A Sonda Curiosity da NASA está completando 11 anos de exploração em Marte, mas a curiosidade dos astrônomos sobre o Planeta Vermelho vem de longa data. Algo que pode ser visto muito bem na história da descoberta e do estudo de Fobos e Deimos, as duas luas de Marte.

Desde que passamos a observar o céu a partir dos telescópios, descobrimos as fases de Mercúrio e Vênus, as luas de Júpiter, os aneis de Saturno, os planetas Urano e Netuno e uma infinidade de corpos menores do Sistema Solar. Mas nada disso diminuiu o fascínio humano pelo Planeta Vermelho.

No final do século XIX, diversas luas já haviam sido descobertas em Júpiter e Saturno, o que levou muita gente a se perguntar: Será que Marte não teria uma Lua? 

Em 1875, o astrônomo americano Asaph Hall se tornou responsável pelo telescópio de 66 cm do Observatório Naval dos Estados Unidos, em Washington DC. Era o maior telescópio refrator daquela época e foi com ele que Hall resolveu procurar a resposta para essa pergunta que intrigava os astrônomos.

[ Telescópio de 66 cm do Observatório Naval dos Estados Unidos – Imagem: United States Naval Observatory ]

Em 1877, Marte alcançaria sua oposição e seria um excelente momento para os pesquisadores estudarem o planeta. Asaph Hall, que já havia observado feições na atmosfera de Saturno e estudado a órbita de uma de suas luas, foi encorajado por sua esposa, Angeline Stickney, a procurar pelas luas de Marte. Só que Hall não estava muito confiante na busca. 

Por ser um planeta pequeno, de pouca massa, se Marte tivesse algum satélite, certamente sua órbita seria muito próxima do planeta. A chance de encontrar algo seria muito pequena e Hall certamente teria desistido da busca não fosse a insistência de sua esposa. 

[ Asaph Hall – Créditos – Imagem: United States Naval Observatory ]

Na noite de 10 de agosto daquele ano, Hall viu algo que parecia ser uma lua marciana, mas o mau tempo dificultou as observações e ele não conseguiu encontrar o objeto mais tarde. Dois dias depois, ele encontrou um tênue objeto ao lado de Marte, mas novamente o mau tempo, impediu que Hall o rastreasse por mais tempo. 

Asaph Hall estava certo de que tinha encontrado a lua de Marte, mas ainda precisava de mais observações para confirmar sua órbita em torno do planeta e o tempo em Washington não ajudava. Apenas em 16 de agosto ele conseguiu encontrar novamente o tênue objeto. Naquela noite, Hall conseguiu observações suficientes para comprovar que ele estava se movendo junto com Marte. E no dia seguinte, enquanto rastreava o objeto para determinar sua órbita, Hall percebeu um segundo objeto mais próximo do planeta. 

As observações de Asaph Hall naquelas noites de agosto de 1877, permitiram a descoberta não apenas de um, mas de dois satélites naturais em torno de Marte. Essas descobertas, renderam muitas honrarias a Hall, entre elas, o Prêmio Lalande da Academia Francesa de Ciências e a Medalha de Ouro da Sociedade Astronômica Real de Londres. 

Os satélites receberam o nome de Fobos e Deimos, que na mitologia grega são filhos de Ares, que é Marte na mitologia romana. Ambos são muito pequenos, tem formatos irregulares e, como já havia sido previsto por Hall, têm órbitas muito próximas a Marte. 

[ Fobos (à esquerda) e Deimos (à direita) – Imagem: NASA ]

A proximidade e a baixa inclinação da órbita dos dois satélites possibilitam algo interessante: A cada volta em torno de Marte, tanto Fobos quanto Deimos, geram um eclipse solar em algum local do Planeta Vermelho. E Fobos, que tem um período orbital de apenas 7 horas e 39 minutos, pode gerar até 2 eclipses no mesmo dia marciano, que tem praticamente a mesma duração do dia terrestre. Por serem pequenos, nenhum chega a ocultar completamente o Sol, mas não deixa de ser um fenômeno interessante de se observar através das nossas sondas robóticas em Marte.

[ Eclipse de Fobos registrado pela Sonda Perseverance em Marte – Imagem: NASA ]

Deimos, que foi o primeiro descoberto por Hall, é o menor deles com cerca de 15 km e orbita a pouco mais de 23 mil km do Planeta Vermelho. Já Fobos é um pouco maior. Tem 27 km de comprimento, mas orbita Marte a apenas 9 mil km de distância, algo em torno de 6 mil km da superfície. 

A origem das luas de Marte ainda é desconhecida e as hipóteses são controversas. A teoria mais aceita é que tanto Fobos, quanto Deimos, seriam asteroides do Cinturão Principal que foram capturados pela gravidade marciana. 

Mas em 2021, pesquisadores do mesmo Observatório Naval dos Estados Unidos, usaram dados sísmicos e orbitais da Missão InSight, para propor que as duas luas teriam surgido a partir da ruptura de um corpo maior. Um violento impacto ocorrido entre 1 e 2,7 bilhões de anos, teria destruído o objeto e parte dos destroços teriam se aglutinado para formar Fobos e Deimos. 

Essa teoria parece compatível com os dados obtidos pela NASA que mostram que Fobos é constituída por um amontoado de detritos com grandes espaços vazios entre os maiores blocos no interior da lua marciana. Geralmente, essas pilhas de entulho são formadas pela destruição e recomposição pela gravidade dos destroços de um corpo maior.

Agora, o que há de mais intrigante na maior das pequenas luas de Marte é a imensa rede de ranhuras existentes na superfície de Fobos. Essas ranhuras parecem surgir da Cratera Stickney, o que seria um indicativo de que elas teriam se formado pelos detritos ejetados da cratera durante o impacto que a gerou. Só que as ranhuras cobrem grande parte da superfície de Fobos, inclusive o lado oposto. Além disso, elas aparecem em diferentes direções, até mesmo cruzando por dentro da Cratera Stickney e para piorar, nenhum pedregulho que poderia ter formado as ranhuras foi encontrado. E isso deu margem para uma série de outras teorias para explicar a formação dessas ranhuras. 

Mas um estudo recente parece ter colocado um ponto final neste mistério. O estudo utilizou os dados mais atualizados da lua marciana para uma série de simulações computadorizadas e comprovar que todas as ranhuras de Fobos teriam se formado pelo impacto que gerou a Cratera Stickney. 

[ Cratera Stickney e as curiosas ranhuras de Fobos – Imagem: NASA ]

As simulações mostraram que o impacto teria lançado no espaço grande parte do material ejetado da cratera. Mas alguns detritos, dependendo do ângulo e da velocidade de ejeção, poderiam seguir “quicando” em Fobos por algumas horas, marcando grande parte da sua superfície com essas ranhuras.

Esses detritos, completaram algumas voltas em torno do satélite, passando inclusive pelo interior da cratera que acabara de se formar, até se perderem no espaço atraídos pela gravidade marciana. 

Uma teoria muito consistente e que prova que tudo começou na cratera de Fobus que recebeu o nome de Angeline Stickney, a esposa de Asaph Hall e a mulher que um século e meio atrás o encorajou a iniciar a pesquisa que resultou na descoberta de Fobos e Deimos, as curiosas e misteriosas luas de Marte.