Muitas pessoas, no mundo todo, têm dentes “encavalados” ou mal alinhados, uma condição que a odontologia chama de “má oclusão” – que se traduz literalmente como “mordida ruim”. Para tentar resolver o problema, algumas delas recorrem ao uso de aparelhos ortodônticos, às vezes, até por longos anos.
Essa solução, no entanto, é algo relativamente novo, com menos de três séculos de existência. O primeiro aparelho fixo foi criado em 1728, pelo francês Pierre Fauchard. Batizado de bandeau (bandô, em português), o aparato consistia de um metal pesado, em formato de ferradura. E somente depois de quase 100 anos é que a ortodontia começou a evoluir efetivamente.
Então, como explicar que os fósseis de humanos antigos apresentam uma dentição quase perfeita, indicando que os popularmente chamados homens das cavernas tinham dentes naturalmente retos?
“O museu em que trabalho tem milhares de crânios antigos de todo o mundo. A maioria dos crânios dos últimos cem anos é o pesadelo de um dentista: eles estão cheios de cáries e infecções, os dentes estão apinhados na mandíbula e cerca de um quarto deles tem dentes impactados”, relata o biólogo evolucionista Daniel Lieberman, em seu livro A História do Corpo Humano. “Os crânios dos agricultores pré-industriais também estão cheios de cáries e abscessos de aparência dolorosa, mas menos de 5% deles afetaram os dentes do siso. Em contraste, a maioria dos caçadores-coletores tinha saúde dental quase perfeita. Aparentemente, ortodontistas e dentistas raramente eram necessários na Idade da Pedra”.
Mandíbulas pré-históricas revelam dentes bem alinhados
Em um artigo publicado no Stanford University Press, os ortodontistas Sandra Kahn e Paul R. Ehrlich, da Universidade de Stanford, nos EUA, citam que uma comparação de 146 crânios medievais de cemitérios noruegueses abandonados com crânios modernos indicou uma tendência à má mordida em nossos antepassados mais recentes.
Os crânios de pessoas classificadas como tendo necessidade “grande” ou “óbvia” de tratamento ortodôntico representaram 36% da amostra medieval e 65% da amostra moderna.
E, segundo eles, evidências de má oclusão em fósseis humanos anteriores são ainda mais raras. As mandíbulas dos caçadores-coletores revelam quase uniformemente arcos espaçosos e perfeitos de dentes bem alinhados, sem dentes do siso impactados.
Kahn e Ehrlich explicam que um fator chave para os dentes tortos nos seres humanos modernos está relacionado ao tamanho de nossas mandíbulas.
“Para um desenvolvimento saudável, as mandíbulas devem ser capazes de fornecer espaço suficiente para todos os trinta e dois dentes que crescem na boca. Com o tempo, nossos dentes ficaram tortos porque nossas mandíbulas ficaram menores”, diz o artigo. “As raízes da epidemia estão em mudanças culturais em ações cotidianas importantes sobre as quais raramente pensamos; coisas como mastigação, respiração ou a posição de nossas mandíbulas em repouso, e essas mudanças, por sua vez, foram provocadas por desenvolvimentos sócio-históricos muito maiores – a saber, a industrialização”.
Antropólogos relatam que o tamanho da boca humana vem diminuindo há muito tempo. Como os seres humanos usam ferramentas de pedra há pelo menos 3,3 milhões de anos, isso pode representar o tempo durante o qual o encolhimento ocorreu.
Ou seja, nossos ancestrais mais antigos “exercitavam” mais a mandíbula, porque precisavam dilacerar alimentos diretamente com a boca e mastigar muito, para torná-los digeríveis.
As ferramentas de pedra permitiram uma maior mudança para uma dieta carnívora porque a capacidade de cortar a carne em pequenos pedaços reduziu a quantidade de mastigação necessária para extrair o alimento. “Menos mastigação reduziu a necessidade de mandíbulas grandes e poderosas. O advento da agricultura acelerou essa tendência”, afirmam os autores.
Além disso, entre 1,8 milhões e 300 mil anos atrás, o Homo erectus, espécie com o raciocínio mais evoluído, descobriu que se fizesse fricção entre duas pedras, esfregando uma na outra, conseguiria produzir uma faísca, que se colocada em algum lugar de fácil combustão, pegaria fogo normalmente. Assim, começou-se a cozinhar os alimentos, então, já não se comiam carnes cruas (naturalmente, mais duras).
Com o advento da agricultura, há cerca de 12 mil anos, a mastigação se tornou ainda mais leve. A boca humana dispensou grande parte das funções exercidas anteriormente, como triturar, esmagar e pulverizar.
Hábitos alimentares e higiene bucal
Esses são apenas alguns dos fatores que explicam a diferença entre os sorrisos pré-históricos e modernos.
Estima-se que entre 30% e 60% da população mundial necessite usar aparelho para corrigir os dentes, algo que varia de país para país. Existem muitas pessoas que já, inclusive, nascem sem os dentes do siso, provando a evolução adaptativa.
Isso não quer dizer que devemos voltar a nos comportar como os homens das cavernas para que tenhamos dentes alinhados. Mas, uma mudança no estilo de vida, consumindo menos alimentos processados e industrializados, mastigando corretamente (e muitas vezes) os alimentos e mantendo hábitos de higiene bucal, podemos evitar maiores problemas e exibir sorrisos mais bonitos.
Fonte: Olhar Digital
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