Quanto vale decretar o fim de um jejum de 33 anos? Ou os 26 gols que o fizeram artilheiro desta conquista? E a alegria que fez Nápoles explodir em festa depois de tantos anos? Pelo visto não muito na cidade. Bastou um pênalti perdido para o protagonista do título do Napoli em 2022/23 ser tripudiado pelo próprio clube nas redes sociais, com toques de crueldade e racismo, despertando a ira de Victor Osimhen.
O caso ainda está quente enquanto essas linhas são escritas, e o desfecho é ainda incerto. A relação entre Napoli e Osimhen, no entanto, parece ter sofrido uma fratura irreparável. O agente do atleta já manifestou a indignação com o tratamento dado ao atacante, que por sua vez retirou a maior parte de suas fotos com a camisa napolitana, com ameaça de ir à justiça pela humilhação pública e com futuro indefinido.
O motivo para a revolta foi a publicação, posteriormente apagada, de dois vídeos nas redes sociais do Napoli, caçoando do pênalti perdido no empate em 0 a 0, fora de casa, com o Bologna. Osimhen foi substituído na sequência por Rudi García, e chegou a discutir com o técnico. Nas montagens publicadas, a conta oficial do clube zomba do fato dele ter pedido para cobrar e depois desperdiçado. Em outro vídeo supostamente publicado anteriormente, o jogador é comparado com um coco.
A trajetória de Victor Osimhen rumo ao panteão do Napoli foi atribulada, e já foi contada aqui algumas vezes. A história começa com altas expectativas em 2020, depois do clube investir um recorde de 70 milhões de euros, mais bônus, pelo atleta. O primeiro ano, no entanto, foi de atuações modestas, com 10 gols em 30 partidas.
Os altos valores pesaram na avaliação do jovem Osimhen. O desempenho esteve longe do desastroso, e a segunda temporada mostrou evolução, com bons jogos e 18 gols. Ainda assim, para muitos, algo abaixo do que deveria render pelo preço pago.
Foi na segunda temporada que Osimhen teve pela primeira vez de confrontar o problema de racismo nos gramados, em jogo contra a Fiorentina. Não estava sozinho. Koulibaly, ídolo no Napoli, e Frank Zambo Anguissa denunciaram injúrias racistas – teriam sido chamados de “macacos”, entre outras coisas. Aqui, ao menos, os atletas foram apoiados pelo Napoli.
“Fale com seus filhos, seus pais, faça-os entender como é nojento odiar um indivíduo por causa da cor de sua pele. NÃO AO RACISMO”, publicou Osimhen, compartilhado depois pela conta oficial do clube.
Na terceira temporada, Osimhen fez valer cada centavo investido pelo Napoli. Ao lado de Kvara, ou Kvaradona para os torcedores, o atacante desmontou rivais mais abastados e poderosos. O título italiano foi o primeiro desde 1990. O nigeriano se transformou em um dos atacantes mais valorizados do futebol mundial, com apenas 24 anos e com o auge pela frente.
A idolatria, no entanto, parece ter ruído rapidamente nos últimos dias. Primeiro pela discussão com Rudi García – Kvara já havia entrado em conflito com o treinador. Mas o jovem georgiano, de 22 anos, não chegou a ter de enfrentar a zombaria do próprio clube. Outro atacante importante no elenco, Raspadori chegou a perder penalidade recentemente, e também não foi alvo. A diferença de tratamento fez levantar novamente o questionamento sobre racismo na Itália, com um indício ainda maior de algo errado no infame vídeo do coco.
A comparação com o Coco, inicialmente, se deve ao corte de cabelo, e já seria problemática por si só. O termo, no entanto, tem conotações racistas fortes em diversos países. Pode significar o velho “preto por fora, branco por dentro”, a questionar a “cabeça oca”. Desta vez, o fogo é amigo, de dentro do próprio clube, que até a publicação deste artigo sequer havia saído em defesa do atleta, mesmo muito depois de o mundo ter reverberado o tratamento humilhante oferecido a seu próprio ídolo.
Fonte: Ogol
Comentários