Um artigo publicado na quinta-feira (14) no Astrophysical Journal Letters descreve uma nova medição revolucionária feita pelas sondas Solar Orbiter e Parker que aproxima os cientistas de resolver um mistério de mais de seis décadas em torno do Sol. 

A questão é que a atmosfera de nossa estrela hospedeira (ou coroa) é surpreendentemente mais quente do que a superfície, apesar de estar mais longe da fonte óbvia de calor (o núcleo) – e este é um enigma que intriga os físicos há cerca de 65 anos.

De acordo com um comunicado da Agência Espacial Europeia (ESA), que opera a Solar Orbiter, a colaboração entre as duas sondas foi possível quando seu equipamento realizou algumas manobras que possibilitaram à espaçonave observar o Sol e a sonda Parker, da NASA, ao mesmo tempo. Isso permitiu observações simultâneas entre elas, que juntas indicaram que a turbulência provavelmente está aquecendo a coroa solar a temperaturas inigualáveis.

“A capacidade de usar as sondas Solar Orbiter e a Parker realmente abriu uma dimensão totalmente nova nesta pesquisa”, disse Gary Zank, coautor do estudo e pesquisador da Universidade do Alabama, nos EUA.

Como decifrar o segredo do aquecimento coronal?

A coroa pode atingir temperaturas de até um milhão de graus Celsius, enquanto 1,6 mil km abaixo dela, a fotosfera só chega a seis mil. Isso é incompreensível porque o núcleo, onde ocorre a fusão nuclear de hidrogênio com hélio, é de onde vem a maior parte do calor da estrela. É como o ar cerca de 30 cm de uma fogueira sendo mais quente do que a um centímetro de distância das chamas.

A discrepância no calor indica que deve haver outro mecanismo de aquecimento atuando diretamente na coroa. Até agora, esse mecanismo ainda não foi entendido pelos cientistas, mas a turbulência na atmosfera do Sol aquecendo significativamente o plasma coronal tem sido considerada uma explicação plausível. 

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Representação artística da sonda Solar Orbiter, da ESA, que investiga o Sol mais remotamente do que a Parker Solar Probe, da NASA. Crédito: Medialab ESA/ATG

Espaçonaves podem analisar o Sol de duas maneiras: de perto, fazendo medições in situ, como a Parker, ou realizando investigações mais remotas, como a Solar Orbiter. Enquanto esta estuda a coroa a cerca de 42 milhões de km do alvo (uma distância relativamente segura), a outra enfrenta o plasma quente ejetado pelo astro ao passar a cerca de 6,4 milhões de km da superfície solar. 

O sensoriamento remoto pode ver detalhes amplos do Sol, mas não consegue fazer observações sobre a física que está em jogo no plasma coronal. Por outro lado, as análises in situ podem medir esse plasma com mais detalhes, mas tendem a perder o quadro solar maior.

Isso quer dizer que unir as medições em grande escala da Solar Orbiter com as observações detalhadas dos eventos do Sol feitas pela Parker Solar Probe poderia nos apresentar a imagem total do astro com todos os detalhes intrincados preenchidos – ou seja: o melhor dos dois mundos.

A sonda Parker, da NASA, faz aproximações periódicas do Sol, chegando a quase 6,4 milhões de km de distância da superfície solar. Crédito: NASA/Johns Hopkins APL

Alinhamento perfeito para investigar o Sol em conjunto

Uma equipe de astrônomos liderada pelo pesquisador Daniele Telloni, do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália (INAF), descobriu que, em 1º de junho de 2022, os dois observatórios solares estariam a uma distância sensível da configuração orbital desejada para trabalhar em equipe.

Enquanto a Solar Orbiter estaria olhando para o Sol, a sonda Parker estaria apenas ao lado, somente um pouco fora de vista do instrumento Metis da espaçonave da ESA – um coronógrafo que bloqueia a luz da fotosfera para obter imagens da coroa, ideal para observações em grande escala e distantes.

Para alinhar perfeitamente as duas espaçonaves e colocar a Parker na vista do Metis, a Solar Orbiter realizou uma manobra de 45 graus, sendo então ligeiramente apontada para longe do Sol.

Os dados que foram coletados como resultado dessa manobra bem planejada autorizada pela equipe de operação da espaçonave revelaram turbulências que poderiam de fato estar transferindo energia da maneira que os físicos teoricamente previram que estaria causando aquecimento coronal.

Segundo o estudo, a turbulência impulsiona o aquecimento coronal de uma forma semelhante ao que acontece quando o café é agitado aqui na Terra. A energia é transferida para escalas menores por movimentos aleatórios em um fluido ou gás – café e plasma – convertendo essa energia em calor. No caso da coroa, o plasma é magnetizado, e isso significa que a energia magnética armazenada também pode ser convertida em calor.

A transferência de energia magnética e cinética (de movimento) de escalas maiores para menores é a própria essência dessa turbulência e, nas menores escalas, permite que as flutuações interajam com partículas individuais, principalmente prótons carregados positivamente, aquecendo-as.

Mas, isso não quer dizer que o mistério do aquecimento coronal seja “caso encerrado”. Os cientistas ainda precisam confirmar o mecanismo que foi sugerido por esses resultados e pela colaboração entre as sondas. “Esta é uma estreia científica. Este trabalho representa um passo significativo na resolução do problema do aquecimento coronal”, disse o cientista do Projeto Solar Orbiter, Daniel Müller.