Segunda-feira, Novembro 25, 2024
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Tite, o jogo de posição e o fantasma de Jorge Jesus

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Corinthians e Flamengo travaram uma disputa nos bastidores por Tite, que está cada vez mais próximo do Rubro-Negro. Um já foi feliz com o técnico. O outro quer ser. Mas, se por um lado a Fiel tem a certeza que o técnico tem a cara do Timão, e lamenta a impossibilidade de acerto (Mano Menezes era o plano B), por outro a Nação desconfia se Tite é o nome certo para recolocar o clube no caminho das vitórias depois de uma temporada frustrante, com derrotas em todos os campeonatos disputados. Muito desse ceticismo se deve a experiências traumáticas com o jogo posicional na Gávea. E, também, tem um pouco a ver com o tal fantasma de Jorge Jesus. 

Quando o nome de Tite pintou como possível substituto de Sampaoli (antes do mesmo ter sido demitido), a permanência do jogo de posição que frustrou o torcedor flamenguista nos últimos anos veio logo em mente. Os fracassos, de Domènech Torrent a Sampaoli, estão recentes na memória. E no imaginário, ainda está a Era Jorge Jesus. 

Entra ano, sai ano, e sempre que o Flamengo busca um novo técnico, o nome de Jorge Jesus aparece entre os cotados. O retorno nunca se tornou realidade. Mas não apenas a figura de Jesus traz conforto ao torcedor rubro-negro, e até a diretoria. Mas a forma como aquele Flamengo jogava. 

Jesus, ao contrário dos técnicos recentes, que adotaram o jogo de posição, e mesmo ataques posicionais (são conceitos diferentes, embora possam se complementar), era adepto de um jogo mais direto. Aproveitava a verticalidade da saída de bola pelos zagueiros, ou laterais, para chegar rápido ao ataque e finalizar os lances com poucos toques. 

Foi o estilo de jogo que mais se adaptou ao grupo de jogadores do Flamengo, que teve algumas mudanças ao longo dos anos, mas manteve a base e, também, as características. O elenco rubro-negro não conseguiu se adaptar ao jogo posicional, talvez até ele assombrado pelo fantasma de Jorge Jesus. 

Antes de tudo, temos de entender o que é o jogo de posição. Já que muito se fala nele, e pouco se aprofunda sobre o tema. O jogo de posição é pautado em alguns princípios fundamentais, como a de posições bem definidas e respeitadas em campo, a compactação com e sem a bola e a busca por superioridade. 

No último conceito, vale ressaltar que, no futebol, a superioridade mais conhecida é a numérica, quando um time povoa melhor um setor do campo. Mas existem, ainda, a superioridade posicional (quando um jogador se posiciona de maneira vantajosa para a sequência do lance, em comparação com seus adversários); superioridade socioafetiva (a busca por jogadores que se completam em campo); superioridade qualitativa (criar o ambiente para o jogador usar seu lado inventivo); e superioridade cinética (criar uma vantagem de tempo e espaço com relação ao marcador). 

A característica mais forte do jogo de posição é deixar bem definidos os posicionamentos dos jogadores em campo. A bola é que vai até o jogador. Bem, vamos usar o exemplo mais clássico disso: Pep Guardiola. Talvez Thierry Henry seja a pessoa que melhor explicou o jogo de Guardiola.

“Ele (Pep) costumava falar de três pilares: Jogar, ter a bola e se posicionar. O mais importante é posicionamento. Você tem que ficar na sua posição e confiar nos seus companheiros para a bola chegar até você. Às vezes, no treino, ele usava cones para fazer uma linha até o último terço (do campo), e quem estava na direita, não podia ir para a esquerda, e os da esquerda não podiam ir para a direita. Aí tinha uma outra linha no último terço, que era a “força da liberdade”. (…) Ele costumava dizer: ‘Meu trabalho, é levar vocês até o último terço do campo. O seu trabalho, é finalizar o serviço'”, disse Henry em uma explanação tática na Sky Sports britânica.

Pegando como gancho a explicação de Henry, deixamos espaço para o próprio Tite falar sobre essa tal liberdade no último terço. Em entrevista para a RDC gaúcha em 2022, quando ainda comandava a seleção, Tite contrastou que o jogo de posição não, necessariamente, engessa os jogadores. Pelo contrário, traz ferramentas para o atleta usar seu lado inventivo. Como disse Henry. 

“Ninguém engessa ninguém. A capacidade criativa do atleta é o mais importante. Todo o atleta que passou por nós (na seleção), sabe que do meio para frente, quando a bola chega ali, o senso criativo, da caneta, da finta, do passe entre linhas, ele é dele. A gente estabelece um posicionamento para que a bola chegue a eles em uma condição de aproveitarem a criatividade. A organização potencializa a criatividade”, deixou claro Tite. 

A previsibilidade do jogo de posição pode ser fatal. Mas tem mais a ver com a aplicabilidade do estilo de jogo do que com o conceito em si. Afinal, uma escola de futebol que bebeu da fonte de Cruyiff e Guardiola não poderia ser um mal ao futebol, correto?

Quando passamos aos conceitos defensivos do jogo de posição, talvez os torcedores flamenguistas fiquem um pouco mais entusiasmados. Afinal, a pressão pós perda, muito usada por Jesus em 2019, é um dos princípios básicos. 

É fácil explicar: o jogo de posição valoriza a posse de bola, já que os ataques são mais longos. Assim que o adversário recupera, é necessária uma pressão imediata para não ser surpreendido com contra-ataques. Matar o contra-ataque na origem ou recuperar a bola imediatamente são os objetivos principais na primeira fase da transição defensiva. Tite mostrava esse lado desde que era técnico de clubes no Brasil. Era fácil ver a força da pressão pós perda no Corinthians campeão mundial. 

A marcação é feita em zona, algo que foi novidade para a seleção, protegendo a área e condicionando o adversário a buscar o fundo. A bola é sempre a referência para o posicionamento dos atletas. Sem sucesso na reação pós perda, o time abaixa as linhas e se reagrupa de forma compacta. 

Falando de esquema base, Tite ganhou o mundo com o Corinthians e se consolidou na seleção usando o 4-1-4-1. Apesar de ter apresentado diversas variações ao longo dos anos, com os usos, também, do 4-2-3-1, 4-2-4 e 4-3-3, Tite parte sempre do princípio do 4-1-4-1. 

Uma das figuras principais desse esquema é o meia box to box. Elias foi no Corinthians, Paulinho na seleção. Os movimentos de ruptura e infiltrações tornam realidade o 4-1-4-1. A presença deste jogador, que tem boas noções defensivas, é também importante na recomposição defensiva. O time consegue ter equilíbrio, levando seis jogadores ao último terço, e balanceando com oito ou nove na linha defensiva. 

Na primeira fase de construção, Tite tem preferência por uma saída 2+2, com os dois zagueiros recebendo apoio de um lateral e de um meia. Um lateral atua mais por dentro, como construtor, enquanto o outro dá mais amplitude ao time. A abertura dos laterais, e dos pontas, é fundamental para o jogo posicional, já que gera mais espaço para a progressão com bola de pé em pé. Obriga o rival a abrir a defesa. 

A busca por triangulações, com a criação de pelo menos duas linhas de passe para o portador da bola, é fundamental para o sucesso do ataque posicional proposto por Tite, com jogadores próximos para buscar o último terço. 

Sem deixar de lado a capacidade de Tite de tirar o melhor de seus jogadores e, também, de se adaptar a novos contextos e necessidades, e pegando como base os trabalhos anteriores do técnico, é de se esperar que o Flamengo, caso feche com o técnico, vá ao mercado em busca de algumas peças importantes para o funcionamento do esquema de Tite. 

O volante box to box que Tite tanto gosta, com boa chegada no último terço e, também, combatividade na marcação, não parece ser Gerson, que fez quatro gols na temporada e deixou o time exposto em alguns momentos na defesa. Se Ayrton Lucas é um lateral de muito ataque a profundidade, do outro lado falta um jogador capacitado para trabalhar por dentro. Não é característica de Wesley, nem de Matheuzinho, e muito menos de Varela. São apenas exemplos práticos do que deve ser buscado em um primeiro momento. 

O sucesso, ou não, de Tite no Flamengo, se é que vai haver um Tite no Flamengo, será pautado pelo planejamento. Pela renovação do elenco, criando o ambiente perfeito para o técnico aplicar seus conceitos. E aproveitando o melhor do elenco. Tite já mostrou que pode tirar o melhor dos jogadores. Que pode aplicar um futebol ofensivo, e também equilibrado. E-QUI-LÍ-BRIO. Mas não será sozinho, e nem do dia para a noite. 

Fonte: Ogol

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