Uma análise de mais de 150 anos de dados de temperatura aponta que a sensível corrente de circulação do Oceano Atlântico vem se tornando cada vez mais lenta e menos resiliente. Segundo os pesquisadores, isso acende o alerta de que esse agente crucial do clima pode colapsar dentro de poucas décadas.

Chamada de AMOC (sigla em inglês para Circulação Meridional do Atlântico), essa corrente é considerada pelos cientistas um dos “elementos de inclinação” mais vulneráveis do planeta – o que significa que pode sofrer uma mudança abrupta e irreversível, com consequências dramáticas para todo o globo. 

Sob o clima atual da Terra, essa corrente oceânica transporta água quente e salgada dos trópicos para o Atlântico Norte e, em seguida, leva água mais fria de volta para o sul ao longo do fundo do oceano. 

No entanto, à medida que o aumento das temperaturas globais derrete o gelo do Ártico, o influxo resultante de água doce fria acionou uma chave no sistema – e pode desligá-lo completamente.

Publicado na terça-feira (25) na revista Nature Communications, o estudo sugere que o aquecimento contínuo vai levar a AMOC ao “ponto de inflexão” ainda neste século. Conforme destaca o artigo, a mudança seria tão abrupta e irreversível quanto desligar um interruptor de luz –  e poderia levar a mudanças dramáticas no clima nos dois lados do Atlântico.

Este é um resultado realmente preocupante e está mostrando que precisamos de um pé duro no freio das emissões de gases de efeito estufa

Peter Ditlevsen, físico climático da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, principal autor do novo estudo

Resultado não é uma projeção unânime na comunidade científica

Segundo o jornal The Washington Post (TWP), a análise de Ditlevsen está em desacordo com o relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, que se baseou em vários modelos climáticos e concluiu com “confiança média” que a AMOC não entrará em colapso total neste século.

Outros especialistas também observam que, como o novo estudo não considera dados de todo o sistema oceânico (em vez disso, está teorizando sobre o futuro com base em dados passados de uma região limitada do Atlântico), suas conclusões devem ser ponderadas.

Esquema idealizado da corrente de circulação no Oceano Atlântico. O esquema representa os caminhos das águas superficiais (vermelhas), intermediárias (amarelas), profundas (azuis) e abissais (roxas) sobre a topografia inferior (sombreamento azul). Transições entre essas cores indicam transformações de massa de água, e linhas brancas tracejadas indicam as latitudes nominais das cinco matrizes de monitoramento AMOC. Diagrama reproduzido de Chidichimo et al (2023).

“A afirmação qualitativa de que a AMOC vem perdendo estabilidade no último século permanece verdadeira, mesmo levando em conta todas as incertezas”, disse Niklas Boers, cientista do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático, na Alemanha. “Mas as incertezas são muito altas para uma estimativa confiável do tempo de inclinação da AMOC”.

É preciso ressaltar, no entanto, que esse estudo não está sozinho em suas conclusões. Ele, na verdade, se soma a um crescente corpo de evidências de que essa corrente oceânica crucial está em perigo. 

Ainda de acordo com a reportagem do TWP, desde 2004, observações de uma rede de boias oceânicas mostraram a AMOC ficando mais fraca – embora o período de tempo limitado desse conjunto de dados torne difícil estabelecer uma tendência. 

Os cientistas Peter e Susanne Ditlevsen também analisaram vários indicadores “proxy” da força da corrente, incluindo organismos microscópicos e pequenos sedimentos do fundo do mar, para mostrar que o sistema está em seu estado mais fraco em mais de mil anos.

Na pesquisa, os autores, que são irmãos, examinaram registros de temperaturas da superfície do mar desde 1870. Eles constataram que, nos últimos anos, as temperaturas nas águas mais setentrionais do Atlântico sofreram maiores flutuações e demoraram mais para voltar ao normal. Segundo os cientistas, esses são “sinais de alerta precoces” de que a AMOC está se tornando criticamente instável.