Em Portugal com a família, à espera de um novo desafio na carreira, Júnior Moraes conversou com nossos parceiros do Zerozero, em Portugal, para entrevista exclusiva com toque muito pessoal. Moraes abriu o jogo sobre a carreira, revelou os motivos da passagem pelo Corinthians ter sido frustrante, deu bastidores sobre o que vivenciou na guerra na Ucrânia e falou sobre futuro.
Do passado, destacou seus bons momentos de quando jogava no futebol ucraniano. Garantiu ter desfrutado mais o jogo com Paulo Fonseca nos tempos de Shakhtar, onde fez temporadas de 26 gols. Foi nessa época que resolveu defender a seleção ucraniana, após muito ponderar.
“A primeira conversa que eu tive com o Shevchenko, eu ainda estava no Dinamo. Eu demorei praticamente um ano pra decidir se iria me naturalizar ou não, porque queria ter 200% de certeza que era a escolha certa. Logo que fui para o Shakhtar, tinha feito um contrato longo, quando estava vivendo o auge da minha carreira, foi ali que tomei a decisão. Jogar na seleção do país seria a cereja do bolo, e trabalhar com Shevchenko como treinador seria incrível. E foi uma das melhores escolhas que fiz. Minha estreia foi contra Portugal, foi incrível, nos classificamos em primeiro nas Eliminatórias”, disse Moraes, que ainda sonha em jogar mais pela seleção.
Se tocou o céu com a bola nos pés na Ucrânia, Júnior Moraes, por outro lado, viveu um dos momentos mais tensos de sua vida em solo ucraniano. Viu, de perto, o início da invasão russa no país. “Dormi em paz e acordei no meio de uma guerra”, começou a contar.
“O primeiro ataque, em Kiev, foi às 4h, 5h. Quando acordei com explosões, achei que era um pesadelo, achei que não era real. Você acordar e ver explosões, o prédio tremer… Eu conversava com muita gente lá, presidente da federação, pessoas de vários cargos e funções, e ninguém acreditava que teria uma guerra assim. Nos dias atuais, não cabe uma situação dessa. Ainda mais com ataque em Kiev, capital… Foram dias de muito terror, muita tensão, porque o objetivo da Rússia era dominar Kiev. Eu lembro que vi da janela carro passando por cima de carro, gente correndo, quase como fim do mundo, como vemos em filme de terror”, relatou o brasileiro, naturalizado ucraniano.
Moraes revelou uma ligação com Aleksander Čeferin, presidente da Uefa, para organizar a saída dos jogadores e famílias de jogadores brasileiros que atuavam na Ucrânia naquele momento.
“A gente não conseguia sair de Kiev, não tinha combustível. Nós acordamos de ficar no hotel do clube. Numa sala no meio do hotel, onde não tinha janelas. Foi um grupo de 41 pessoas, tentando procurar uma solução. A cada minuto que a gente tentava uma saída, vinha uma negativa, e o exército russo chegava mais próximo da gente. Via vídeos de onde eu passeava com a minha família com tanques russos lá. Foi desesperador. Até que o presidente da Uefa, Čeferin, entrou em contato comigo, através do Dario Srna (ex-capitão do Shakhtar), para organizar uma saída. Foi quando recebemos a informação de um trem que sairia no sábado, às 16h50. Só que 17h era o toque de recolher, com muito risco de estar na rua. A gente tinha muito bebê, muita criança, gente de idade também. Só que as pessoas já estavam em pânico, e a decisão, em conjunto, foi de arriscar e sair para o trem. O Seferin conseguiu ajuda local, com a federação ucraniana e romena, de conseguir apoio para levar a gente da estação até a fronteira. No inverno rigoroso, não adiantava só chegar na estação, e não ter o que fazer, sem alimento, transporte, para chegar na fronteira. O presidente Čeferin foi muito influente para ajudar a gente, os presidentes das federações. Graças a Deus, conseguimos sair salvos”, recordou.
Depois de retornar ao Brasil, Moraes não teve muito tempo para assimilar o que havia sido vivido na Ucrânia. Em poucos dias, já assinava como novo reforço do Corinthians. O retorno para jogar no país não estava nos planos do atacante, que também havia recebido outras ofertas, entre elas uma da Atalanta, da Itália.
“No meu plano de carreira, gostaria de ficar mais tempo na Ucrânia, porque, com mais 22 gols, eu me tornaria o maior artilheiro da história do país. Esse era o meu objetivo maior. Infelizmente veio a guerra. Eu tive proposta da Atalanta, da Itália, do Ulsan, da Coreia. Eu queria dar para a minha família uma experiência de vida na Ásia, então estava muito perto de acertar lá. Quando veio a proposta do Corinthians, o Corinthians é um clube muito intenso. Eu tinha acabado de vir da guerra, estava perto da minha família, no Brasil. Decidimos, então, ficar no Brasil, porque também tinha ameaça de guerra entre as coreias. Com tudo isso, decidimos ficar no Brasil. Também achei interessante viver o Corinthians”, explicou.
A passagem pelo Timão, entretanto, não foi como a torcida esperava. O atacante fez apenas um gol em 21 partidas. O jogador garantiu que ter assinado pouco tempo depois de ter vivenciado os primeiros dias de guerra na Ucrânia foi prejudicial. Moraes não tinha cabeça para assimilar tudo e focar 100% no futebol.
“Infelizmente, não me adaptei bem ao país, depois de 12 anos fora. Voltei da guerra e, depois de uma semana, estava no Corinthians, estreando em umas quartas de finais de campeonato. Não tive tempo de abaixar a adrenalina. Meu psicológico estava muito abalado, e eu já entrei em um nível de estresse muito grande, jogos de dois em dois dias. Acabei não dando conta de muita informação ao mesmo tempo”, lamentou.
Apesar de não ter vivido o Timão da forma como esperava, Moraes qualifica a experiência como “válida, de aprendizado”, e relembra que também teve momentos marcantes no clube. “Jogar contra o Boca, na Arena, foi um momento incrível”, citou como exemplo.
O jogador, também, lamentou a pressão que passa dos limites, comentando episódios de violência recentes contra jogadores do clube, mas deixou claro a admiração pelo verdadeiro torcedor corintiano.
“O Corinthians não vive um momento bom, é um momento de muito estresse. É um ano político também, de troca de presidente. Os resultados não estão vindo… Infelizmente, aconteceu essa situação com o Luan, entre outras coisas. Ameaças à família do Cássio, do Willian. O Corinthians tem uma torcida incrível, vivi momentos na Arena que foram incríveis. São algumas pessoas que não agem de boa fé e realmente acabam sujando um pouco (o nome da torcida). Mas jogar Libertadores, contra o Boca, na Arena, momentos incríveis… Se toma um gol, a torcida grita ainda mais. Em vários jogos, a gente entrou perdendo e conseguiu virar com a força da nossa torcida. Foi incrível poder viver isso”, ressaltou.
Em Portugal aguardando o novo desafio da carreira, Júnior Moraes espera uma nova oportunidade na Europa. Não fecha portas em outras ligas, mas garante que uma experiência no futebol português seria especial para a carreira.
“Eu não posso me limitar em falar: só Portugal. Mas eu tenho raízes em Portugal, meu irmão já vive aqui há 20 anos, e é um lugar que eu tenho no meu projeto de vida. Viver o futebol português seria interessante, seria legal. Me animo com isso. Me movo por desafios, então fazer história em um clube português é algo que me deixa de sangue quente para poder viver isso”.
Fonte: Ogol
Comentários