Na História da Astronomia, diversos eclipses são conhecidos por sua importância científica. Tais fenômenos nos oferecem a chance de estudar detalhes do relevo lunar, a coroa solar e até mesmo comprovar a teoria da relatividade de Einstein. Entre todos eles, o mais importante foi um eclipse ocorrido há mais de 2.600 anos, que foi capaz de encerrar uma guerra e é considerado o fenômeno que marcou o nascimento da ciência.

A sombra do eclipse total do Sol ocorrido em 28 de maio de 585 a.C. escureceu o campo de batalha e pôs fim a uma guerra que já durava mais de 5 anos entre lídios e medos. Tão assombrados quanto os guerreiros dos dois reinados que lutavam naquele dia, ficaram os gregos ao perceber que aquele eclipse teria sido o primeiro da história cuja ocorrência teria sido prevista por Tales de Mileto. 

O palco daquela guerra e do eclipse era o Planalto da Anatólia Oriental, onde hoje é a Turquia. Em campo, o exército do reino da Lídia, liderado por Alíates e do reino Medo, conduzido por Ciaxares. Segundo escreveu o historiador grego Heródoto, no sexto ano da guerra, travou-se uma batalha às margens do Rio Hális, e quando a luta tinha começado, de repente, o dia se transformou em noite. Os Lídios e os Medos, quando viram que a noite substituíra o dia, cessaram sua luta, ansiosos de que a paz se estabelecesse entre eles.

[ A batalha entre Lídios e Medos foi interrompida por um eclipse total do Sol em 28 de maio de 585 a.C. – Gravura: Georges Rochegrosse ]

Como todos sabem, um eclipse total do Sol é um fenômeno muito raro de se ver. E naquela época, para a maioria das pessoas, era algo sem explicação. Por isso, sua ocorrência sempre esteve associada a algum tipo de insatisfação divina, premonição de catástrofes e principalmente, queda de reinados. Para lídios e medos no campo de batalha, o eclipse foi interpretado como um aviso dos deuses, de que aquela luta estava muito chata e que eles tinham que acabar com aquilo.

Diante da insatisfação dos deuses, Alíates e Ciaxares se apressaram em fechar um acordo de paz. Ficou definido que o Rio Hális seria a fronteira entre os dois reinos e, para selar a aliança com muito amor, Arienis, a filha de Alíates, foi dada em casamento para Astíages, filho de Ciaxares. E foi assim, que um eclipse total do Sol encerrou uma guerra de 5 anos em apenas uma tarde!

Mas o que nem medos nem lídios sabiam é que aquele fenômeno não era um sinal da ira e nem do tédio divino. Por outro lado, não muito longe dali, o filósofo grego Tales de Mileto sabia que o eclipse iria ocorrer. Sabia que era apenas um fenômeno natural. Só não sabia que aquele alinhamento entre Sol, Lua e Terra, poderia provocar o fim da guerra e um casamento não muito desejado entre os inimigos.

Tales foi um dos grandes pensadores gregos que viveu em Mileto entre os anos 624 e 548 a.C.. Além de filósofo, Tales era astrônomo, matemático, engenheiro e comerciante. Considerado por muitos como o precursor da filosofia oriental, foi um dos primeiros a negar as explicações místicas e formular soluções racionais para os fenômenos da natureza, como as cheias dos rios e os eclipses.

Tales era fascinado pelo céu noturno. Segundo uma criada da Trácia, ele sabia exatamente a posição dos astros no céu, mas era incapaz de reconhecer o que havia à frente dos seus pés. Ela disse isso depois que Tales caiu em um poço enquanto observava as estrelas. 

Pois bem, não se sabe ao certo como Tales previu o eclipse de 585 a.C., isso porque ele próprio não era muito de escrever. Pode ter sido por análise dos ciclos entre os eclipses ou pela predição das posições da Lua e do Sol no céu. Mas é certo que ele previu de fato aquele eclipse. Tal feito é relatado em vários escritos de historiadores e filósofos antigos. 

E como hoje, podemos facilmente calcular as ocorrências dos eclipses com precisão, tanto no futuro quanto no passado, foi possível concluir que o chamado Eclipse de Tales, ocorreu no dia 28 de maio de 585 a.C. E essa é uma das principais referências precisas de data que temos na história antiga. A Batalha de Hális é o mais antigo fato histórico em que se conhece o dia exato em que ele ocorreu. E por ter sido a primeira vez, ao menos na Grécia, que a ocorrência de um eclipse foi prevista, tal feito foi descrito pelo escritor americano Isaac Asimov, como “o nascimento da ciência”. Foi aquele momento em que uma explicação mística para algo que ocorria na natureza foi inquestionavelmente superado pela ciência. 

[ Caminho do eclipse de Tales previsto por Fred Espenak e Jean Meeus – Gráfico: NASA ]

Provar que os eclipses eram apenas um fenômeno natural e que se poderia prever quando ocorreriam, significava que os reis não precisariam mais se preocupar com eles, pois não seriam um anúncio dos deuses de que algo muito ruim ocorreria com o soberano. Mas isso na visão dos filósofos. Na prática, o que aconteceu foi que a capacidade de prever esses fenômenos não reduziu o temor dos governantes sobre os mal agouros de um eclipse, mas deu ao rei uma forma de se proteger deles. 

Entre os babilônios, por exemplo, quando os astrônomos reais previam a ocorrência de um eclipse, o rei abdicava de seu trono para se preservar. Em seu lugar, assumia um rei substituto, acompanhado, é claro, de sua rainha. Felizes e orgulhosos com tanto poder, o rei e rainha substitutos testemunhavam a ocorrência do fenômeno astronômico e depois eram simplesmente assassinados, sacrificados aos deuses e o rei, enfim, retomava o trono para seguir seu governo livre dos perigos do eclipse. 

Parece que eles não entenderam muito bem para que serve a ciência. 

Mas se há algo que não deixa a menor dúvida é a importância do eclipse previsto por Tales para a Ciência. Não à toa, Tales de Mileto é apontado como um dos sete sábios da Grécia Antiga e o “pai” da filosofia ocidental. De quebra, aquele eclipse ainda foi capaz de promover a paz entre lídios e medos e unir um casalzinho nada apaixonado. Mas tá valendo!