A morte do jovem Nahel na França se somou a outros acontecimentos que entraram para história e mostraram como as sociedades estão mudando. No dia 27 de junho, Nahel, de 17 anos, foi morto por um policial francês. O caso gerou uma onda de manifestações pelo país que acabou com 3,5 mil detidos. No ano passado, a morte de Mahsa Amini, no Irã, que foi dada como morta após ser levada sob custódia pela polícia da moral por estar utilizando o véu da maneira incorreta, também desencadeou em uma série de protesto por justiça e pelos direito das mulheres e demais minorias. Vários homens deram força ao movimento. O caso chegou até mesmo à Copa do Mundo do Qatar, com protestos da torcida iraniana e até mesmo dos jogadores, que se recusaram a cantar o hino no jogo de abertura. Em 2020, a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, também pela polícia, repercutiu no mundo inteiro e levou uma série de pessoas às ruas sob o lema “Black Life Matter” (em português, “Vidas Negras Importam”). Neste caso, talvez o mais popular dos três citados acima, o policial que matou o homem negro foi condenado, assim como seu parceiro.
David Morales professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC, destaca que o que está sendo registrado atualmente pode ser classificado como “modernidade líquida”. Ou seja, todas as constatações e fatos que tínhamos como princípios estão diluindo. “Isso significa que, em nosso comportamento, a relação do indivíduo com a instituição, do cidadão com a instituição, e a relação do Estado em proteger o indivíduo não corresponde a um pacto social como a teoria política se determina”, fala. Ele cita o caso de George Floyd, que comoveu o mundo totalmente. “O que podemos conferir também é que há uma fragilidade do Estado e de sua responsabilidade com o indivíduo e também uma responsabilidade civil do indivíduo com o Estado, porque é uma contrapartida, é um impacto”, explica o especialista. Morales também fala da força que a era digital tem nesses movimentos. O caso de Nahel, por exemplo, aconteceu de manhã. Na noite do mesmo dia, os protestos já foram realizados. “Entramos nesse universo digital, nesse universo da sociedade de rede e estamos vendo como a repercussão desses casos tem impacto em todo lugar e, ao mesmo tempo, se tem a transmissão imediata.”
Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), destaca que a geração da virada do milênio é muito mais exposta a questões de diversidade e individualidade. As pessoas querem ser reconhecidos como indivíduos e exercer a sua cidadania na sua plenitude. “O jovem francês simplesmente quer ser reconhecido pelo Estado francês e pela sociedade francesa como um cidadão pleno, independentemente da sua origem. No caso das mulheres iranianas, claramente, não estão contestando a fé islâmica, por exemplo, mas querem ser reconhecidas como indivíduos, não cidadãos de segunda classe, como hoje o regime iraniano as trata de fato”, pontua. Essas ondas de manifestações surtem efeitos, contudo, o professor ressalta que, para isso acontecer, é preciso incorporar essas pessoas à sociedade e nos Estados. Vieira traz como referência, quando comparado ao comportamento dos Estados Unidos e da França, o Reino Unido. Uma prova disso é que o primeiro-ministro, Rishi Sunak, é descendente de migrantes indianos, e o prefeito de Londres é paquistanês.
Morales pontua que, ao ter acontecimentos como esses listados acima, sempre se faz a securitização do problema, ou seja, implica no descolamento de força armada e deslocamento da força policial de forma repressiva, e não se coloca o problema na esfera da politização como prioridade, o que faz com que sempre pegue os governos de forma inesperada. “Como sempre vão pelo lado militar, pelo lado da força armada, temos que pensar como um Estado deve ser eficiente para evitar que esses deslocamentos e controlar as manifestações sociais, porque, por exemplo, na França, gente que não tinha nada a ver perdeu seus negócios devido ao vandalismo”. Para o professor, fatos assim mostram a necessidade de “fazer profundas reformas e para fazer a incorporação dos migrantes nos países que têm esse problema com as migrações internacionais, com esses êxodos maciços que estão chegando das ex-colônias. É preciso colocar essa pauta dentro da agenda, independentemente do espectro político de quem estiver governado”, fala, acrescentando que se medidas não forem tomadas, o problema vai continuar se arrastando de governo em governo e nunca se terá uma solução. A França apresenta maiores problemas quando compara a outros países da região que também recebem pessoas vinda de outros lugares, porque não se preparou para o cenário pós-colonização.
Fonte: Jovem Pan News
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