Sexta-feira, Novembro 22, 2024
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Após vitória surpreendente no primeiro turno, Erdogan está a um triz de ampliar neste domingo hegemonia na Turquia por mais cinco anos

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No poder há duas décadas, atual presidente recebeu 49,5% dos votos no último dia 14 de maio e conquistou apoio do terceiro colocado; sua vitória deixaria o país à margem de um endurecimento do regime

Os turcos voltam às urnas neste domingo, 28, para decidir quem vai governar o país pelos próximos cinco anos. Recep Tayyip Erdogan, atual chefe de Estado, e Kemal Kilicdaroglu, líder da oposição, estão na disputa pelo poder. Apesar do forte movimento anti-Erdogan, que juntou seis partidos e tem o apoio de jovens, curdos (10% do eleitorado) e donas de casa, o líder turco, que defende uma hegemonia de 20 anos, ainda é o favorito, principalmente após receber o apoio da terceira via durante a última semana de campanha eleitoral. No primeiro turno, realizado no dia 14 de maio, apesar das pesquisas apontarem a oposição à frente, os resultados surpreenderam. Mesmo com a disputa acirrada, Erdogan conseguiu levar a melhor e obteve 49,5% dos votos, contra 44,9% de Kilicdaroglu. A iminente vitória do atual chefe de Estado deixaria o país à margem de um endurecimento de regime, algo que vem sendo criticado pela considerável fatia dos turcos que o veem como um líder autocrático. Segundo o especialista Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), quando o fundador do Partido da Justiça e Desenvolvimento (de orientação conservadora, liberal e neo-otomana) alterou em 2018 a forma de governo na Turquia — ou seja, saiu do sistema parlamentar para o presidencial —, essa mudança fez com que ele se tornasse praticamente um ditador, que está diminuindo a independência das instituições, perseguindo jornalistas, militares, oposição e professores. “Ou seja, um grande autocrata. Se no início parecia um governo promissor, desandou e virou uma autocracia”, afirma Rudzit.

Para Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacional do Ibmec Belo Horizonte, a Turquia já vive o endurecimento do regime desde que adotou o sistema presidencial. “Erdogan é centralizador. Ele mudou o sistema de governo de parlamentar para presidencialista, com concentração de capacidade decisória. Foi uma mudança profunda, concentrando em si o poder, o que caracteriza um deficit democrático”, destaca o especialista, acrescentando que o líder conservador “representa muito da extrema-direta porque é ligado a grupos religiosos, com um pensamento de que a religião e os costumes são importantes nas decisões políticas”. O especialista também ressalta que hoje a Turquia vive dois processos importantes na hora de decidir o voto: a crise econômica e o terremoto que aconteceu no final de fevereiro e devastou o país. Os jovens acusam Erdogan de não ter dado o suporte necessário, e o próprio líder turco chegou admitir que demorou para agir. O primeiro turno das eleições registrou um número histórico de cidadãos exercendo seu direito: 88,9% compareceram às urnas. O país também ganhou 5,2 milhões de novos eleitores. Mendonça aponta que esse engajatamento está associado ao degaste do governo.

turquia eleição                  eleição na turquia

“Quando se está há muito tempo no poder, o desgaste da população é claro e faz com que as pessoas se engajem mais. Foi recorde de votação, justificado pelo envolvimento da juventude. Esse é um pleito diferente e com engajamento social e popular”, diz o cientista político. Os jovens, focados em tirar atual chefe de Estado do poder, pois não têm esperança de melhora com ele à frente do país, apostam em Kilicdaroglu. “Ele [Erdogan] está há 20 anos no poder, o que não é normal. Começou a perder a popularidade pelo desgaste, vem recebendo críticas em razão da crise econômica e não tem antedido ao desejo dos curdos, povo populoso e com capacidade de voto importante. Por não atender a essas demandas, Erdogan perde a interlocução e tem sua liderança questionada”, pontua Rudzit.

A insatisfação, no entanto, não parece bastar para o fim de um projeto hegemônico de poder. Erdogan controla a imprensa — portanto tem exposição muito maior que o adversário — e conta com o apoio de uma sociedade ainda bastante conservadora. Tanto é que Sinan Ogan, o nacionalista que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, usou o discurso anti-imigração na hora de formalizar seu apoio ao atual presidente. O político de extrema-direita, um até então desconhecido que abocanhou 5,2% do eleitorado no último dia 14, destacou a “luta ininterrupta contra o terrorismo” e disse que Kilicdaroglu “falhou em convencer os turcos sobre o futuro”. A vitória de Erdogan deixaria a Turquia em uma posição delicada, já que pode ver seus jovens partirem, o que impacta diretamente na economia. Estima-se que 72% dos turcos entre 18 e 25 anos querem viver fora do país se tiverem a oportunidade, de acordo com uma pesquisa da fundação Konrad-Adenauer publicada no início do ano passado.

Márico Schettino, professor de relações internacionais da UFMG e do Ibmec, pondera que o candidato que vencer as eleições terá dificuldades pela frente, pois precisará lidar com a questão dos refugiados na Guerra na Síria — que se alonga por quase 10 anos —, a situação econômica pós-Covid-19 e o crescimento da rivalidade entre Ocidente e Oriente, com foco em União Europeia, Estados Unidos, Rússia e China. Qualquer decisão tomada em Ancara em relação aos refugiados afeta diretamente a UE. A Turquia é o país que mais tem refugiados no mundo. Segundo a Acnur (Agência da ONU para Refugiados), eles são 3,7 milhões, e esse alto número se deve ao país impedir que as pessoas vítimas de tráfico humano sigam para Europa. De acordo com Schettino, uma vitória de Erdogan fará com que a Turquia caminhe para uma postura mais autônoma nas questões internacionais, além de uma proximidade com Rússia e China. Se Kilicdaroglu conseguir a virada, “podemos esperar uma Turquia maior alinhamento com União Europeia e Estados Unidos”.

O especialista relembra que o maior legado deixado pelo conservador foi o crescimento econômico nos anos 2000 e o frenesi de construções, que levou à entrada de bilhões de dólares em créditos na Turquia, onde os governos de Erdogan redesenharam o formato de inúmeras cidades e conectaram as províncias com uma rede de rodovias e aeroportos. Ironicamente, agora ele pode sair exatamente pelas duas razões que o deram poder: um terremoto — na sua primeira vitória, em 2002, o Sismo de Izmit, ocorrido três anos antes, teve papel preponderante — e a crise econômica. Independentemente do candidato que vencer, os especialistas dizem que não deverá surtir efeito nas relações com o Brasil.

 

Fonte: Jovem Pan News

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