Não é nenhuma novidade que uma das maiores ambições da exploração espacial humana para um futuro próximo é levar astronautas a Marte. No entanto, isso é um objetivo desafiador em diversos sentidos, principalmente no que se refere à alimentação, resistência a baixas temperaturas, exposição à radiação, entre outros fatores que implicam diretamente na saúde dos indivíduos.
Em filmes de ficção científica, as tripulações espaciais são frequentemente poupadas da inconveniência das viagens de longa distância sendo colocadas em um estado de “animação suspensa” – algo semelhante à hibernação, processo natural de depressão metabólica inerente a certos animais.
E é bem possível que isso saia do campo da fantasia para se tornar realidade. Um artigo publicado na quinta-feira (25) na revista Nature Metabolism descreve uma pesquisa desenvolvida por uma equipe de cientistas de diversas instituições dos EUA que mostra que a hibernação pode ser desencadeada artificialmente usando pulsos ultrassônicos.
Como foi feito o estudo de hibernação induzida
No estudo, foram aplicados experimentos em camundongos – animais que não hibernam naturalmente – que obtiveram resultados altamente satisfatórios, levantando a perspectiva de que os seres humanos também podem reter um circuito de hibernação vestigial no cérebro com ativação e reativação artificial.
“Se isso se provar viável em humanos, podemos imaginar astronautas usando um dispositivo semelhante a um capacete projetado para atingir a região do hipotálamo para induzir um estado de hipotermia e hipometabolismo”, disse Hong Chen, professor associado da Universidade de Washington em St Louis, autor principal do estudo, ao jornal The Guardian.
Primeiro, a equipe identificou um grupo específico de neurônios em uma região cerebral profunda chamada área pré-óptica do hipotálamo, que poderia estar envolvido na regulação da temperatura corporal e no metabolismo durante a hibernação.
Eles mostraram que, nos camundongos, esses neurônios poderiam ser ativados artificialmente usando correntes de ultrassom transportadas de forma não invasiva por meio de uma espécie de capacete.
Ao serem estimulados, os camundongos apresentaram uma queda de aproximadamente 3ºC na temperatura corporal por cerca de uma hora. O metabolismo dos animais também deixou de usar carboidratos e gordura na produção de energia, passando a usar apenas gordura, uma característica fundamental do torpor (estado de prostração). Além disso, suas taxas cardíacas caíram cerca de 47%, tudo à temperatura ambiente.
Os cientistas também desenvolveram um sistema automático de resposta em circuito fechado que gerava um pulso de ultrassom para manter os camundongos no torpor induzido caso eles apresentassem sinais de aquecimento. Isso permitiu que os animais fossem mantidos a 33ºC no estado de hibernação por 24 horas. Quando o aparelho de ultrassom foi desligado, eles acordaram novamente.
Depois, o mesmo dispositivo foi usado em ratos (que têm 10 vezes o peso dos camundongos), que tiveram uma queda de 1ºC na temperatura corporal central quando a mesma região do cérebro foi atingida. Segundo Chen, o resultado foi “surpreendente e fascinante”, e a equipe planeja testar a técnica em animais ainda maiores.
Aplicações além das viagens tripuladas a Marte
Além do potencial uso em viagens espaciais de longa distância, como as futuras missões tripuladas a Marte (algo já cogitado por agências espaciais), induzir um estado semelhante ao torpor em humanos tem possíveis aplicações médicas. A desaceleração do metabolismo poderia, por exemplo, ganhar tempo crítico para o tratamento de condições potencialmente fatais, como ataque cardíaco e derrame.
“Ao estender a janela para a intervenção médica, essa técnica oferece perspectivas promissoras para melhorar as chances de sobrevivência dos pacientes”, disse Chen. “Além disso, a natureza não invasiva da técnica abre a possibilidade de desenvolver dispositivos de ultrassom vestíveis, como capacetes, para fácil acesso em situações de emergência”.
Como a NASA anunciou que pretende levar pessoas a Marte até 2040, ainda temos uns bons anos pela frente até a técnica se mostrar segura em seres humanos. Até lá, o procedimento continua sendo coisa de cinema – pelo menos, por enquanto.
Fonte: Olhar Digital
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