Algumas das maiores descobertas da Astronomia nas últimas décadas só foram possíveis graças a uma ciência relativamente recente, a radioastronomia. Por meio da detecção das ondas de rádio emitidas pelos astros, os quasares, os pulsares e a radiação cósmica de fundo foram descobertos, as primeiras imagens de um buraco negro foram obtidas, a distribuição de gás e poeira da nossa galáxia foi mapeada e buscas por sinais de vida inteligente fora da Terra foram realizadas. Mas o que pouca gente sabe, é que essa importante ferramenta para o estudo do nosso Universo, foi descoberta por acidente.
Essa história começa no início dos anos 30, época em que a comunicação via rádio era uma tecnologia nova e em franca expansão. A recém criada Bell Telephone Labs, estava estudando formas de utilizar o rádio para substituir os caros e extensos cabos transatlânticos na comunicação direta entre Estados Unidos e Europa.
O problema era que os sinais de rádio estavam sofrendo interferências de origem desconhecida que prejudicavam a comunicação, especialmente na faixa de ondas curtas, utilizadas pela Bell. A empresa então designou o físico e engenheiro norte-americano Karl Jansky para estudar a origem daquelas interferências para que eles pudessem projetar uma antena capaz de minimizar os sinais indesejáveis nas comunicações intercontinentais.
Para tentar identificar a fonte daqueles ruídos, Jansky construiu uma enorme antena feita de madeira e tubos de latão. Ela tinha 30 metros de comprimento e 4 de altura e era apoiada em uma estrutura semelhante a um carrossel, que girava em torno do próprio eixo, completando uma volta a cada 20 minutos. O receptor, sintonizado na frequência de 20,5 MHz, registrava a intensidade dos sinais recebidos em um papel.
Com esse equipamento, ele iniciou uma varredura dos sinais de rádio vindo de todas as direções, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Jansky conseguiu identificar 3 fontes distintas de radiação. A primeira, e mais intensa, tinha origem em tempestades próximas. Ruídos mais fracos também podiam ser detectados na direção de tempestades distantes. Mas havia ainda uma terceira fonte, que gerava um sinal muito fraco e contínuo, de origem desconhecida.
Nos meses que se seguiram, Karl Jansky se dedicou a tentar encontrar a fonte daquele estranho sinal. Inicialmente ele percebeu que a direção dele mudava ao longo do dia e parecia estar sempre na mesma direção a cada 24 horas. Isso o levou a imaginar que o Sol fosse a origem daquele sinal.
Naquela época, vários astrônomos já haviam especulado que o Sol poderia naturalmente emitir algum tipo de radiação em ondas de rádio. Por cerca de 40 anos, alguns deles tentaram captar esses sinais, mas sem sucesso. Então, se Jansky tivesse mesmo detectado uma fonte de rádio proveniente do Sol, aquilo já seria fantástico. Só que aquele sinal captado por sua antena, tinha uma origem ainda mais extraordinária.
Ao analisar um conjunto mais amplo de dados e com um método mais refinado, Jansky percebeu que a direção do sinal não variava exatamente a cada 24 horas, e sim, 23 horas e 56 minutos. E mesmo não sendo um astrônomo, ele percebeu que este é o mesmo período de duração do dia sideral, o tempo que a Terra leva para completar uma volta em torno de si. E sabe o que isso significa?
Que aquele sinal não vinha da Terra e nem do Sol. Era um sinal de rádio vindo de fora do Sistema Solar, do Espaço Sideral. Mas quem estaria emitindo o misterioso sinal?
Para responder essa pergunta com a Ciência, Jansky se debruçou em mapas celestes para verificar o que havia no céu na direção em que os sinais eram detectados. Em 1933, depois de mais de um ano de estudos, ele concluiu que aqueles sinais fracos e contínuos de rádio vinham da direção da Constelação de Sagitário, e mais especificamente, do centro da Via Láctea. Ali, naquele momento, nascia por acidente, a radioastronomia.
Jansky anunciou sua descoberta em abril de 1933 em um encontro em Washington D.C. e, em outubro daquele ano, ele publicou o artigo “Distúrbios Elétricos de Origem Aparentemente Extraterrestre”, compartilhando com o mundo uma nova forma de enxergar o Cosmos.
Karl Jansky queria se aprofundar nos estudos dos sinais extraterrestres de rádio, mas não teve o apoio da Bell, que acreditava que aquele seria uma pesquisa cara e sem vantagens econômicas para a empresa. Os astrônomos da época também não reagiram muito bem. Alguns, perplexos, não sabiam o que fazer com aqueles sinais estranhos e nem explicar a sua origem. E muitos até mesmo duvidavam dos resultados apresentados por Jansky, achando que tudo aquilo poderia não passar de um defeito no equipamento construído por ele.
Talvez a reação dos astrônomos tenha sido causada pela estranheza daquela nova forma de explorar o Universo. Eram como cegos passando a enxergar pela primeira vez em sua existência. E enquanto Jansky foi designado pela Bell para outras atividades de engenharia, a radioastronomia acabou se desenvolvendo e se tornou uma das mais importantes ferramentas da astronomia moderna.
Hoje, os radiotelescópios estão em todas as partes do mundo e são utilizados com os mais variados fins. Desde de detectar a passagem de pequenos meteoros pela atmosfera, até obter imagens de um buraco negro numa galáxia distante, ou estudar a origem da energia escura em nosso Universo. Mas a verdade é que nada disso seria possível se não fosse a inteligência e a determinação de Karl Jansky em encontrar a fonte daquele ruído de rádio, que 90 anos atrás, resultou na mais importante descoberta acidental da história da astronomia.
Fonte: Olhar Digital
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