Um artigo publicado este mês na revista Astronomy and Astrophysics descreve a existência de monstros cósmicos habitando aglomerados estelares densos nascidos apenas algumas centenas de milhões de anos após o nascimento do Universo. O estudo foi feito com base em novas observações do Telescópio Espacial James Webb (JWST).

Aglomerados globulares são encontrados em quase todas as galáxias. Só a Via Láctea abriga pelo menos 180 deles. Eles representam os mais massivos e antigos agrupamentos estelares do Universo, muitas vezes contendo até um milhão de estrelas nascidas juntas cerca de 440 milhões de anos após o Big Bang, que podem mostrar anomalias não encontradas em nenhuma outra coleção cósmica.

O aglomerado globular Messier 13 (Aglomerado Hércules), visto pelo Telescópio Espacial Hubble. Em algum lugar no coração dessa densa multidão estelar podem estar monstros cósmicos conhecidos como superestrelas. Crédito: NASA, ESA e Hubble Heritage Team (STScI/AURA)

Estrelas de aglomerados globulares tendem a apresentar altos níveis de variação composicional, mesmo tendo nascido ao mesmo tempo e a partir da mesma nuvem em colapso de gás frio e poeira. A proporção de oxigênio, nitrogênio, sódio e alumínio, por exemplo, varia de uma estrela para outra nos mesmos aglomerados globulares. E entender essas chamadas “anomalias de abundância” tornou-se um desafio significativo para os astrônomos.

Uma possível explicação para esse mistério, sugerida em 2018, é que estrelas supermassivas “poluem” a nuvem de gás original conforme os aglomerados globulares se estabelecem. Isso faz com que as estrelas infantis sejam desigualmente enriquecidas com elementos químicos à medida que se formam.

Vestígios químicos encontrados pelo James Webb confirmam teoria

Agora, uma equipe de pesquisadores anunciou que o Webb detectou vestígios químicos que sugerem que estrelas monstruosas estão realmente à espreita em aglomerados estelares, fornecendo assim a primeira evidência observacional para essa teoria de enriquecimento.

“Hoje, graças aos dados coletados pelo JWST, acreditamos ter encontrado uma primeira pista da presença dessas estrelas extraordinárias”, disse a principal autora do estudo, Corinne Charbonnel, professora de astronomia da Universidade de Genebra, na Suíça, em um comunicado.

Essas estrelas supermassivas são entre cinco mil e 10 mil vezes mais pesadas que o Sol e chegam a temperaturas de até 75 milhões de graus Celsius em seus núcleos, em comparação com 15 milhões de graus C ou pouco mais no coração do nosso astro principal.

No entanto, apesar do tamanho intimidante e temperaturas assustadoras, essas bestas estelares nem sempre são fáceis de localizar. Isso porque elas queimam seu combustível para fusão nuclear rapidamente e, portanto, têm vida útil curta.

“Os aglomerados globulares têm entre 10 e 13 bilhões de anos, enquanto a expectativa de vida máxima das superestrelas é de dois milhões de anos”, disse o membro da equipe Mark Gieles, da Universidade de Barcelona. “Por isso, desapareceram muito cedo dos aglomerados que são atualmente observáveis, restando apenas vestígios indiretos”.

Para detectar sinais dessas estrelas supermassivas, a equipe do estudo recorreu à visão infravermelha do JWST para tentar capturar aglomerados globulares mais cedo em sua existência. 

O poderoso telescópio espacial viu a luz emitida por uma das galáxias mais distantes e antigas encontradas até hoje, a GN-z11, localizada a cerca de 13,3 bilhões de anos-luz de distância. Ela é vista pelo equipamento como era quando tinha apenas algumas dezenas de milhões de anos, tornando-se uma boa opção como campo de caça a aglomerados globulares jovens.

Verificação de repetição de padrões

Como os elementos químicos absorvem e emitem luz em certas frequências, o espectro de luz de fontes cósmicas contém “impressões digitais” que apontam para a composição dos objetos celestes. Os astrônomos pegaram a luz do GN-z11 visto pelo JWST e a quebraram, encontrando duas informações valiosas no processo.

“Foi estabelecido que GN-z11 contém proporções muito altas de nitrogênio e uma densidade muito alta de estrelas”, disse o coautor Daniel Schaerer, professor de astronomia da Universidade de Genebra.

Esses fatos indicam que vários aglomerados globulares estão nascendo naquela galáxia, ainda hospedando estrelas supermassivas ativas. Isso porque a forte presença de nitrogênio só pode ser explicada pela combustão de hidrogênio a temperaturas extremamente altas – que podem ser alcançadas apenas nos núcleos de estrelas supermassivas, segundo Charbonnel.

Os resultados reforçam o modelo de enriquecimento estelar supermassivo sugerido pelo estudo para explicar as estranhas composições de aglomerados globulares. O próximo passo da investigação será olhar para mais aglomerados globulares em galáxias distantes, para verificar se os mesmos padrões se mantêm.