Depois de um longo período de silêncio após a saída do Flamengo, o técnico Vítor Pereira refletiu sobre a sua experiência no futebol brasileiro. Para o luso, a passagem pelo país foi a mais intensa da carreira por uma série de motivos, desde o calendário, ao tempo escasso e a pressão constante por resultados.
“São jogos atrás de jogos, diferentes competições. Uma diversidade de equipes muito grande. Quem vai para o Brasil tem que ir preparado para não ter tempo para treinar, tem que ir preparado para ser criticado sem sequer ter tempo de trabalhar. Eu cheguei ao Brasil e no segundo dia fomos jogar com o São Paulo, no Morumbi. Estádio cheio, 60 mil pessoas, e as críticas começaram logo a surgir. Com o segundo dia de trabalho. Portanto, é o Brasil. É muita deslocação e muita emoção”, declarou o treinador em entrevista exclusiva ao podcast Tem Mister na Área, uma parceria de oGol com o Zerozero.
Depois de treinar os dois clubes de maior torcida no Brasil, Flamengo e Corinthians, Vítor Pereira entende que entregar resultados imediatos é um dos pontos-chave para uma trajetória com menos sobressaltos. O português falou de uma cultura já preestabelecida no futebol do país e deu como exemplo Abel Ferreira para explicar seu ponto de vista.
“É uma coisa cultural e nós temos que nos adaptar. É assim. Tu vais chegar ao Brasil e não vais mudar aquilo. O calendário é extremamente denso. O Abel, por exemplo, mesmo sendo criticado tem já uma margem grande de títulos e começou bem. No Brasil tens de começar bem, porque se não entrares bem começas a acumular não créditos, mas a acumular débitos”, disse Vítor Pereira.
Ainda sobre o tema do calendário e de uma verdadeira maratona encontrada no futebol do país, o treinador apontou os motivos pelos quais seria impossível praticar a mesma qualidade de jogo encontrada nas principais ligas europeias. Vítor Pereira definiu como “um choque” o contexto que os atletas e treinadores estão inseridos no Brasil.
“Eu quando decidi ir para o Brasil não conhecia bem o Campeonato Brasileiro. Eu via o Brasileirão para ver jogadores. Taticamente e a intensidade do jogo não me pareciam ser equiparáveis as melhores ligas na Europa. Mas quando lá chegas percebes claramente o por quê. Por que é impossível. Tu jogas de três em três dias, não consegues recuperar. Fazes viagens quase intercontinentais. Sais de 15 graus em São Paulo e vais jogar com 35 graus no Ceará. Isso é a realidade do futebol brasileiro. Para eles é tudo normal, para nós é um choque. E isso impede muito a qualidade do jogo”, apontou VP.
Outro tema abordado por Vítor Pereira foi a pressão encontrada no futebol brasileiro. Se por um lado o técnico classificou alguns comportamentos como “irracionais”, por outro a paixão pelo jogo foi exaltada e definida como arrepiante pelo técnico de 55 anos.
“Culturalmente o Brasil é um desafio muito grande. As torcidas, independentemente do valor da equipe, dos jogos serem em sequência, o que eles querem mesmo é ganhar. E no Brasil a emoção é sempre uma coisa que é extrapolada, vivida de uma forma irracional. De racional não tem absolutamente nada. Aquilo que se avalia é muito na base da emoção, na base da torcida, na base da paixão. Por um lado, para quem gosta de futebol é espetacular, vê quase sempre os estádios cheios. Jogar no Brasil é jogar muitas vezes com 40 mil pessoas. Fácil. Para quem gosta dessa emoção, como eu gosto, é uma coisa que arrepia, que mexe”, indicou Vítor Pereira.
Nos últimos dias, o técnico luso voltou a ser assunto por conta de algumas declarações no evento Thinking Football, em Portugal. VP disse que o ponto mais negativo da passagem pelo Brasil foi a “falta de educação geral”. Vítor Pereira ainda lembrou de Renato Paiva, que pediu demissão recentemente do Bahia, em meio à pressão da torcida e da imprensa. Segundo o ex-treinador de Corinthians e Flamengo, as críticas passam do limite no país.
“Temos que estar preparados para uma crítica agressiva, às vezes irracional e mal educada. Aqui em Portugal tu és criticado, mas há um limite. Lá não. Quem passa do limite ainda leva medalhas por passar do limite. Quanto mais show você provoca, mais seguidores têm”, disse Pereira.
O técnico falou também da verdadeira montanha-russa de emoções que é o futebol brasileiro. Para Vítor Pereira, por mais que um treinador se prepare, a experiência no Brasil é diferente e mais exigente de tudo aquilo que já encontrou na carreira.
“O Brasil é assim no próprio clube. Ganha e te colocam na seleção do Brasil, depois perdes e te colocam num avião para ir embora. Quem vai para o Brasil tem que estar preparado para isso. Eu consigo compreender o Bruno Lage. Por mais que você se prepare na Europa, nunca você vai estar preparado para chegar ao Brasil. Não é a pressão. Às vezes você sente que está construindo algo e não tem tempo… Você sente uma desilusão”, finalizou Vítor Pereira.
Fonte: Ogol
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