou digital. O PL está desenhado para ter censura no Brasil. Se aprovado, vai acabar com a democracia no país”, acrescenta.
Em contrapartida, o Google Brasil passou a manifestar o seu descontentamento com a iniciativa do Legislativo em tramitar a PL 2630/2020. Nas últimas semanas, a gigante da tecnologia passou a ser monotemática no endereço eletrônico onde seus posicionamentos são publicados, já que quatro das últimas cinco publicações são pareceres contrários à aprovação do projeto de lei – sendo a única que não trata sobre o PL 2630, uma proposta de debate à respeito da “responsabilidade e liberdade de expressão” no mundo digital. Apenas nos títulos, o Google afirma que o PL das Fake News pode “aumentar a desinformação”, confundir o que é verdade e o que é mentira e “piorar a internet” para o usuário. Na publicação mais recente, o diretor de relações governamentais e políticas públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, considera que a criação de uma legislação para regulamentar a comunicação na internet pode impactar diretamente a vida de milhões de brasileiros e empresas que utilizam a rede mundial de computadores de maneira colaborativa, todos os dias. “Uma das consequências indesejadas, por exemplo, é que o PL acaba protegendo quem produz desinformação, resultando na criação de mais desinformação”, considera o executivo. Segundo Lacerda, há a possibilidade das plataformas serem impedidas de remover conteúdos jornalísticos com afirmações falsas, como: “A vacina de Covid-19 irá modificar o DNA dos seres humanos”. Dessa maneira, as publicações continuariam disponíveis para serem encontradas através dos buscadores.
Além disso, o porta-voz do Google passou a elencar as consequências indesejadas que uma eventual aprovação e sanção presidencial do PL poderiam produzir, como beneficiar sites que produzem desinformação de maneira proposital. Segundo Lacerda, o PL 2630 “blinda” a remoção de conteúdo produzido por “qualquer empresa constituída no Brasil para fins jornalísticos”, mas não especifica ou faz distinção de quais produtores estariam elegíveis para ser considerados empresas periodistas. Ou seja, páginas consideradas disseminadoras de conteúdos “problemáticos” por empresas que se apresentam como jornalísticas seriam protegidas, segundo avaliação do Google, pelo projeto de lei. “Estamos falando de veículos ou produtores de conteúdo controverso que distorceram fatos em relação à validade das vacinas durante a pandemia da COVID-19 ou que contestaram a integridade das eleições brasileiras de 2022. Outros dispositivos do projeto de lei vão ainda mais longe ao exigir que as plataformas paguem por esse mesmo conteúdo”, pontua. Ao comentar sobre o ‘dever de cuidado” que as plataformas teriam de exercer de maneira preventiva, no que se refere a conteúdos considerados ilegais pelo projeto de lei, o diretor argumenta que as empresas de tecnologia precisarão se preocupar em “filtrar e moderar conteúdos considerando uma análise legal e assumindo uma função exercida tradicionalmente pelo Poder Judiciário”, “resultando em um bloqueio excessivo e uma nova forma de censura”.
Caso o trecho que prevê a monetização de conteúdos jornalísticos sem a distinção do que seria uma produção verdadeira e com o pagamento obrigatório sobre qualquer direito autoral hospedado na plataforma não seja alterado, a ação poderia colocar em risco o acesso e distribuição gratuita de conteúdos on-line. Marcelo explica que, atualmente, o Google pode ser utilizado para armazenamento e compartilhamento de conteúdos produzidos por terceiros, como fotos, vídeos e textos. Para hospedar um material online, é necessário uma licença de direito autoral. Quando um vídeo, por exemplo, é publicado no YouTube, a plataforma recebe uma parte das licença de direitos autorais para que outras pessoas possam assistir. Com a aprovação da lei, os titulares dos vídeos, fotos e textos não poderiam decidir sobre os direitos autorais de seus trabalhos e, obrigatoriamente, teriam de ser remunerados. “Isso significa que poderá deixar de ser viável financeiramente para as plataformas oferecer serviços gratuitos”, explica o gestor.
Já a Meta – grupo composto pelo Facebook, WhatsApp e Instagram – assinaram uma nota em fevereiro junto ao Twitter e o Mercado Livre em que as corporações expressam sua insatisfação com o projeto de lei da Fake News. No entendimento do grupo, o receio de uma “enxurrada de processos judiciais” faria com que as plataformas passassem a agir menos na moderação de conteúdo, o que deixaria um ambiente virtual “desprotegido” ao discurso de ódio e da desinformação. Segundo o grupo, o texto do PL, da maneira como está redigido, representa uma “potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje” e, caso passe no Congresso e seja transformado em lei, a legislação passará a “restringir o acesso das pessoas a fontes diversas e plurais de informação; desestimular as plataformas a tomar medidas para manter um ambiente saudável online; e causar um impacto negativo em milhões de pequenos e médios negócios que buscam se conectar com seus consumidores por meio de anúncios e serviços digitais”.
Fonte: Jovem Pan News
Comentários