Nas últimas semanas, muito se falou sobre a taxação de 35% dos veículos elétricos importados para o mercado nacional, com o apoio da ANFAVEA, Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. A ideia é acabar com a isenção de impostos para os carros que utilizam motores elétricos de forma gradual até 2026.
A medida lembra muito o Inovar Auto, Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, que foi implantado em 2013. O ponto principal era aumentar a eficiência energética dos veículos leves e promover investimentos em tecnologia e inovação.
Por trás do projeto, o governo dizia que a meta era modernizar os carros produzidos no Brasil e melhorar a competitividade da indústria nacional, mas o regime também protegia a produção nacional de veículos. Você deve se lembrar do estouro da JAC Motors, por exemplo, que tinha o apresentador Fausto Silva como “garoto propaganda”, oferecendo veículos com equipamentos como ar-condicionado, direção hidráulica ou elétrica, vidros e travas elétricas, freios ABS e airbags de série, custando o mesmo valor que um veículo básico.
Isso causou furor no mercado e o Inovar Auto foi criado, penalizando marcas que traziam seus veículos importados ao país. Empresas como Jaguar Land Rover e Mercedes-Benz ergueram suas fábricas no país e se livraram destes impostos. Já a KIA e a própria JAC Motors, que não passaram a produzir carros por aqui, foram duramente taxadas – o que quase as fez deixar o Brasil.
A Chery construiu, nunca decolou e, no final, foi absorvida pela CAOA, se tornando CAOA Chery. A JAC Motors chegou a sinalizar a intenção de construir sua fábrica em Camaçari, na Bahia, enterrando o hatch J3 como cápsula do tempo em uma ação de marketing, mas a retração do mercado acabou tirando as esperanças da marca. A montadora chegou a receber incentivos do governo do estado e teve que devolver essa verba, entrando até com um pedido de recuperação judicial. A KIA, que vendia perto de 80 mil carros por ano, até hoje sente os reflexos do Inovar Auto e patina no mercado.
Então, a quem interessa esse imposto?
Curiosamente, interessa às próprias marcas instaladas no país e à ANFAVEA. Renault, Volkswagen, Chevrolet e o grupo Stellantis (Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) argumentam que essa medida forçaria marcas como Ford, GWM, BYD, Volvo, Porsche e tantas outras que importam seus veículos eletrificados, a construir fábricas no Brasil. Com isso, mais empregos seriam gerados.
Por outro lado, o que vemos é o protecionismo dessas empresas. Além de retrógrada, a medida de certa forma impede o avanço da descarbonização no Brasil por meio dos veículos elétricos importados por marcas que não estão instaladas no país. O projeto garante que as mesmas marcas que estão trazendo seus carros elétricos para o nosso mercado não paguem essa taxa.
A Renault, por exemplo, recentemente, apresentou o Megane e-Tech e vende o Kwid e-Tech, que são importados. Enquanto isso, a BYD, que ainda não produz carros no país, precisaria pagar a taxa – o que aumentaria substancialmente o preço do Dolphin, que hoje está custando R$ 149.990. A proposta, portanto, minaria as vendas do veículo e, consequentemente, “tiraria” a BYD da jogada.
Outro impacto da medida é justamente retardar o processo de eletrificação, que demanda investimentos robustos das marcas instaladas, mantendo os carros a combustão predominantes no mercado, com preços altos para garantir o lucro.
No final das contas, quem irá perder com essas medidas não são efetivamente as marcas que importam seus veículos para o Brasil, pois os modelos continuarão sendo vendidos, embora em volume menor. Quem perde com isso é o consumidor brasileiro, apaixonado por carros e tecnologia, que verá a chance de ter um elétrico na garagem e ter seus custos muito reduzidos irem por água abaixo, ou, pelo menos, demorar muito mais para acontecer.
Fonte: Olhar Digital
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