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No poder há duas décadas, atual presidente recebeu 49,5% dos votos no último dia 14 de maio e conquistou apoio do terceiro colocado; sua vitória deixaria o país à margem de um endurecimento do regime
Os turcos voltam às urnas neste domingo, 28, para decidir quem vai governar o país pelos próximos cinco anos. Recep Tayyip Erdogan, atual chefe de Estado, e Kemal Kilicdaroglu, líder da oposição, estão na disputa pelo poder. Apesar do forte movimento anti-Erdogan, que juntou seis partidos e tem o apoio de jovens, curdos (10% do eleitorado) e donas de casa, o líder turco, que defende uma hegemonia de 20 anos, ainda é o favorito, principalmente após receber o apoio da terceira via durante a última semana de campanha eleitoral. No primeiro turno, realizado no dia 14 de maio, apesar das pesquisas apontarem a oposição à frente, os resultados surpreenderam. Mesmo com a disputa acirrada, Erdogan conseguiu levar a melhor e obteve 49,5% dos votos, contra 44,9% de Kilicdaroglu. A iminente vitória do atual chefe de Estado deixaria o país à margem de um endurecimento de regime, algo que vem sendo criticado pela considerável fatia dos turcos que o veem como um líder autocrático. Segundo o especialista Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), quando o fundador do Partido da Justiça e Desenvolvimento (de orientação conservadora, liberal e neo-otomana) alterou em 2018 a forma de governo na Turquia — ou seja, saiu do sistema parlamentar para o presidencial —, essa mudança fez com que ele se tornasse praticamente um ditador, que está diminuindo a independência das instituições, perseguindo jornalistas, militares, oposição e professores. “Ou seja, um grande autocrata. Se no início parecia um governo promissor, desandou e virou uma autocracia”, afirma Rudzit.
Para Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacional do Ibmec Belo Horizonte, a Turquia já vive o endurecimento do regime desde que adotou o sistema presidencial. “Erdogan é centralizador. Ele mudou o sistema de governo de parlamentar para presidencialista, com concentração de capacidade decisória. Foi uma mudança profunda, concentrando em si o poder, o que caracteriza um deficit democrático”, destaca o especialista, acrescentando que o líder conservador “representa muito da extrema-direta porque é ligado a grupos religiosos, com um pensamento de que a religião e os costumes são importantes nas decisões políticas”. O especialista também ressalta que hoje a Turquia vive dois processos importantes na hora de decidir o voto: a crise econômica e o terremoto que aconteceu no final de fevereiro e devastou o país. Os jovens acusam Erdogan de não ter dado o suporte necessário, e o próprio líder turco chegou admitir que demorou para agir. O primeiro turno das eleições registrou um número histórico de cidadãos exercendo seu direito: 88,9% compareceram às urnas. O país também ganhou 5,2 milhões de novos eleitores. Mendonça aponta que esse engajatamento está associado ao degaste do governo.
“Quando se está há muito tempo no poder, o desgaste da população é claro e faz com que as pessoas se engajem mais. Foi recorde de votação, justificado pelo envolvimento da juventude. Esse é um pleito diferente e com engajamento social e popular”, diz o cientista político. Os jovens, focados em tirar atual chefe de Estado do poder, pois não têm esperança de melhora com ele à frente do país, apostam em Kilicdaroglu. “Ele [Erdogan] está há 20 anos no poder, o que não é normal. Começou a perder a popularidade pelo desgaste, vem recebendo críticas em razão da crise econômica e não tem antedido ao desejo dos curdos, povo populoso e com capacidade de voto importante. Por não atender a essas demandas, Erdogan perde a interlocução e tem sua liderança questionada”, pontua Rudzit.
A insatisfação, no entanto, não parece bastar para o fim de um projeto hegemônico de poder. Erdogan controla a imprensa — portanto tem exposição muito maior que o adversário — e conta com o apoio de uma sociedade ainda bastante conservadora. Tanto é que Sinan Ogan, o nacionalista que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, usou o discurso anti-imigração na hora de formalizar seu apoio ao atual presidente. O político de extrema-direita, um até então desconhecido que abocanhou 5,2% do eleitorado no último dia 14, destacou a “luta ininterrupta contra o terrorismo” e disse que Kilicdaroglu “falhou em convencer os turcos sobre o futuro”. A vitória de Erdogan deixaria a Turquia em uma posição delicada, já que pode ver seus jovens partirem, o que impacta diretamente na economia. Estima-se que 72% dos turcos entre 18 e 25 anos querem viver fora do país se tiverem a oportunidade, de acordo com uma pesquisa da fundação Konrad-Adenauer publicada no início do ano passado.
Márico Schettino, professor de relações internacionais da UFMG e do Ibmec, pondera que o candidato que vencer as eleições terá dificuldades pela frente, pois precisará lidar com a questão dos refugiados na Guerra na Síria — que se alonga por quase 10 anos —, a situação econômica pós-Covid-19 e o crescimento da rivalidade entre Ocidente e Oriente, com foco em União Europeia, Estados Unidos, Rússia e China. Qualquer decisão tomada em Ancara em relação aos refugiados afeta diretamente a UE. A Turquia é o país que mais tem refugiados no mundo. Segundo a Acnur (Agência da ONU para Refugiados), eles são 3,7 milhões, e esse alto número se deve ao país impedir que as pessoas vítimas de tráfico humano sigam para Europa. De acordo com Schettino, uma vitória de Erdogan fará com que a Turquia caminhe para uma postura mais autônoma nas questões internacionais, além de uma proximidade com Rússia e China. Se Kilicdaroglu conseguir a virada, “podemos esperar uma Turquia maior alinhamento com União Europeia e Estados Unidos”.
O especialista relembra que o maior legado deixado pelo conservador foi o crescimento econômico nos anos 2000 e o frenesi de construções, que levou à entrada de bilhões de dólares em créditos na Turquia, onde os governos de Erdogan redesenharam o formato de inúmeras cidades e conectaram as províncias com uma rede de rodovias e aeroportos. Ironicamente, agora ele pode sair exatamente pelas duas razões que o deram poder: um terremoto — na sua primeira vitória, em 2002, o Sismo de Izmit, ocorrido três anos antes, teve papel preponderante — e a crise econômica. Independentemente do candidato que vencer, os especialistas dizem que não deverá surtir efeito nas relações com o Brasil.
Fonte: Jovem Pan News
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