O Departamento de Agricultura dos EUA aprovou a produção e venda de carne pela primeira vez no país nesta quarta-feira (21), pavimentando o caminho para que dias empresas californianas produzam frangos de laboratório, criados a partir de células animais.

Apesar da histórica decisão, ainda deve levar anos até que a população possa comprar esse tipo de carne nos supermercados. Só que, após inspeções federais, isso deve, eventualmente, permitir a venda da comida produzida em laboratório para além das fronteiras estaduais.

O sinal verde dado pelo departamento de agricultura dos EUA é um marco para companhias que trabalham com a criação de carne advinda de células animas, ao lado de consumidores que visam alternativas a frangos criados e abatidos em fazendas próprias para isso.

Apoiadores de proteínas alternativas, com companhias que visavam aprovação federal – são elas: Upside Foodse Good Meat -, celebraram a novidade como sendo fundamental para a indústria de carne e o sistema mais amplo de alimentos, em momento de crescimento do consentimento sobre o impacto ambiental na produção tradicional de carne e o tratamento aos animais afetados.

Essa aprovação mudará fundamentalmente a forma como a carne chega à nossa mesa. É um passo gigante em direção a um futuro mais sustentável – que preserva a escolha e a vida.

Dra. Uma Valeti, diretora-executiva e fundadora da Upside Foods, em comunicado

A decisão fará dos Estados Unidos o segundo país do mundo, depois de Cingapura, a autorizar a produção e venda de carne cultivada em laboratório.

Bruce Friedrich, presidente do Good Food Institute, organização sem fins lucrativos focada em carne à base de células e vegetais, disse que a aprovação dos EUA foi um passo crítico para a indústria, acrescentando que “o mundo olha para o sistema de aprovação de segurança alimentar dos Estados Unidos e, agora, muitos governos seguirão.”

Os defensores da carne cultivada dizem que o produto tem melhores resultados para o meio ambiente, segurança alimentar e bem-estar animal. Mas os céticos desconfiam dos riscos científicos e de segurança e dizem que os supostos benefícios ambientais não são comprovados. Dificuldades permanecem sobre como aumentar o produto para consumo em massa.

Cerca de 100 empresas em todo o mundo, incluindo dezenas nos Estados Unidos, concentram-se na produção de carne cultivada, de acordo com Friedrich. O setor foi avaliado em cerca de US$ 247 milhões (R$ 1,1 bilhão) em 2022, segundo a empresa de pesquisa de mercado Grand View Research, e pode crescer para US$ 25 bilhões (R$ 119 bilhões) até 2030, projetou a consultoria McKinsey & Company.

Imagem: New Africa/Shutterstock

Como a carne de laboratório é produzida?

A carne cultivada em laboratório começa com células retiradas de um animal. Essas células são então alimentadas com água, sal e nutrientes, como aminoácidos, vitaminas e minerais.

As células, então, se multiplicam em grandes tanques, chamados cultivadores ou biorreatores. Quando colhido, o produto é essencialmente carne picada, que depois é transformada em rissóis, salsichas ou filetes. A carne não contém ossos, penas, bicos ou cascos e não precisa ser abatida.

A Upside Foods e a Good Meat se recusaram a detalhar sua capacidade de produção atual, mas o Dr. Valeti disse, no ano passado, que a empresa acabará crescendo para “dezenas de milhões de libras de produto”.

Isso é ração de frango em comparação com as mais de 300 milhões de toneladas de carne consumidas em todo o mundo – número que só deve crescer.

Ambas as empresas começarão a vender frango para consumidores americanos por meio de restaurantes parceiros: a Upside Foods, no Bar Crenn, em São Francisco, e a Good Meat, em local não revelado operado pelo chef José Andrés, em Washington. O modelo permite educação e feedback do consumidor, disseram porta-vozes das empresas.

Após o teste inicial, ambas as empresas também antecipam aumentar a produção e expandir para outros tipos de carne (a carne bovina, com seu maior teor de gordura e sabor mais complexo, é mais difícil de reproduzir).

Ainda assim, persistem dúvidas sobre a estrutura regulatória em torno da carne cultivada e as atitudes do consumidor em relação aos produtos.

Muitos criadores de gado e grupos de agricultura reclamaram por chamar a variedade cultivada em laboratório de “carne” e fizeram lobby junto aos legisladores para salvaguardar a palavra.

O Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar, agência do Departamento de Agricultura encarregado de inspecionar as condições das instalações de processamento, está elaborando regulamentos sobre como os produtos alimentícios derivados de células animais devem ser rotulados.

Por enquanto, as duas empresas da Califórnia chamarão seus produtos de “frango cultivado em células”, rótulo esse que a agência aprovou na semana passada.

Deixando de lado as batalhas semânticas e de opinião do consumidor, Friedrich alertou que os produtos cárneos cultivados, quando finalmente chegarem às prateleiras dos supermercados, serão caros em comparação com salsichas e hambúrgueres convencionais – semelhante a como a energia renovável era inicialmente mais cara que o petróleo e o gás. No entanto, ele está confiante de que “a carne cultivada se venderá sozinha”.

Com informações de The New York Times