Um artigo publicado na segunda-feira (22) na revista Nature Sustainability diz que a temperatura da superfície da Terra está a caminho de aumentar 2,7ºC acima dos níveis pré-industriais até 2100. Isso retira mais de dois bilhões de pessoas – 22% da população mundial projetada – da zona de conforto climático que favoreceu por milênios o desenvolvimento da nossa espécie.

Segundo a pesquisa, os países com maior número de pessoas enfrentando calor mortal neste cenário são Índia (600 milhões), Nigéria (300 milhões), Indonésia (100 milhões), Filipinas e Paquistão (com 80 milhões cada). Esses dados também foram apontados em outro estudo, publicado na revista Communications Earth & Environmentem agosto do ano passado, conforme noticiado pelo Olhar Digital. 

“Essa é uma profunda reformulação da habitabilidade da superfície do planeta e pode levar potencialmente à reorganização em grande escala de onde as pessoas vivem”, disse o autor principal do estudo, Tim Lenton, diretor do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter, na Inglaterra.

Mapa dos países e continentes produzido pela plataforma de serviço meteorológico Windy mostra ondas de calor globais de temperatura extrema alta, especialmente nas redondezas dos trópicos. Imagem: Oleg Senkov – Shutterstock

Ele explica que limitar o aquecimento global à meta de 1ºC estabelecida pelo Acordo de Paris em  2015, reduziria drasticamente o número de pessoas em risco para menos de meio bilhão, ou seja, cerca de 5% das 9,5 bilhões de pessoas que provavelmente habitarão o planeta dentro de seis ou sete décadas.

O aumento de pouco menos de 1,2 °C no aquecimento até agora já amplificou a intensidade ou a duração de ondas de calor, secas e incêndios florestais além do que poderia ter ocorrido sem a poluição de carbono gerada pela queima de combustíveis fósseis e florestas.

“Os custos do aquecimento global são muitas vezes expressos em termos financeiros, mas nosso estudo destaca o custo humano fenomenal de não enfrentar a emergência climática”, alerta Lenton. “Para cada 0,1°C de aquecimento acima dos níveis atuais, cerca de 140 milhões de pessoas a mais serão expostas a calor perigoso”.

O que seria o “calor perigoso”

A pesquisa liderada por Lenton concluiu que o patamar para “calor perigoso” é uma temperatura média anual (MAT) de 29°C. Nesse sentido, vale lembrar que, ao longo da história, as comunidades humanas foram mais densas em torno de dois MATs distintos: 13°C (em zonas temperadas) e 27°C (em climas mais tropicais).

Embora o aquecimento global esteja elevando o termostato em todos os lugares, o risco de cair em calor letal é claramente maior em regiões já próximas da linha vermelha de 29°C.

Estudos indicam que temperaturas altas sustentadas nesse limiar ou além estão fortemente ligadas a maior mortalidade, redução do rendimento do trabalho e da produtividade das culturas, além de mais conflitos e doenças infecciosas.

Há 40 anos, apenas 12 milhões de pessoas em todo o mundo estavam expostas a esses extremos. Hoje, esse número quintuplicou e, nas próximas décadas, vai subir cada vez mais acentuadamente.

Locais com maiores riscos de morte devido ao calor extremo

Segundo a pesquisa britânica, o risco é agravado em regiões próximas ao equador, onde as populações humanas estão se expandindo mais rapidamente: climas tropicais podem se tornar mortais mesmo em temperaturas mais baixas, quando a alta umidade impede que o corpo se resfrie por meio da transpiração.

Conforme destaca o site Science Alert, os mais expostos ao calor extremo vivem principalmente em países mais pobres com as menores pegadas de carbono per capita.

De acordo com o Banco Mundial, a Índia emite em média cerca de duas toneladas de CO2 por pessoa todos os anos, e a Nigéria, por sua vez, em torno de meia tonelada anual, em comparação com menos de sete toneladas por pessoa na União Europeia e 15 nos EUA.

Promessas de corte de carbono de governos e empresas ainda não convertidas em ações impediriam o aumento da temperatura global em 2°C, permitindo que centenas de milhões evitassem o calor catastrófico.

No entanto, cenários ainda piores do que os 2,7°C que resultariam das políticas atuais também não podem ser excluídos, segundo os autores do estudo.

Se as emissões passadas e contínuas desencadearem a liberação de estoques naturais de carbono, como no permafrost, ou aquecerem a atmosfera mais do que o previsto, as temperaturas podem subir quase quatro graus acima dos níveis de meados do século 19 – um cenário verdadeiramente catastrófico.